Greves em Hollywood - O Que Está em Causa e Quando a Normalidade Poderá Regressa



Hollywood está a Ferro e Fogo. Os últimos anos têm sido tumultuosos para a indústria americana do cinema. Entre múltiplos escândalos financeiros e sexuais, os vários problemas provocados pela pandemia, a ascensão do streaming que veio mudar o panorama centenário da indústria e a cada vez maior concorrência de mercados emergentes, Hollywood enfrenta agora aquele que será, porventura, o seu maior desafio até à data: uma greve dos sindicatos de guionistas e atores!

Os primeiros a fazer frente a Hollywood e reivindicar melhores condições de trabalho foram os guionistas que, para além de pedirem melhorias salariais, tocaram também em dois pontos sensíveis para Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), o grupo que reúne os estúdios, plataformas de streaming, produtores e canais de televisão americanos. O primeiro dos quais é a aplicação da Inteligência Artificial na Industria. A WGA (Sindicato dos Guionistas) acredita que o trabalho de guionistas poderá estar ameaçado se a IA começar a gerar conteúdos para os estúdios e quer que o uso desta nova tecnologia seja alvo de regras, quer por parte da AMPTP, quer por parte do Governo Americano, de forma a controlar o seu uso e limitar a sua aplicação. Para os guionistas, a IA deve apenas ser usada como ferramenta de apoio aos guionistas e não como um substituto do trabalho manual. 

A WGA também está contra a atual regulamentação em redor das plataformas de streaming. Atualmente as plataformas não são obrigadas a divulgar os dados de audiência dos seus produtos, ao contrário por exemplo do que acontece com as audiências dos canais de televisão americano ou os resultados de box-office dos filmes nas salas de cinema. Os guionistas consideram que ao não revelarem este dados, as plataformas podem estar a lesar os guionistas em milhões de dólares, já que segundo o sistema implementado em Hollywood, os guionistas podem receber mais ou menos comissões consoante o sucesso do produto que criam. Se não têm acesso aos dados das plataformas desses mesmo produtos têm que confiar na "boa vontade" das plataformas relativamente ao valor que recebem nestas comissões/residuais pelos seus trabalhos. 

A AMPTP não se tem mostrada em ceder às exigências da WGA, sobretudo no que concernce ao uso da AI e à divulgação dos dados das plataformas de streaming porque consideram que a IA possa vir a ajudar a reduzir os custos de produção e, no segundo caso, por acreditarem que a volatilidade das subscrições das variadas plataformas podem manipular dados e não dar uma ideia clara do sucesso ou insucesso de uma determinada série ou filme. 

Também a SAG (Sindicado tos Atores) entrou recentemente em guerra com a AMPTP e juntou-se à greve já em andamento da WGA. Tal como os guionistas, as principiais reivindicações dos Atores prendem-se com novas regulamentações para a IA e as Plataformas de Streaming. É sobretudo com a primeira questão que os atores têm mais problemas. A SAG revelou que a AMPTP  sugeriu implementar um sistema de IA para os figurantes em que estes, em troca de uma soma simbólica, cederiam para a eternidade os seus direitos de imagem para que o seu rosto e corpo possam ser usados em produções americanas, sendo apenas pagos por esta utilização numa única vez.A SAG considera que esta proposta iria eliminar milhões de postos de trabalho e deixar milhares de atores que dependem deste trabalho de figurante na miséria. É portanto sobretudo pelo uso moral e comodidade de IA em Hollywood que os atores estão em luta, mas claro que também exigem melhores condições financeiras e, claro, uma maior transparência no sistema de pagamento de comissões/residuais. Uma vez mais, a AMPTP não parece muito interessada em aceder às exigências, já que  considera que a IA pode ser uma importante ferramenta para controlar custos e também porque considera que os atores são já pagos dentro das regras e acima da média para a indústria.

Infelizmente as posições entre a SAG, WGA e a AMPTP parecem extremadas e as coisas poderão ficar piores, já que a ameaça da IA poderá afetar outros departamentos e não é de excluir que outros sindicatos se juntem às greves já em vigor. Enquanto nada for resolvido, Hollywood está praticamente paralisada. As gravações da maioria das séries e filmes produzidos por estúdios, plataformas e canais americanos estão em pausa e, por força da greve dos atores, todas as campanhas promocionais de lançamento de filmes ou séries que envolvam a sua participação estão proibidas. Excluídas das restrições estão as coproduções entre Hollywood e Produtoras Estrangeiras (desde que não envolvam filiados na WGA ou SAG) e, também , todas as obras que já estivessem em pós-produção quando as greves começaram, assim sendo, o calendário de estreias nos cinemas até ao final do ano não está ameaçado. A época de prémios e a época de festivais também deverá acontecer com relativa normalidade, mas as cerimónias de prémios não deverão ser realizadas enquanto as greves durarem e as red carpets/ promoções em festivais também não deverão acontecer, no entanto, a exibição dos filmes não deverá ser afetada. 

O calendário de 2023 pode não estar ameaçado, mas o de 2024 está seriamente em perigo. Já várias temporadas de séries foram adiadas e, agora com a entrada dos atores em cena, também vários filmes verão nos próximos tempos as suas datas de estreia serem adiadas. A imprensa americana estima que até 70% das produções (séries e filmes) agendadas para o primeiro semestre de 2024 poderão ser adiadas, sendo de esperar que esse número seja ainda maior para o segundo semestre já que muitas das produções agendadas para este período ainda nem começaram a ser gravadas.

Quanto terminará a greve? É difícil de dizer, mas a AMPTP não quer abrir excepções e parece disposta a esperar por cedências, até porque tem alguma margem de manobra para esperar devido à fartura de produções que os estúdios têm prontas. 

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