Crítica - Only God Forgives (2013)

 
Realizado por Nicolas Winding Refn
Com Kristin Scott Thomas, Ryan Gosling, Vithaya Pansringarm

A carreira de Nicolas Winding Refn começou muito antes de “Drive” (2011), mas foi este magnifico thriller que o celebrizou junto do grande público, que agora já presta a devida atenção ao seu trajeto profissional e aguarda ansiosamente pela estreia dos seus novos projetos. É por isso que todo o mundo estava em pulgas para ver “Only God Forgives”, um filme que prometia ser tão violento e excitante como a última e aclamada longa-metragem deste jovem cineasta dinamarquês, que acabou por gorar as elevadas expetativas de todos aqueles que esperavam encontrar em “Only God Forgives” um digno sucessor de “Drive”, muito embora ambos resultem de uma colaboração entre o realizador Nicolas Winding Refn e o ator Ryan Gonsling, que neste filme interpreta Julian, um homem perigoso que dirige em Banguecoque um clube de boxe tailandês que, na realidade, serve de fachada para o seu negócio de tráfico de droga. A pedido da sua impiedosa mãe, Crystal (Kristin Scott Thomas), Julien terá que vingar a morte do seu irmão, Billy (Tom Burke), que foi brutalmente assassinado com a conivência de Chang (Vithaya Pansringarm), um misterioso policia e uma espécie de justiceiro divino que é idolatrado pelos seus pares.

 

É inegável que “Only God Forgives” é fiel ao estilo psicadélico e fisicamente aguerrido de Nicolas Winding Refn, mas também é inegável que, desta vez, este competente cineasta não criou uma obra de valor inquestionável com capacidade para maravilhar, surpreender e entreter todos os espetadores que deliraram com “Drive”. É ainda assim possível encontrar algumas nobres semelhanças entre estes dois filmes que têm, por exemplo, uma banda sonora igualmente elétrica e ritmada da autoria de Cliff Martinez que, em ambos os casos, guarnece o filme com um genial e energético pano de fundo musical que ajuda o público a entrar no espirito violento do enredo, cuja inerente variável artística acaba por combinar muito bem com os profundos acordes elétricos das composições criadas por Martinez. Os dois filmes são também muito violentos, mas nota-se que “Only God Forgives” é um bocado mais contido neste aspeto. É claro que Refn não ignorou nem atirou para segundo plano a violência, até porque grande parte dos momentos mais empolgantes deste filme são compostos por cenas sangrentas que, embora sejam interessantes, não são propriamente chocantes ou explícitas. As únicas exceções dizem respeito às brutais sequências que nos mostram o lado mais negro e justiceiro de Chang, uma personagem fenomenal que, durante o filme, tortura, espanca e mata a sangue frio várias personagens, uma das quais é mesmo brutalmente torturada numa das cenas mais fortes do filme. As restantes sequências violentas são fiéis à sua descrição, mas Refn decidiu não mostrar ao público as suas sangrentas e explicitas conclusões que, pelos vistos, têm de ser imaginadas pelo próprio espetador, com base nas pistas que Refn vai dando sobre o que aconteceu ou irá acontecer. É por isso que “Only God Forgives” não é de todo um filme gore cheio de cenas hardcore que nos fazem desviar o olhar, muito embora a sua trama se desenrole no seio de um ambiente carregado de ardor e violência. É certo que algumas das suas cenas mais aguerridas são bastante impressionantes, mas a maioria é bastante suave em comparação com as grandes cenas violentas dos anteriores projetos do cineasta, que nesta obra decidiu adotar um estilo mais artístico, que parece ter sido inspirado nos trabalhos subjetivos e psicadélicos de David Lynch.

   

É portanto complicado associar “Only God Forgives” à imagem tradicional de um filme próximo ao vigoroso estilo de “Drive” ou “Valhalla Rising” (2009), porque Nicolas Winding Refn levou aqui o seu habitual estilo cinematográfico ao extremo da subjetividade, no entanto, esta sua arriscada aposta não surtiu os efeitos mais desejados pelos acérrimos apreciadores do seu trabalho. Esta sua aposta mais artística complicou a simples história de vingança de Julien e tornou-a num esforço intelectual demasiado parado e complicado para o público geral, que certamente não compreenderá certas opções mais estranhas e enfadonhas, como as estáticas sequências onde Julien perde-se nos seus sonhos, nas suas visões e na sua obsessão pelas duas mulheres que mais ama: uma prostituta tailandesa e a sua fria progenitora. Estas questionáveis opções mais subjetivas e pseudo-inteletuais retiram fulgor e energia ao filme, mas as suas drásticas consequências vão muito além da diminuição de ritmo ou valor de certas sequências, porque todo o filme é fortemente afetado pelo estranho rumo narrativo e pelo arriscado estilo arthouse que Refn decidiu incutir a este produto que não precisava de assim tantos extras porque, afinal de contas, retrata apenas uma simples história de vingança com personagens não muito profundas, de entre as quais só se destacam duas, o justiceiro Chang e a gélida Crystal, que são magistralmente interpretadas por Vithaya Pansringarm e Kristin Scott Thomas, respetivamente. Pansringarm interpreta o misterioso e caricato Chang com um impressionante à-vontade carismático, que nos faz olhar para esta sombria personagem com um misto de receio e consideração que só valoriza a sua posição de anti-vilão. Já Scott Thomas está melhor do que nunca na pele de Crystal, uma arrojada Senhora do Crime que parece resultar de um fantástico e curioso cruzamento entre Pablo Escobar e Donatella Versace. Estas duas peculiares personagens são simplesmente fantásticas e participam em praticamente todos os grandes momentos do filme, mas é claro que o seu principal momento dá-se quando se enfrentam cara a cara num confronto apelativamente tenso e imprevisível que marca o inicio da constrangedora e algo confusa conclusão do filme. Os grandes trabalhos de Vithaya Pansringarm e Kristin Scott Thomas contrastam com o tímido trabalho de Ryan Gosling, que tem aqui um desempenho mediano que fica a léguas da forte performance que teve em “Drive”, onde a sua colaboração com Nicolas Winding Refn foi muito mais elogiada e produtiva. O seu papel é, já de si, um bocado parado e esquisito, mas o evidente carisma e talento de Gosling nunca se faz sentir durante todo o filme, nem mesmo nas suas partes mais duras e intensas que, supostamente, deveriam obrigar o ator a mostrar tudo o que tem. É pena que assim seja, mas “Only God Forgives” não é o filme intenso e convincente que todos estavam à espera. Há muitas coisas de valor nesta obra, mas o parco conteúdo do seu guião e as estranhas opções artísticas do seu realizador tornaram-no num thriller surpreendentemente oco e lento que tenta ser mais complexo do que é ou poderia ser. 

 Classificação – 3 Estrelas em 5

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9 Comentários

  1. Você critica a posição do diretor em tornar personagens mais densos, fundamentando por ser um filme de vingança, como se filmes de vingança fatalisticamente não precisasem disso e chama o mesmo de pseudo-intelectual? Após isso tive certeza que você só esperava um suposto "Drive 2" disfarçado, péssima crítica.

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  2. Com essa crítica você quis dizer, então, que filmes de ação, dando ênfase aos de vingança, não podem ter uma visão mais artística, poética. Como disse nosso colega Adriano, você ignorou os outros filmes de Nicolas Winding Refn, e focou apenas em Drive, simplesmente por ter o mesmo ator principal.

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  3. Em momento algum você levou em consideração na crítica o fato de o vingador Chang ser um policial e o significado do título da obra. Será que não há críticas à polícia e a sua forma de fazer justiça prática?

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  4. @Adriano Bertanha

    Não estou a dizer nada disso. O que digo é que, neste caso concreto, o Refn pegou numa história demasiado simples e tentou dar-lhe um toque artístico e subjetivo desnecessariamente complexo.

    @Anónimo 1

    Não ignorei os filmes anteriores de Refn e, mais uma vez, não digo que os filmes de ação/ vingança não podem ter uma visão artística. De onde é que vocês estão a retirar isso? O que eu digo é que, neste caso concreto, a história é tão simples e tão básica que a vertente subjetiva e artística incutida por Refn é exagerada e desnecessária.

    @Anónimo 2

    Esse é um bom ponto. No primeiro e no último parágrafo falo um pouco do Chang e sobre a sua profissão e posição de anti vilão, por isso não está a ser justo quando diz que não falo da personagem, mas realmente não abordei a questão moral ligada à sua profissão e à sua visão de justiça. Há ilações que o espetador deve retirar e, como não sei se as pessoas irão ler esta crítica antes ou depois de ver o filme, achei por bem não tecer grandes comentários que poderão spoilar partes do filme.

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    1. Você acabou de reafirmar minha crítica ao seu texto, muito obrigado.

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    2. Se continua a bater na mesma tecla não vale a pena refutar. Já vi que não entendeu o meu ponto de vista. Ás vezes acontece.

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  5. Para o Anónimo, cujo comentário fui forçado a apagar por ser malicioso, infundado e sem nenhuma base:

    - Devia ter vergonha em dizer essas coisas. Está visto que não conhece nem respeita o nosso trabalho. Para a próxima assuma a sua identidade. Para além de estar profundamente enganado, ainda pegou na crítica de uma conhecida minha para fazer acusações. Vergonhoso

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  6. Acho que, em vista da crítica aí escrita, o que se pode aconselhar aos que ainda não assistiram a fita é: "Deixem suas preconcepções em casa! Ou não serão poupados da sensação de terem sidos logrados." Mas, em todo caso, a fita fará jus ao que prega: só um deus perdoa. Não há como sair desse filme sem uma ferida, fria como a lâmina tantas vezes manejada na trama.

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