Crítica – Cavalo Dinheiro (2014)

 Realizado por Pedro Costa
Com Tito Furtado, Antonio Santos, Vitalina Varela

Labiríntico, sinuoso e sombrio como só a mente humana pode ser, "Cavalo Dinheiro", obra já premiada de Pedro Costa, é um filme sobre os mais desamparados, os imigrantes africanos com problemas mentais que vivem no nosso país.
Recuperando a personagem de Ventura [“Juventude em Marcha” (2006), “No Quarto da Vanda” (2000) e “Ossos” (1997)], Pedro Costa leva o espectador ao longo de quase duas horas, a penetrar no inferno interior daqueles que sofreram as maiores provações ao tentarem uma vida melhor em Portugal, aqueles que com o sacrifício da sua alma e do seu corpo, acabaram por penhorar o equilíbrio do seu espírito.

Sem nada, esquecidos por todos, longe da sua terra, estas personagens fazem-nos pensar que a descolonização (tão conveniente quanto hipocritamente criticada agora) ainda não acabou, pois, o rasto de destruição que deixou está presente quer na cabeça dos africanos que tanto sofreram subjugados durante os anos de domínio português antes, como subjugados pelos patrões oportunistas depois, quer na cabeça dos militares portugueses que nela foram obrigados a participar arruinando, também eles a sua sanidade mental. Tema tabu ele está presente de forma silenciada na maioria das famílias portuguesas e na vida de todos os africanos que esperaram encontrar no nosso país a vida que lhes foi interdita na sua terra natal.

O tratamento de questões cujas chagas ainda estão tão abertas na sociedade portuguesa, cria no espectador um desconforto do início ao fim do filme. Os corredores daquele hospital psiquiátrico são tão frios como a nossa consciência social é, de uma forma geral, em relação a este problema. As personagens são corpos a quem foi retirado o fogo da energia vital, rostos sóbrios, vozes sussurradas de quem já não grita por saber que ninguém o ouve. “Mão de obra barata” diz a música cantada quase como uma ladainha, um bichinho que tentamos calar na nossa mente mas que está lá e Pedro Costa não só o ouve como nos obriga a ouvi-lo também.
Não é um filme fácil nem de visionamento reconfortante. Entre uma plástica dantesca e uma aproximação ao documentário, "Cavalo Dinheiro" é uma chapada na hipocrisia social com a beleza e elegância que só na arte podemos encontrar. Obra singular no panorama do cinema português, o mérito do filme foi reconhecido no festival de Locarno, onde estreou e recebeu três prémios, incluindo o de Melhor Realizador, venceu ainda a competição internacional do oitavo Festival de Cinema de Vanguarda, na Grécia, e na 29.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, na Argentina, o filme conquistou uma menção especial para a fotografia.  Para além destes prémios, a revista Sight and Sound, do British Film Institute, classificou "Cavalo Dinheiro" como o terceiro melhor filme de 2014.

Classificação - 4,5 Estrelas em 5

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