Crítica - Let The Right One In (2008)

Realizado por Tomas Alfredson
Com Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar

"Let The Right One In" é, de várias formas, como uma mãe galinha no cinema independente hodierno que mastiga, extrapola e desenvolve a partir da extracção de matérias-primas menos usuais a produção e narrativa, apesar de este ser uma adaptação do livro homónimo publicado por John Ajvide Lindqvist em 2004, escritor em ascensão, conterrâneo de Tomas Alfredson, director. Há, em cada fragmento indie, um desejo de explorar temas férteis pela simbologia do expressionismo, directa ou indirectamente ligado ao conceito. Mas não só. O melhor título (opinião pessoal) apresentado no IndieLisboa 2008 é, sem qualquer dúvida, o “filme mais inesquecível do ano”, seguido de "There Will Be Blood", "No Country For Old Men", "[REC]", "Gomorra" e "XXY", por ordem decrescente – opiniões pessoais.
A sinopse é franca: uma comunidade pacata em ambiente invernal que tem uma criança vampiro do sexo feminino alojada, Eli, homicida por necessidade que se identifica com Oskar, miúdo franzino também discriminado, alvo de agressões por parte dos colegas. Esta condição comum com contornos diferentes é logo unida no princípio do filme para perpetuar o desenrole, quando Oskar desagua os desejos inconscientes encriptados sob frustração com uma naifa numa árvore do pátio exterior pertencente ao bairro onde ambos moram (vizinhos), onde Eli sai todas as noites (refém da luz durante o dia, naturalmente), personificando os víveres do tormento escolar que não consegue dominar, devido ao seu aspecto frágil, tímido. Começa-se por construir uma amizade e, achegando oportunamente um tema não relacionado com o filme em si, tal como afirma Combaluzier sobre a psicologia dos sexos, se a amizade verificar-se entre pessoas de sexo diferente, mais tarde ou mais cedo, acaba por transformar-se em amor (conclusão intelectual huh?). O que acontece é um romance distante mas sentido. Distante não só pela tenra idade de ambos (12) que lhes inculca no senso a proibição de instintos e pulsões sexuais (ainda que por lá perto andem numa fase), mas também pela diferença anatómica que não permite a reprodução (Oskar aperceber-se-á disto como testemunha ocular). Sentido porque na reciprocidade da amizade, defendem-se mutuamente dos ataques: ela por encorajar à vingança perante a opressão escolar e libertar Oskar da ultima provação realizada pelos colegas numa das cenas visualmente mais espectaculares do filme e, ele, por apagar, por assim dizer, o cadastro de homicídios na comunidade que Eli realiza para obter o sangue de que necessita. Sangue este que, até à morte do padastro de Eli, era obtido por este através de assassinatos pouco ortodoxos que reflectem mais uma vez a alternância, elegância de espírito num tema cada vez mais regulado por códices previsíveis como é o horror – que, acaba por dar a sua vida depois de ter sido hospitalizado devido a um acto racional suicida, para que não o ligassem e descobrissem a “criança assassina” na sua casa, acusado seria de cumplicidade.


Fora desta linguagem desgastante que pouco me agrada avaliar, tecnicamente a produção é soberba. Um drama que origina visualmente maquilhado pelo realismo poético um romance premido pela imagética da melhor escola do gore e horror actual francês, conceptualmente filmado de forma hipnótica em consulta omnipresente ao fade/focus da objectiva, entrelaçando, destacando ou ignorando planos pelo blur, com a composição de imagem, mais uma vez de forma omnipresente, a concretizar-se nos close-ups de perfis, bustos e 1/3 do motivo – humano ou cénico. Tudo isto e um mise-en-scène cuidadoso une emblematicamente o titulo, singulariza, embeleza drasticamente e atira-o quase para percepção first person e, ao faze-lo, abre portas à imaginação e originalidade da realização, que não deixou escapar a oportunidade e criou algumas das cenas mais fortes e invulgares no horror dos últimos anos, cedendo para isso à estupenda narrativa efeitos colaterais de forte impacto visual terrifico em contraposição ao andamento natural slow-paced do titulo.
Detentor de um argumento forte, de personagens exemplarmente construídas com anexos ricos de interpretação pelo espectador e que cimentam a enorme qualidade do guião (o sistema de comunicação criado entre Eli e Oskar nas paredes do apartamento é apenas um), possuí um desenrole enérgico mas subtilmente sereno, silencioso ofegante que fervilha emotivamente na relação estóica entre Oskar e Eli, padronizada como um conto de fadas depressivo. O filme respira por si só desde o primeiro segundo diante metodologia glicérica, característico da plasticidade visual do cinema nórdico, apoiado em "Let The Right one In" pelas paisagens encobertas pela neve que proporcionam momentos de grande beleza, de extremo bom gosto e o aspecto noir intermitente oferece ao elenco o melhor ambiente para um progresso moroso, recheado de cenas únicas que prosperam no imaginário do espectador por tempo indefinido, muito longe de clichés imperantes, nobres, que se prolongam na mente com recompensas thriller, bónus gore e extras românticos. Interpretações amplas, talentosas, espontâneas dirigidas pelas coordenadas do que melhor existe no cinema indie actual, garantem um lugar muito especial na 7ª arte a "Let The Right One In".

Classificação - 5 Estrelas Em 5

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14 Comentários

  1. Vê. Não te arrependes. É grande, muito grande. Para mim um dos melhores de sempre na temática, com a particularidade de o romance lhe dar uma atmosfera lindíssima. Paisagens, ritmo, planos, etc...

    ;)

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  2. Eu já vi e achei um filme curioso... nao sei se estarei correcto em termos de timing... mas ja sei onde onde a realizadora de Twilight foi buscar a sua referencia... :P

    Embora me ficasse por um 3, eu diria que este filme foi uma agradavel surpresa do cinema nordico :)

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  3. O Twilight não vi nem quero ver. Estava perdido se assim fosse... filmes debruçados no tema do vampirismo existem montes e, este é, na minha opinião, um dos mais belos.
    Tecnicamente irrepreensível, narrativa estupenda, original até onde pode e cumpre na emoção, etc. Está lá tudo: 5! Não só do cinema nórdico mas também de todo o panorama indie.

    :p

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  4. Um dos melhores filmes que vi desde...
    Ok,um dos melhores filmes que já vi.

    Revi-o esta madrugada ( pela primeira vez desde que li o livro )e está mesmo genial. Perderam-se algumas coisas na transposição, umas porque eram inevitáveis, outras porque podiam causar alguma... controvérsia, mas ainda assim, soberbo =]

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  5. Também ainda não vi, o que espero remediar brevemente, mas fiquei muito curioso. O Mourinha do Público dá-lhe 4 e tu 5 com todo esse fervor, portanto estou mesmo muito expectante.

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  6. O melhor filme quesaiu nos cinemas este més... controverso, original, fabuloso. Fiquei rendido. Coitado do Twilight ao pé deste filme

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  7. O filme é fabuloso, e as suas imagens e diálogos perseguem-me desde que o vi. Acho que dava tudo para me apaixonar por uma vampira!...E agora o Verdadeiro Horror: os americanos já têm preparado um remake do filme para sair em 2010 e, como é evidente, os dois personagens não terão 12 mas sim 18 anos!! Não há vergonha, há filmes que devia ser proibido serem violados desse modo...

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  8. Soberbo!!! Apaixonante!!! Doce e amargo! Cruel mas simpático! De uma calma profunda, que nos trespassa o coração e a mente, aliás, tão profunda quanto a violência que (também) apresenta! Pensei que já nada me surpreenderia no terror em geral e no vampirismo em particular mas fiquei simplesmente extasiado! Aliás, será este um filme de terror???

    Vitor

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  9. Está na lista dos melhores filmes que assisti recentemente, junto com JUNO e Across the universe

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  10. Um filme maravilhoso. Só uma observação: a meu ver, quem cometia os homicídios não era padrasto de Eli, mas sim seu companheiro na altura, que vem a ser substituido por Oskar (peço-te, por favor, hoje não vejas esse rapaz) Este filme é excelente por tudo o que já foi dito mas também pela profundidade. Eli não é uma criança inocente de 12 anos...

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  11. Com 200 anos d inferno no espirito Eli nao pode ser nunca inocente, mas sim inocentemente rendida a Oskar por sua história e supostamente cansada de sua longa vida!
    Um filme muito profundo como ja disseram e bonito em sua essência. A melhor tentativa de aproximação de vampiros e humanos de sempre e a a mais calmamente executada!
    Tem tanto de horror como de doce.
    E sim cinema nordico é outro prato! Fantástico nao chega para definir, inteligente tbem nao chega a ser suficiente. Humanista, extremista, perspicaz e belo eis o cinema nórdico.
    Recomendo o filme "12" , tbem lá de cima!

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  12. Acho que já disseram tudo. 6 em 5!

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  13. no livro Eli não seria um menino o_O

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