Crítica - Tess (1979)

Realizado por Roman Polanski
Com Nastassja Kinski, Peter Firth, Leigh Lawson

Ao olharmos bem para o final desta trágica obra de Roman Polanski, até nos admiramos como tudo começou, com um simples nome: d’Urberville. A descoberta da história por detrás deste nome logo ao início do filme é o começo de uma verdadeira bola de neve que vai aumentando numa velocidade preocupante enquanto desce a colina. Esse nome tem um pesado preço colado nas costas de Tess Durbeyfield, que carrega todas as maldições possíveis e imagináveis, vivendo tanto na pobreza, como na maior das riquezas. É uma caminhada com altos e, principalmente, muitos baixos. 
Em pleno século XIX, em Inglaterra, Tess é uma doce e tímida rapariga que é apanhada no meio de uma grande confusão quando Parson Tringham (Tony Church), um clérigo e estudioso sobre genealogia, revela a John Durbeyfield (John Collin), o pai da jovem, que este é descendente dos d'Urbervilles, uma linhagem nobre e de grande importância. Durbeyfield, vendo as suas dificuldades financeiras, questiona-se sobre o valor daquele nome, mas Tringham logo salienta que já não existem terras e propriedades no nome dos d'Urbervilles. Com um cavalo a fazer falta à família, John procura saber mais sobre outras famílias com a mesma linhagem e descobre que há uns elementos com o apelido d’Urbervilles a viver nas proximidades, e envia Tess para conhecê-los de modo a pedir a sua ajuda financeira. 
Há que se focar em três personagens destaque: Tess (Nastassja Kinski), Alec d'Urberville (Leigh Lawson) e Angel Clare (Peter Firth). Podemos então dividir o filme em três atos: O primeiro é o arco da Tess e Alec, o suposto primo, um individuo charmoso, encantador e com muitas boas falas na manga, que rapidamente é atraído pela beleza da protagonista. Salienta-se, em primeiro lugar, a fantástica banda sonora do filme, que nos transporta para um ambiente lírico e que se encaixa maravilhosamente bem em cada segmento. No entanto, poderia intervir um pouco mais em cenas mais pausadas (afinal, este é um filme longo, de três horas, às vezes a música poderia servir para chamar a atenção do espectador, acordá-lo talvez). O tom leve, descontraído e doce dos minutos iniciais, com danças, sorrisos e vestidos brancos é rapidamente contrariado pela quebra de inocência. O ambiente quente e luminoso é substituído por uma taberna escura e suja. A ignorância em que Tess vivia, no seu mundo simples, é afastada com as ideias de dinheiro do pai e da mãe. Há medida que este arco avança, entramos num ambiente cada vez mais desconfortável. O olhar nervoso de Tess transporta-nos para uma inquietude, para uma fragilidade medrosa e inocente. Aqui há que destacar a brilhante performance de Leigh Lawson, que nos transmite grande charme e sensualidade mas também nos faz sentir desconfortáveis como se tudo estivesse a andar demasiado rápido. Quando Tess está maravilhada, nós estamos maravilhados, quando está nervosa, nós estamos nervosos. Acompanhamos esta fragilidade psicológica da personagem tão bem devido ao olhar expressivo, confuso e tímido que transmite Nastassja Kinski. É tudo uma novidade para a personagem. O luxo, a atenção, a tensão sexual, é um mundo assustador para a simples garota. 
Determinada a esquecer o que aconteceu entre ela e Alec, passamos para o segundo arco, com Tess e Angel, um jovem aspirante a agricultor, com ideias bem diferentes daquelas dos seus pais, simpático e gentil para com todos. A química entre Kinski e Firth é vibrante, só com uma troca de olhares podemos sentir todo o desejo que nutrem dentro de si. A personalidade amável que Firth atribui a Angel, o sorriso, a rebeldia, ajuda-nos a criar empatia com a personagem o que influenciará para mais adiante. Nota-se que o realizador pretende brincar com os sentimentos dos espectadores. No final do choque do primeiro ato, acomodamo-nos a todo o amor entre Tess e Angel, habituamo-nos àquele lugar calmo e reservado. E quando parece que algo anda a correr bem para a nossa protagonista, algo terrível acontece. Algo a admirar nesta obra é a excelente fotografia: os tons verdes do primeiro arco são trocados por tons quentes e castanhos de Outono no segundo arco, passando para o cinzento no terceiro. Há uma plena noção do tempo a passar, das personagens a crescerem.
Já no terceiro ato, a atmosfera fica fria, crua, dura, cruel. O filme consegue muito bem relacionar o tempo e o espaço com os sentimentos de Tess, particularmente a sua relação com o nevoeiro. Nos momentos de maior confusão, de uma maior miséria pessoal, o nevoeiro está sempre lá, como se ofuscasse a mente da jovem, que caminha numa estrada suja. Analisando os anteriores filmes de Polanski, podemos reparar que este é um filme um pouco mais suave e delicado do realizador, com exceção do final que nos apanha todos em surpresa. 
O que o filme consegue transmitir bem é a mentalidade excessivamente conservadora da sociedade. O preconceito contra as mulheres e as suas ações se tivessem um caso, se tivessem um filho, um casamento falhado, era enorme. A ideia de que a mulher tinha que ser pura, fechada, conservadora, enquanto os homens podiam fazer exatamente o contrário. A vida era injusta para Tess porque ela era mulher, o género dela confinava-lhe à miséria e à tristeza. Se calhar Tess “gostava” tanto de viver na mais pura miséria porque era aí onde ninguém a encontrava: num intenso nevoeiro.

Artigo Elaborado por Bellatrix Alves

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