Crítica - Pára-me de Repente o Pensamento (2015)

Realizado por Jorge Pelicano
Com Miguel Borges

Na passada quinta feira, 7 de Maio, o belo e mítico Teatro Nacional São João no Porto acolheu a estreia nacional no circuito comercial português do filme "Pára-me de Repente o Pensamento", um documentário realizado pelo jovem cineasta Jorge Pelicano e produzido pela produtora Até ao Fim do Mundo. Este projeto documental retrata o quotidiano no espaço clássico mas quase claustrofóbico de um dos hospitais psiquiátricos mais antigos e consagrados de Portugal, o Centro Hospitalar Conde de Ferreira. Este hospital centenário serve portanto de cenário para um filme que nos mostra um lado relativamente desconhecido dos utentes deste tipo de centro médico que sofrem de diversas patologias mentais, umas mais graves e explícitas que outras, mas que no fundo unem todos os que afetam num mundo muito próprio que passa ao lado da maior parte da população. 
Filmado com um impressionante toque artístico e pessoal por parte do jovem Jorge Pelicano, "Pára-me de Repente o Pensamento" é, perdoem-me a expressão mais familiar, um documentário com bom aspeto técnico que denota portanto uma beleza irrepreensível ao nível de valores de produção. Este subtiliza e beleza técnica valoriza, como é óbvio, este projeto que, acima de tudo, deve e tem que ser avaliado pelo seu tema e pela forma como o explora e investiga. O objetivo deste documentário é, desde logo, bem pensado e objetivamente interessante, não só porque o seu tema foge dos parâmetros da normalidade, mas sobretudo porque nos mostra uma realidade que é relativamente desconhecida para a maior parte dos portugueses. Ao apostar numa mistura de uma abordagem intimista com um toque de reportagem documental, "Pára-me de Repente o Pensamento" consegue mostrar com uma grande abrangência e toque humano as particularidades e o quotidiano dos utentes de um centro hospital psiquiátrico. Nestes termos  particulares e bem importantes é um filme bastante revelador e informativo e, apesar de estar revestido, como seria de esperar, por um estilo mais cinematográfico do que jornalístico, há que valorizar esta obra pela sua importante vertente educacional e sobretudo social que nos mostra, sem filtros notórios, a vida médica e as vidas sociais num centro hospital psiquiátrico, bem como as exteriorizações de pensamento de vários utentes que dão a cara e as suas ideias para quebrar estigmas e partilhar os seus pensamentos tão importantes à sua maneira.
Se quer a nível social e humano "Pára-me de Repente o Pensamento" cumpre o que se esperava à partida dele, então seria de esperar também que no final tivesse ficado com a sensação de ter visto um filme de sublime qualidade, mas isso não foi propriamente o caso porque, para mim, houve algo que estragou a perfeição desta obra. E tal imperfeição óbvia restringe-se apenas e só à inclusão desnecessária de um elemento estranho no quotidiano do hospital, inclusão essa que acaba por deturpar a essência natural deste projeto. Esse elemento estranho assume a forma do ator Miguel Borges, que no contexto do documentário deslocasse ao Conde Ferreira para participar numa peça de teatro organizada pelos utentes. O objetivo da sua presença é clara, pois compreende-se que os responsáveis pelo documentário quiseram incluir, num contexto diferente, uma pessoa de fora para ver como este reagiria e quais seriam os seus pensamentos em relação às vidas e histórias que o rodearam durante algumas semanas naquele espaço tão limitado, sendo também notório que quiseram mostrar como é que os utentes do Conde Ferreira reagiriam a esta visita e o que aprenderam com ela. O problema é que a partir do momento em que Miguel Borges entra em cena, parece que "Pára-me de Repente o Pensamento" perde toda a sua naturalidade e pára, quase de imediato, de ser aquele documentário natural e humano que começou por ser para se tornar numa obra de ficção que parece preocupar-se mais em mostrar como é que um simples ator luta por interpretar um poema que exterioriza os sentimentos internos de parecem resultar de uma doença mental, do que propriamente focalizar e dar voz aqueles que seriam os verdadeiros protagonistas do filme, ou seja, os verdadeiros utentes do Conde Ferreira, apesar destes manterem no decurso do filme uma presença bem ativa e uma voz bem audível que exterioriza o real valor deste projeto.
Esta deturpação não parece ficar bem no contexto tão imponente do documentário, não é que por isso fica arruinado por completo mas acaba por diminuir o seu valor humano. As lições morais, sociais e humanas permanecem no seio do projeto claro está, sendo certo que  várias conversas dos utentes com o ator até exprimem tais lições e importantes momentos de emoção e sentimento, mas todos aqueles maneirismos relacionados com a interpretação de um poema ou da persente situação por parte do ator conferem ao filme um nível de pedantismo desnecessário que retira aquela doçura e credibilidade natural que o projeto parecia ter no início. Tirando este importante pormenor que acaba por ser fatal para o contexto do projeto, "Pará-me de Repente o Pensamento" não deixa por isso de ser um projeto de qualidade assumida que nos mostra uma realidade diferente e que nos provoca, durante a sua duração, múltiplos sentimentos de várias intensidades. É um filme que nos sensibiliza para um tema diferente e relevante, mas para além de ser objetivamente educativo também é um projeto que entretém a espaços porque, como o próprio realizador afirmou na apresentação do filme, aparecem vários momentos que nos levam a rir juntamente com os utentes e com as suas ideias e exteriorizações mentais tão naturais, mas lá está nunca nos rimos dos utentes mas sim com eles e com a sua forma de ver e viver a vida.

Classificação - 3,5 Estrelas em 5

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1 Comentários

  1. Excelente documentário. A destacar impecável atuação de Miguel Borges que, além da grande interpretação, consegue atuar como um catalisaodor para que os dramas e situações dos utentes apareçam, muitas vezes de forma surpreendente, dramática ou cômica. Maravilhoso.

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