Crítica – O País das Maravilhas [Le Meraviglie] (2014)

Realizado por Alice Rohrwacher
Com Maria Alexandra Lungu, Alba Rohrwacher, Monica Bellucci
   Grande Prémio do Júri da última edição do Festival de Cannes e nomeado para a Palma d’Ouro do mesmo evento, Le meraviglie de Alice Rohrwacher abriu, em antestreia nacional, a 8ª edição da Festa do Cinema Italiano que decorre em Lisboa de 25 de Março a 2 de Abril, seguindo, depois, para diversos outros pontos do país.
   O mundo, visto pelo olhar de uma jovem púbere, Gelsomina (a estreante Maria Alexandra Lungu) é um lugar com uma lógica muito própria, quase incompreensível aos nossos olhos, mas de uma grande coerência interna. Filha de uma família numerosa de apicultores estabelecidos num lugar longínquo do Norte de Itália, Gelsomina sente a necessidade de fazer com que tudo funcione da forma como sempre funcionou, chamando a si as responsabilidades que o seu sonhador e lunático pai e a sua alienada e apaixonada mãe não conseguem assumir.


   Não sentimos, no entanto, em Gelsomina, nenhuma revolta pelo excesso de obrigações. Pelo contrário, ela assume-as como parte integrante da família que ama e que a ama, a única que conhece, a sua. As coisas são como podem ser. Rodeada de irmãs mais novas (são quatro filhas ao todo), brincalhonas e cheias de expedientes para se esquivarem ao trabalho, perfeitamente consciente de todas as funções que deve executar no processo algo arriscado de extracção do mel das abelhas para venda, Gelso vê-se, de repente, face a face com um novo desafio. O tempo passou e, se ela já não se identifica totalmente com o universo das irmãs e com a visão que os pais ainda têm dela (corporizada num camelo como animal de estimação), também não consegue acompanhar as outras adolescentes suas vizinhas já que o seu mundo é totalmente único.
    Um programa de televisão e a chegada de um problemático miúdo alemão farão com que, numa ilha mágica como mágico é o modo como vê o mundo, descubra esta nova fase do crescimento e consiga mesmo conciliar as soluções encontradas com o seu papel dentro da sua louca família, tão louca, ao fim e ao cabo, como acabam por ser, de uma maneira ou de outra, todas as famílias. A sensualidade despertada é tão pueril e inocente que ganha contornos mágicos. Não há qualquer sexualização nem divagações sobre o amor erótico. Pelo contrário, todos esses elementos que, num momento ou noutro, despertam desconfianças no espectador adulto nunca passaram disso, de um confronto entre a nossa visão pouco límpida e a vivência idílica daquelas miúdas.
   Com algumas dificuldades de manutenção do ritmo e talvez algum excesso lírico, esta obra é uma homenagem, contida no próprio título,  à entrada na adolescência num cenário completamente alheio às questões que normalmente nos ocorrem quando pensamos nesta fase da vida (drogas, rebeldia, sexo, conflitos intergeracionais), é a criação de um mundo único, a estruturação de uma mundividência pessoal com a qual não conseguimos deixar de nos identificar se algum dia fomos adolescentes. Não por acaso o nome próprio da realizadora é também ele Alice.
Classificação - 4 Estrelas em 5

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