Crítica - Life of Pi (2012)

Realizado por Ang Lee
Com Suraj Sharma, Irrfan Khan, Rafe Spall, Gérard Depardieu

Todos os anos surge um feel-good movie of the year, um filme que nos faz sonhar e que nos coloca um sorriso de orelha a orelha no rosto. Aqui há uns anos, como bem se lembram, esse filme foi “Slumdog Millionaire”. Este ano essa honra parece caber a “Life of Pi”, o mais recente projeto do oscarizado cineasta Ang Lee. Curiosamente, “Slumdog Millionaire” surpreendeu tudo e todos ao tornar-se um tremendo sucesso de bilheteira e ao arrecadar 8 (!) Óscares da Academia, incluindo o tão desejado prémio de Melhor Filme do ano. E agora este “Life of Pi” aparece também como um dos favoritos aos Óscares, muito embora dificilmente consiga repetir a história de sucesso do filme underdog de Danny Boyle. Não menos curioso é o facto de ambos partilharem a Índia como cenário da narrativa e atores indianos como protagonistas. Estará a Hollywood moderna a render-se aos encantos da muitas vezes excêntrica Bollywood? Ou não passará tudo isto de uma mera e feliz coincidência? Não temos resposta para estas questões. O que temos é a certeza de que “Life of Pi” é um filme encantador, capaz de enternecer o coração de miúdos e graúdos. Pode não possuir a consistência dramática e o impacto emocional do referido “Slumdog Millionaire”, mas é três vezes mais surpreendente e visualmente estonteante.

   

No início, o fio narrativo faz lembrar o também oscarizado “Forrest Gump”. A audiência é apresentada a Pi Patel (Suraj Sharma na versão adolescente da personagem), um menino diferente dos restantes e deveras inteligente, que se interessa por assuntos que não lembram a ninguém e que decide tornar-se adepto de todas as religiões à face da Terra. À medida que vai crescendo, Pi vai enfrentando as várias facetas do mundo terreno, encantando-se com alguns aspetos e tornando-se melancólico em relação a outros. Ao atingir a adolescência, contudo, o seu mundo altera-se por completo. E é aqui que a narrativa se torna mais semelhante a “Cast Away”. A família de Pi decide levar o zoo que administra para o estrangeiro, mas o navio em que viajam tem um acidente e acaba por naufragar. Todos os tripulantes (homens e animais) morrem nas águas geladas do Pacífico, exceto o próprio Pi, um tigre feroz que dá pelo nome de Richard Parker, uma hiena irritante, uma zebra assustada e um símio pachorrento. Estes cinco seres vivos buscam a salvação num pequeno bote salva-vidas. Mas a convivência depressa se torna uma óbvia complicação, especialmente entre Pi e o corpulento tigre das arábias. Haverá esperança no horizonte para este insólito par de naufragados? 

 

A beleza dos cenários e a harmonia com que Ang Lee usufrui da tecnologia para levar a bom porto uma história difícil de contar são os aspetos que mais saltam à vista neste “Life of Pi”. Lee filma a Índia como ninguém havia feito antes, submetendo o espectador a um delírio visual e auditivo que tão cedo não será esquecido. É nesta fase do filme que o 3D mais se faz sentir, pois o zoo quase que ganha vida própria e as paisagens idílicas da Índia quase são confundidas com o paraíso bíblico. Tudo é belo, harmonioso e enternecedor no primeiro terço da narrativa. O que intensifica o contraste com o resto da película, em que (quase) tudo é cinzento e desolador. A partir do instante em que o navio naufraga e a batalha pela sobrevivência começa, “Life of Pi” torna-se menos encantador. Mas, curiosamente, é aí que se torna também mais divertido e onde Lee saca da cartola uma palete de cores verdadeiramente deliciosa. Há muita coisa a retirar desta obra, desde o respeito que deve haver pela condição animal à forma como a imaginação pode salvar a vida de uma pessoa nos momentos mais delicados. É um filme com uma mensagem oculta muito forte, aproveitando-se de metáforas e do poder da imaginação para alcançar lições de vida bastante relevantes. Lee demonstra todo o seu talento enquanto realizador, já que consegue imprimir uma dinâmica considerável a uma narrativa que se resume (na sua maior parte) a um rapaz e um tigre às voltas num barco. Muitos dos planos de câmara são avassaladores e os efeitos especiais merecem igualmente uma palavra de destaque, pois todos os esforços de Lee seriam inglórios se o tigre animado não fosse minimamente credível. Só é mesmo pena que, a certa altura, o filme se torne um pouco moroso e enfadonho, muito por causa da tal narrativa de base que se resume a duas personagens (uma delas muda) e a um oceano sensaborão como cenário dominador. Pode dizer-se que menos uns minutinhos de duração não assentariam mal a esta obra. Como um todo, todavia, “Life of Pi” é satisfatório, merecendo um visionamento nos cinemas. Apenas exige alguma paciência ao espectador pouco habituado a sequências repetitivas e a diálogos escassos. 

 Classificação – 4 Estrelas em 5

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