Crítica - Prazer, Camaradas! (2019)

 


Crítica - Prazer, Camaradas! (2019)

Realizado por José Filipe Costa

Com Eduarda Rosa, João Azevedo, Mick Geer

Longos anos depois de Álvaro Cunhal, sob o pseudónimo Manuel Tiago, ter escrito Até amanhã, Camaradas, quarenta e seis anos depois do PREC, num contexto completamente diferente José Filipe Costa (n. 1970) através do título desta obra evoca esse romance nas nossas memórias e através do documentário o Verão Quente de 1975 numa quinta ocupada.

No filme, que estreia a 20 de Maio nos cinemas portugueses, o realizador propõe um reviver sociológico do ano de 1975 numa aldeia do Ribatejo, através de um enquadramento divertido e muito menos político em sentido estrito do que o título poderia levar a supor.

Trata-se aqui da revolução sexual que a revolução política de 25 de Abril de 1974 acarretou, dos hábitos e costumes que se alteraram e da intervenção de jovens europeus que vieram até Portugal atraídos pelos ecos de uma revolução já muito distante das realidades dos seus países de origem.

Todo o espírito que preside ao filme, começando pelo próprio título, é extraordinariamente alegre na abordagem que faz da sexualidade e da repentina introdução de novas ideias como o planeamento familiar, o prazer sexual feminino e a comunicação honesta entre casais não só na componente sexual em sentido físico, mas também na divisão de papéis, exemplificado pela greve de lavagem da loiça pelas mulheres. A homossexualidade é aqui abordada também, mas apenas entre as personagens estrangeiras e no feminino.

A utilização de actores com a idade que os jovens de então têm hoje representando-se a si mesmos em novos e ainda as inúmeras dificuldades de comunicação entre os estrangeiros e os nacionais criam inúmeros momentos de extrema comicidade. Dou como exemplo pedirem a Mick Geer para cortar o cabelo porque “eles andam atrás dos gadelhudos”.

A força das mulheres lusas e a indiferença dos homens nacionais, interpretados por actores amadores, ex-exilados, para com esse poder surpreende as mulheres estrangeiras. Todos os costumes portugueses rurais são para estes estrangeiros, de facto, muito singulares.

A plasticidade é uma nota dominante, jogando com as luzes como forma de criar ambientes com mestria e, talvez, um dos aspectos mais marcantes de todo o filme. Outra componente que a acompanha é a cada vez maior importância da música em todo o filme, enquadrando, por vezes, momentos que servem de alegoria ao acto sexual como a dança das calças de ganga, em meu entender, dispensável. 




Esta a abordagem sociológica procura não abordar directamente, no seu conteúdo, a grande questão política em que está inserida e que todo o filme acaba por colocar a partir do título – ter-se-ão os costumes sexuais alterado tanto quanto seria desejável para uma sexualidade plena? Seriam já muito mais avançados do que o moralista Regime apregoava? Certo, é que ao longo do filme assistimos a um progresso na relação entre as personagens que mal distinguimos, culminando nas imagens do próprio PREC e música da época.

Vejo nesta obra não um contributo para a actual acalorada discussão maniqueísta dos frutos da Revolução de Abril. mas sim um levantar da película que continua a cobrir as localidades rurais do país, seus costumes, os hábitos arreigados desde muito antes de 1933 e, possivelmente, por muitos anos daqui em diante, ao contrário do que teimamos em não ver nos grandes centros urbanos. Não será certamente por acaso que interpretaram este filme actores não profissionais com textos não decorados previamente, mas memorizados e ditos. Em última análise, toda a obra me faz recordar um Woodstock anacrónico e subvertido pela engenhosa utilização de actores seniores e a colocação de questões superiores aos quarenta anos do Regime.

Prazer, Camaradas! de José Filipe Costa – produção e distribuição Uma Pedra do Sapato – estreou mundialmente no festival de Locarno e terá estreia nacional dia 20 de Maio em Lisboa, Porto, Coimbra, entre várias outras, tendo sido já exibido dentro das comemorações do 25 de Abril de 1974 no Cineclube de Santarém, no Teatro Sá da Bandeira, no Cineclube de Viseu, no Cineclube de Faro e no Cineclube de Évora.

 

Classificação - 5 em 5 estrelas

 

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