Espaço Bizarro - Un Chien Andalu (1929)

De Luis Buñuel
Com Luis Buñuel, Simone Mareuil e Pierre Batcheff

O primeiro registo de Buñuel, gravado, produzido e lançado em Paris, contou com a colaboração do à data seu amigo, Salvador Dali: Trata-se de uma curta metragem muda, de aproximadamente 16 minutos, baseada no imaginário onírico de Luis Buñuel - amplificado e estruturado pela genialidade de Dali (que aqui assumiu muito mais do que o papel de cenógrafo-de-serviço) e financiada exclusivamente pelo clã Buñuel.

“Il était une fois...”

Importa situar “O Cão Andaluz” no contexto artístico europeu: Foi divulgado cinco anos depois do manifesto surrealista, de André Breton. A sua divulgação foi contemporânea dos delírios dadaístas, de Zurique, da multi-disciplinaridade racional da Bauhaus e da ressaca de um expressionismo que se estendeu, de uma forma geral, a todas as artes na Europa Central e de Leste.

“Un Chien Andalu” é, por muitos, tido enquanto a primeira grande manifestação surrealista no cinema. Prontamente censurado em Espanha, foi sendo progressivamente aceite em Paris – vértice de uma Europa em ebulição artística. E apesar de inabituado a ser “mal-tratado” por imagens de dor e por narrativas ininteligíveis, o esclarecido público parisiense aderiu ao delírio vanguardista, imprevisível e intencionalmente irracional de Buñuel.
Da sucessão de imagens a preto e branco não resulta, aparentemente, qualquer tipo de nexo ou, pelo menos, de linearidade. Contraditoriamente, os separadores referem uma cronologia objectiva e um formalismo que são inexistentes. A ironia intencional de Buñuel, que posteriormente reconheceu esperar estreias caóticas, marcadas pela revolta do público, prossegue: Subentende-se uma pulsão afectiva, eventualmente freudiana, desdobrada em vários episódios em tempos díspares, num mesmo espaço edificado (no qual portas e janelas anunciam o imprevisível), permanentemente acompanhada pela essência surrealista do inconsciente, da frustração e do sonho, e adornada por mensagens de cariz popular, simbólico ou meramente alucinogénico (a título e exemplo, parte do processo criativo dos dadaístas baseava-se no consumo de psicotrópicos). 
Enunciam-se, quanto obstáculos à relação entre os personagens protagonizados por Pierre Batcheff e por Simone Mareuil, a compartimentação social entre classes ou o formalismo de uma religião. Dessa pulsão, concretizada ou não no inesperado desfecho da "narrativa", só a opinião do espectador poderá acrescentar mais alguma coisa: Luis Buñuel sempre se excusou a discutir o conteúdo da sua primeira obra.

Fundamental relativamente à génese do cinema fantástico e bizarro, “Un Chien Andalu” é, mais do que uma curta metragem "gore", uma súmula coerente de uma estética e de um processo criativo. Enquanto ícone do surrealismo, a sua expressão e divulgação correspondem à vitória inequívoca de uma corrente, de uma mensagem e de um ideal: Considerado pela elite cultural da época e primordial no referêncial proposto, é plausível pensar-se que "Un Chien Andalu" será mais relevante para história da Arte e do Cinema do que obras como "O Anjo Exterminador", "Triana" ou "O Charme Discreto da Burguesia". É, seguramente, uma das mais conhecidas e enigmáticas curtas metragens de sempre.

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