Crítica - The Danish Girl (2015)

Realizado por Tom Hooper
Com Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard

O Mundo e Hollywood depositaram fortes esperanças em "The Danish Girl" desde que este projeto foi anunciado. E tais esperanças foram motivadas e incrementadas graças a uma ampla variedade de factores, quer técnicos, quer narrativos, que vão muito além do seu complexo tema que, verdade seja dita, também contribuiu e muito para o interesse depositado nesta obra.  O que é certo é que para além de explorar os primórdios do transexualismo por intermédio de uma história real e dramática, "The Danish Girl" apresenta outros atributos no seu repertório de pontos de interesse, como por exemplo o facto de ter na sua direção Tom Hooper, um dos cineastas britânicos mais consagrados e populares dos últimos anos. É claro que em questões técnicas "The Danish Girl" conseguiu reunir ainda mais atenção graças ao seu poderoso elenco, onde se destaca o jovem mas já muito popular Eddie Redmayne, a quem coube a colossal tarefa de interpretar sem mácula uma história requintada no seio de uma tema, como já referi, complexo.
Perante este cenário, "The Danish Girl" tinha portanto tudo aquilo que seria à partida necessário para se tornar num filme excelente sem falhas e, claro está, no virtual vencedor do Óscar de Melhor Filme. No papel este seria o cenário que muitos previam, no entanto, apesar de todo o aparato, o resultado final apresentado não faz justiça à excelência perfeccionista que se esperava. Isto poderia significar um desastre digno de duras críticas, mas o que é certo é que, apesar de tudo, poucos ficarão francamente desiludidos com esta bela obra que, embora não seja tão perfeita e poderosa como aparentava ser, apresenta-se como um filme delicado e interessante.
Esta obra narra a importante e imponente história verídica de Einar Wegener (Eddie Redmayne) e da sua mulher, Gerda (Alicia Vikander), que partilharam uma pioneira viagem física e emocional que culminou com a transformação de Einar Wegener numa verdadeira mulher nos Anos 20 do Século XX. Einar tornou-se assim no primeiro caso documentado de um homem que, por meio de uma intervenção médica, conseguiu mudar de sexo. Esta sua jornada serviu e ainda serve de inspiração para milhares de homens e mulheres que, confusos com a sua própria sexualidade e identidade, procuram encontrar o seu verdadeiro eu, mesmo que isso implique uma mudança drástica na sua anatomia. Foi precisamente a essa mudança drástica que Einar eventualmente recorreu, mas sem antes ter que passar por inúmeras tormentas e dificuldades intimas que quase o levaram ao suicídio.
A sua corajosa jornada de autodescoberta é retratada por "The Danish Girl" de uma forma pura mas bastante subjetiva. Não se pode dizer que este retrato de mudança seja explícito ou objetivo, mas por intermédio da sua requintada subtileza conseguimos compreender tudo aquilo a que se propõe. Esta demonstração narrativa evolve, como é óbvio, uma recriação dos intensos dilemas internos de Einar, mas sobretudo dos fortes dilemas afetivos que afetaram a sua relação com a sua mulher durante a sua transformação e auto aceitação.


É graças ao íntimo retrato da relação entre Einar e Gerda que "The Danish Girl" atinge uma maior dose de compaixão. A atípica relação que nos é apresentada entre estas duas fortes personalidades atribui um profundo toque de romantismo, dedicação e amizade a esta bela obra, ajudando-a assim a apelar ainda mais ao coração do espectador. É porque perante a complexidade da temática em questão, o público poderia muito bem alienar-se um pouco da luta interna que Einar trava para encontrar a felicidade própria. Esta luta nunca é descurada ou relativizada, mas é suavizada. 
É curioso constatar, mas o foco central do filme nunca é verdadeiramente a transformação de Einar, mas sim a relação deste com Gerda durante a sua transformação. Esta obra não se torna assim numa história humanamente melodramática, mas sim num drama matrimonial com um forte contexto humano. Esta direção suaviza-o, no entanto, não afeta os seus ideias. A história e os dramas de Einar são bem perceptíveis. Estes apenas não são aprofundados sob nenhum ponto de vista puramente psicológico, nem são explorados sob uma única perspetiva pessoal, já que são retratados em conjunto com o drama matrimonial que envolve também Gerda e a sua própria aceitação da situação. É verdade que desta forma "The Danish Girl" nunca atinge aquele nível de introspeção dramática e humana que se poderia esperar, mas tudo o que é importante nesta jornada recebe ainda assim a evidência necessária para ilustrar todas as questões em causa.
Existe portanto uma forte dimensão pessoal muito peculiar no seio desta obra, sendo precisamente esta dimensão que move todo sentimento do filme. Torna-se evidente que ficaram de fora do retrato elaborado várias aspectos mentais, médicos e sobretudo individuais que poderiam enriquecer a jornada de Einer. Estes fazem falta numa perspectiva contextual, mas não é isto que separa o filme do brilhantismo. O que acaba por impedi-lo de atingir este patamar é a própria construção da história. Já aqui disse que o caminho seguido pelos seus responsáveis tem os seus pontos positivos porque, de certa forma, ajudou-o a torná-lo mais aberto ao público, tendo também incutido uma perspetiva matrimonial muito interessante à trama. A falha desta direção narrativa é que por vezes torna-se monótona e inofensiva. Ao não aprofundar, personalizar ou pormenorizar o sofrimento e transformação de Einar, "The Danis Girl" perde um pouco do seu apelo humano e da sua complexidade social e mental. Ao torna-se num produto menos desafiante sob a perspectiva moral e social, acabamos por não conseguir espremer de "The Danish Girl" todo o sumo que a sua história real poderia render. E tal contexto sumarento prende-se efetivamente com a interpretação social e mental da transformação de Einar, assim como com a sua poderosa jornada dramática interna que o levou a contemplar pensamentos de suicídio ou alienação humana e social.
A conclusão de "The Danish Girl" também poderia ser bem diferente, sendo que a esta se podem anexar críticas bem mais acutilantes. Esta peca pela sua banalidade, já que confere a um filme tão forte e satisfatório como este um final fraquinho que, sinceramente, parece ter saído de uma má telenovela mexicana. Não se ataca como o filme acabou, já que obedece a um retrato histórico real, mas sim a forma lamechas, anticlimática e forçada como terminou. É um final tão insípido e pouco inspirador que rouba a "The Danish Girl" um pouco da sua glória. Não tenho aliás qualquer problema em dizer que os dez minutos finais de "The Danish Girl" são claramente o pior que esta obra tem para nos oferecer. 


Em todo o caso existem pontos narrativos muito fortes e interessantes nesta obra que, por tudo o que representam, não devem ser descurados. E tais pontos, já aqui explorados, ajudam a montar uma história muito cativante e socialmente elucidativa. É aqui que nos devemos focar também. Embora "The Danish Girl" não explique nada sobre a mudança de sexo, ajuda a dar-nos um pouco de contexto humano relativamente às suas base.
Tal como disse no início, "The Danish Girl" tem outros atributos para além da sua narrativa. E tudo começa com a sua direção. Tom Hooper, vencedor do Óscar de Melhor Realizador por "The King's Speech" em 2011, volta a evidenciar a sua propensão para criar obras estéticamente belas e bem filmadas. Há muito pouco de negativo a apontar à direção de Hooper que, em coordenação com uma magistral fotografia de Danny Cohen, conseguiu criar sequências e planos absolutamente deslumbrantes e maravilhosos que atribuem um forte tom eclético a este produto fortemente requintado.
O outro belo destaque desta obra é a sua estrela máxima, Eddie Redmayne. Em 2014, Redmayne deslumbrou-nos com a sua sublime interpretação de Stephen Hawking em "The Theory of Everything". Em 2015 voltou a desafiar os seus limites artísticos com esta obra. A sua interpretação do pintor transexual Einar Wegener é simplesmente fenomenal. Este jovem ator brinda-nos com uma prestação especial muito digna que faz justiça à sua consagração como ator. Redmayne ajuda a humanizar e abrilhantar a história de "The Danish Girl" com uma performance credível e muito delicada. O toque puro, sensível e penetrante que incute à sua personagem multifacetada é impressionante e revela o enorme profissionalismo deste sublime ator que, uma vez mais, conseguiu dar tudo de si num papel complexo mas muito gratificante. A seu lado está Alicia Vikander, também ela sublime no papel da forte mas sofredora Gerda. Já muitos elogios se levantaram com razão de ser relativamente a Vikander, já que esta jovem atriz sueca é efetivamente uma grande atriz com um grande talento. O restante elenco apenas cumpre uma função secundária que nada contribuiu de muito positivo para este enorme filme. È certo que não é tão enorme como porventura poderia ter sido, mas "The Danish Girl" é ainda assim um produto belo e cativante que vale bem a expectativa de que foi alvo. 

Classificação - 4 Estrelas em 5

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3 Comentários

  1. Olá, João.

    Vi ontem o filme e confesso que mexeu muito comigo por ver/sentir under my skin) o sofrimento de ambas as personagens, excelentemente interpretas por Eddie e Alicia. Foi sufocante, tão sufocante que preferia não ter visto o filme. Mas vi-o e será mais um filme cuja história e interpretação jamais esquecerei, passem os anos que passarem.

    Excelente crítica, como sempre.

    Um Ano Novo repleto de inspiração.

    ***

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  2. Obrigado Lucy. É sempre um prazer ler os seus comentários. É um filme muito bom, concordo. Pode até nem ser aquele Oscar Movie que se esperava, mas toca e ilustra bem uma luta pessoal

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