Longos
anos depois de Álvaro Cunhal, sob o pseudónimo Manuel Tiago, ter escrito Até
amanhã, Camaradas, quarenta e seis anos depois do PREC, num contexto
completamente diferente José Filipe Costa (n. 1970) através do título desta
obra evoca esse romance nas nossas memórias e através do documentário o Verão Quente
de 1975 numa quinta ocupada.
No
filme, que estreia a 20 de Maio nos cinemas portugueses, o realizador propõe um
reviver sociológico do ano de 1975 numa aldeia do Ribatejo, através de um
enquadramento divertido e muito menos político em sentido estrito do que o
título poderia levar a supor.
Trata-se
aqui da revolução sexual que a revolução política de 25 de Abril de 1974
acarretou, dos hábitos e costumes que se alteraram e da intervenção de jovens
europeus que vieram até Portugal atraídos pelos ecos de uma revolução já muito
distante das realidades dos seus países de origem.
Todo
o espírito que preside ao filme, começando pelo próprio título, é
extraordinariamente alegre na abordagem que faz da sexualidade e da repentina
introdução de novas ideias como o planeamento familiar, o prazer sexual
feminino e a comunicação honesta entre casais não só na componente sexual em
sentido físico, mas também na divisão de papéis, exemplificado pela greve de
lavagem da loiça pelas mulheres. A homossexualidade é aqui abordada também, mas
apenas entre as personagens estrangeiras e no feminino.
A
utilização de actores com a idade que os jovens de então têm hoje
representando-se a si mesmos em novos e ainda as inúmeras dificuldades de
comunicação entre os estrangeiros e os nacionais criam inúmeros momentos de
extrema comicidade. Dou como exemplo pedirem a Mick Geer para cortar o cabelo
porque “eles andam atrás dos gadelhudos”.
A
força das mulheres lusas e a indiferença dos homens nacionais, interpretados por
actores amadores, ex-exilados, para com esse poder surpreende as mulheres
estrangeiras. Todos os costumes portugueses rurais são para estes estrangeiros,
de facto, muito singulares.
A
plasticidade é uma nota dominante, jogando com as luzes como forma de criar
ambientes com mestria e, talvez, um dos aspectos mais marcantes de todo o
filme. Outra componente que a acompanha é a cada vez maior importância da
música em todo o filme, enquadrando, por vezes, momentos que servem de alegoria
ao acto sexual como a dança das calças de ganga, em meu entender, dispensável.
Esta
a abordagem sociológica procura não abordar directamente, no seu conteúdo, a
grande questão política em que está inserida e que todo o filme acaba por
colocar a partir do título – ter-se-ão os costumes sexuais alterado tanto
quanto seria desejável para uma sexualidade plena? Seriam já muito mais avançados
do que o moralista Regime apregoava? Certo, é que ao longo do filme assistimos
a um progresso na relação entre as personagens que mal distinguimos, culminando
nas imagens do próprio PREC e música da época.
Vejo
nesta obra não um contributo para a actual acalorada discussão maniqueísta dos
frutos da Revolução de Abril. mas sim um levantar da película que continua a
cobrir as localidades rurais do país, seus costumes, os hábitos arreigados
desde muito antes de 1933 e, possivelmente, por muitos anos daqui em diante, ao
contrário do que teimamos em não ver nos grandes centros urbanos. Não será
certamente por acaso que interpretaram este filme actores não profissionais com
textos não decorados previamente, mas memorizados e ditos. Em última análise, toda
a obra me faz recordar um Woodstock anacrónico e subvertido pela
engenhosa utilização de actores seniores e a colocação de questões superiores
aos quarenta anos do Regime.
Prazer,
Camaradas! de José
Filipe Costa – produção e distribuição Uma Pedra do Sapato – estreou
mundialmente no festival de Locarno e terá estreia nacional dia 20 de Maio em
Lisboa, Porto, Coimbra, entre várias outras, tendo sido já exibido dentro das
comemorações do 25 de Abril de 1974 no Cineclube de Santarém, no Teatro Sá da
Bandeira, no Cineclube de Viseu, no Cineclube de Faro e no Cineclube de Évora.
Classificação - 5 em 5 estrelas
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