Com Cate Blanchett, Alec Baldwin, Peter Sarsgaard
Há por aí poucos realizadores que trabalhem tanto como Woody Allen, que quase todos os anos deita cá para fora um novo filme que costuma supera as nossas expetativas. É por isso que já me parece estranho olhar para o calendário cinematográfico e não encontrar um novo projeto deste prolífero cineasta, que nos últimos dois anos apresentou dois filmes bastante agradáveis: o mágico “Midnight in Paris” e o simpático “To Rome With Love”. Já estava por isso à espera de encontrar algo de francamente positivo e especial neste “Blue Jasmine”, mas nunca pensei que as minhas já elevadas expetativas fossem largamente superadas por esta dramédia jovial, que se revela um filme magnífico onde se apontam poucos defeitos a um guião delicioso com apontamentos verdadeiramente impressionantes, que são habilmente coordenados e controlados pela mestria técnica e criativa do veterano e sempre confiável Woody Allen, que tem aqui um dos seus melhores filmes de sempre, sendo apenas superado por alguns dos seus principais clássicos, como “Annie Hall” ou “Manhattan”, mas também pelo igualmente soberbo “Match Point”.
Vale a pena falar um pouco sobre a força emocional e humana do brilhante argumento criado e comandado por Woody Allen, mas antes disso tenho que mencionar a brilhante performance de Cate Blanchett, a quem “Blue Jasmine” deve uma boa parte do seu nobre e cativante encanto. Os dotes artísticos de Blanchett são mundialmente conhecidos, mas desde “Notes on a Scandal” (2006) que não a víamos ter uma performance assim tão perfeita e predominante como a que tem neste filme, onde arrebata a nossa atenção com uma interpretação de inegável excelência no papel da protagonista Jasmine, uma mulher presentemente confusa e instável, que ficou sem nada após se ter divorciado de um homem rico que a habituou a uma vida de luxos. A sua única opção é trocar o seu apartamento luxuoso em Nova York por um apartamento minúsculo em São Francisco, que pertence à sua extravagante irmã, com quem Jasmine tem uma relação distante de aparente amor-ódio. O difícil processo de habituação à sua nova e triste realidade é vagaroso e não se revela uma tarefa nada fácil, até porque o seu complicado feitio prejudica-a imenso e dificulta a sua aproximação a outras pessoas, mas apesar de tudo isto, consegue arranjar um emprego como rececionista num consultório de dentista, onde sem o desejar atrai as atenções do seu patrão. Esta atenção não é recíproca porque ela arranja, entretanto, um alvo especial para o seu coração, quando conhece Dwight, um diplomata que lhe pode devolver a vida que perdeu e que tanto anseia recuperar, mesmo que isso implique ter que usar a sua beleza, sofisticação e estilo para seduzir o seu alvo. O problema é que Jasmine não se apercebe ou não se quer aperceber que a vida não segue o rumo que ela quer seguir, nem que à sua volta tudo começa a cair aos pedaços e que as mentiras têm, geralmente, perna curta.
Só Woody Allen poderá dizer se foi ou não buscar alguma inspiração à acalmada peça “A Streetcar Named Desire”, da autoria de Tennessee Williams, para escrever o guião deste filme que, mesmo sem confirmação oficial, parece ser mais uma homenagem do que uma adaptação dessa peça influente, cuja presença se faz notar um pouco por todos os seus recantos, mas para ser franco, acho que não precisa nem nunca precisou da influência da sua grande base de inspiração para singrar, já que ao ver “Blue Jasmine” só conseguia pensar na evidente beleza sentimental e natural que deriva da forma sentida, livre e aberta como Woody Allen decidiu contar e retratar a sua magnífica narrativa, onde também cabem fortes remanescentes da recente crise financeira e da efervescente crítica social. No fundo, “Blue Jasmine” é uma história muito íntima e humana sobre os preços das mentiras e das ilusões, que no caso de Jasmine conduzem a múltiplos disfarces emocionais e impertinentes simulações existências que apenas alimentam os seus sonhos idílicos e as suas irrisórias fantasias por mais algum tempo, algo que leva esta cínica e neurótica protagonista a não se aperceber que está a destruir lentamente a sua própria vida e a de todos aqueles que a rodeiam que, por sua vez, não se apercebem dos reais efeitos negativos que a perigosa influência de Jasmine tem nas suas respetivas vidas e decisões. É um prazer ver como Woody Allen constrói e desconstrói a existência, as emoções e as relações de Jasmine, uma personagem quase perfeita que sobressai em praticamente todas as cenas que contam com a sua viciante presença. É por isso que não hesito em considerar Jasmine como uma das melhores criações de Woody Allen, que incluiu muita da sua curiosa personalidade nesta problemática mulher, que para além de ser tão neurótica e nervosa como o seu imprevisvél criador, parece também exteriorizar o recente deboche socioeconómico da civilização ocidental, juntamente com uma crítica acutilante à mentalidade dos impertinentes indivíduos da classe alta, que não se habituaram ao rumo dos novos anos e que continuam a alimentar sonhos impossíveis e a viver acima das suas posses. Estes são apenas os principais pontos centrais que sobressaem com mais avinco ao longo deste atinente produto, que mexe ainda com muitas outras questões pertinentes que o tornam ainda mais apetecível do ponto de vista dramático, cómico e até romântico, apesar de Allen restringir a sua aposta neste campo à subtrama que envolve a personagem de Sally Hawkins, já que a história central conta apenas com um par de insinuações românticas que nunca transmitem abertamente os reais sentimentos de amor e adoração. Será que vale a pena destacar mais alguma coisa? É claro que sim, mas as grande ilações e curiosidades desta produção terão sempre que ser descobertas por todos aqueles que tomem a sábia decisão de dedicar duas horas da sua vida a esta persuasiva dramédia, que nos mostra o lado mais acutilante e humano de Woody Allen, que não se esqueceu de impor o seu clássico estilo cómico a esta valiosa obra, que embora explore temas pertinentemente sérios e atuais, nunca passa impertinosamente para o terreno dos dramas e melodramas
Classificação – 4,5 Estrelas em 5
2 Comentários
Olá.
ResponderEliminarPenso que se enganou quando referiu que Before Midnight e When In Rome tinham sido realizados por Woody Allen. Creio que quisesse referir-se a Midnight In Paris e To Rome With Love.
Queria só alertá-lo para esse pormenor, de resto parabéns pelo trabalho.
Tem razão. Isto já é tanta salgalhada com tantops filme com tantos títulos portugueses e estrangeiros que no calor da escrita cometi este lapso IMPERDOÁVEL que me deixou corado
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