Uma Hora Com Melissa Leo - 1ª Parte. A Nossa Entrevista Com a Vencedora do Óscar de Melhor Atriz Secundária


Durante a 9ª Edição do Fest – Festival de Cinema Jovem, que se realizou em Espinho entre 24 de Junho e 1 de Julho de 2013, o Portal Cinema esteve à conversa com a atriz Melissa Leo, a estrela de filmes como “21 Grams”, “Frozen River” ou “The Fighter”, pelo que qual ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária. Foi um prazer conhecer esta distinta atriz que, para além de ser uma profissional de luxo, é também uma pessoa muito acessível e humilde. A minha conversa com Melissa Leo durou aproximadamente uma hora, e devo confessar que esses sessenta minutos foram, sem dúvida, a melhor experiência que tive durante o Fest, onde tive a oportunidade única de conhecer outras personalidades de relevo, como o realizador Peter Webber ou editor Tariq Anwar, mas esta breve conversa com Melissa Leo foi simplesmente extraordinária, porque abrangeu uma grande variedade de assuntos, como as suas participações em filmes como “Oblivion”, “21 Grams”, “The Fighter”, “The Flight” e “Frozen River”, ou as suas divertidas experiências durante as gravações de alguns dos seus grandes sucessos.
A nossa descontraída e divertida conversa começou, curiosamente, com uma pergunta de Melissa Leo, que fez questão de me perguntar como funciona o sistema de distribuição no nosso país, e se as séries norte-americanas costumam ser exibidas com regularidade nos nossos canais. Eu expliquei-lhe que, infelizmente, muitos dos filmes independentes dela nunca foram exibidos no nosso país, porque temos um sistema de distribuição que privilegia os grandes filmes comerciais que, ao contrário das obras mais indies, chegam sempre cá a tempo e horas. Já em relação à televisão também não menti, e disse-lhe que os nossos canais por cabo costumam passar muitas séries americanas, mas que os canais de acesso público só passavam algumas e a horas proibitivas para a maioria da população. Pelo meio revelei-lhe que a série “The L Word”, que conta com uma breve participação da atriz, foi exibida num canal de acesso público, e ela reagiu com alguma surpresa, já que não esperava que uma série tão picante fosse exibida assim tão facilmente num canal aberto.
A minha primeira questão versou sobre a sua pequena participação no blockbuster sci-fi “Oblivion”, que estreou à relativamente pouco tempo nas salas de cinema portuguesas. É claro que lhe perguntei como é que foi a experiência de trabalhar numa produção assim tão diferente dos géneros a que ela está habituada, ao que ela me confessou que “o meu trabalho em “Oblivion” é, como referiste, muito curto, tão curto que demorei apenas meio-dia a filmá-lo. Tinha-me preparado para um dia completo de trabalho, mas quando cheguei ao set acabei por só trabalhar um bocadinho de manhã e um bocadinho de tarde. A manhã foi passada a filmar uma cena que não entra no filme, bem talvez entre, porque se prestarem muita atenção podem-me ver, às vezes, no background quando a Andrea Riseborough anda a passear de um lado para o outro naquela espécie de nave. Já de tarde filmamos a parte que realmente aparece no filme e, se o viram, sabem qual é, e sabem também que é um papel pequeno, mas extremamente importante para a explicação da história. É por isso que não é um cameo, porque a minha personagem, embora tenha uma participação curta, é muito importante para o filme. Posso dizer que tecnicamente fui uma “ one day worker”, porque só estive envolvida num dia de filmagens, mas, dentro do espírito do filme, assumi uma personagem muito importante”
A dada altura, a Melissa parou de falar do “Oblivion” e começou a falar das suas participações em “The Flight” e “21 Grams” que, segundo ela, “também foram papéis pequenos mas muito importantes, aliás o meu papel em “The Flight” é até muito parecido, em importância, com o que tive no filme “Oblivion” e, de certa maneira, também é muito semelhante ao papel que tive em “21 Grams”, que foi um filme que me deu muito prazer fazer, porque interpretei uma personagem muito bem construída, que é muito específica e uma parte integral da história. Se já viram o “21 Grams” sabem que, tal como os outros filmes do Alejandro González Iñárritu, a sua narrativa é contada de uma forma muito poética e sempre aos saltos de trás para a frente”. Contei-lhe que vi e adorei o “21 Grams”, e que achei a personagem dela muito importante, já que ela atua como uma espécie de bussola moral da personagem do Benício. A minha análise parece ser coincidente com a da Melissa que, para além de ter concordado comigo, aproveitou para revelar o seu ponto de vista em relação à personagem (Marianne), cujas “aparições em cena são feitas segundo uma ordem muito precisa e contínua, ao contrário das outras personagens dos principais atores (Naomi Watts, Benício del Toro e Sean Penn), cujas histórias e aparições são alternadas entre espaços temporais para assim criar um arco emocional mais potente, não necessariamente contínuo. A Marianne é a única personagem que aparece normalmente sequenciada. É por isso que ela não é apenas uma bussola moral ( e ela tem uma má moral), mas é também o único elo do espetador a uma certa espécie de regularidade, porque a sua história é explorada segundo uma ordem clara. Eu até pensei que era o papel mais importante, porque quando li o argumento nem pensei nas poucas cenas em que ela iria aparecer, porque quando ela aprece é importante”. Ela também ficou um bocado surpresa por eu ter gostado tanto do filme porque, na opinião dela, as pessoas tendem a não gostar muito de filmes tão diferentes como este e até revelou que “algumas pessoas dizem que não sabem como ver um filme tão confuso como este, e eu digo-lhes sempre que a melhor forma de ver um filme como o “21 Grams” é não pensar muito e, simplesmente ver o filme, sem se preocupar com o fio narrativo, porque no fim tudo ficará claro. É por isso que é uma excelente experiência”.
No fim desta pequena referência a “21 Grams”, a Melissa voltou a falar de “Oblivion” e acabou por justificar a importância da sua personagem, porque, segundo as suas palavras, “o filme não resulta sem a minha personagem, tal como o “21 Grams” não resultaria sem a Marianne. Eu até comparo a minha personagem em “Oblivion” ao computador no clássico “2001: A Space Odyssey”. Após esta poderosa comparação, acabou também por falar do seu papel no drama “Flight”, de Rober Zemeckis, que, mais uma vez, “é uma participação pequena, mas muito importante e quase essencial para a conclusão da história, porque é a minha personagem que obriga o protagonista a confessar, daí ser a minha personagem que força aquela surpreendente conclusão”. Pelo meio de conversas sobre tantos sucessos, como “Oblivion”, “21 Grams” e “Flight”, acabamos por falar de um dos seus filmes mais recentes mas menos conhecidos, “Francine”, de Brian M. Cassidy e Melanie Shatzky, que foi exibido em Portugal no IndieLisboa 2013. É claro que lhe disse que este seu pequeno filme foi exibido, apenas uma vez, no nosso país, mas ela não se mostrou muito surpreendida, já que “o filme foi mesmo feito para ser exibido em festivais, e não para ser distribuído comercialmente nas salas. Foi uma experiência incrível, mas o “Francine” não foi vendido em lado nenhum, nem era suposto ser vendido, já que o grande objetivo era, como disse, fazer um filme para ser exibido em vários festivais mais independentes”. É claro que esta conversa sobre filmes independentes acabou por levá-la a perguntar-me se, em Portugal, temos um bom sistema de Video-On-Demand, onde o público português possa ver filmes menos divulgados. Tive que lhe explicar que o Video-On-Demand em Portugal ainda está a dar os primeiros passos e que, infelizmente, ainda não há nenhum serviço que aposte forte na divulgação de filmes experimentais e independentes. 
Antes de falarmos de “The Fighter” ou de “The Frozen River” decidi, por uma questão de ordem, perguntar-lhe como é que ela consegue entrar em tantos filmes, já que quem visita a sua Página no IMDB pode verificar que ela deve ser uma das atrizes que mais trabalho tem em Hollywood. A humildade da Melissa veio ao de cima com esta questão, já que fez questão de relativizar esta questão e confessou que “realmente faço muitos filmes, mas muitos são trabalhos de poucos dias. Eu sempre trabalhei muito, porque sempre quis trabalhar o máximo possível. Nos anos em que não fiz filmes, ou estava a fazer televisão, ou estava no Actors Studios ou, então, estava a trabalhar num pequeno teatro comunitário à beira da minha casa”. Foi a falar do Actors Studio (o teatro não o talk-show) que Melissa mostrou mais emoção e, pelo meio, confessou que este é, para ela, “o único lugar do planeta onde um ator pode realmente ser um ator e fazer o trabalho que nasceu para fazer. É aqui que os atores podem atuar com toda a liberdade com outros atores. Este espírito coletivo e comunitário é muito importante, porque não se pode atuar sozinho. É verdade que é possível, mas o trabalho de ator é sempre muito coletivo”. Eu também lhe perguntei se prefere interpretar personagens secundárias ou principais, já que a maior parte dos seus papéis de relevo são papéis de suporte. A sua resposta foi fiel ao seu espirito aberto, já que não negou que adora dar vida a personagens principais, porque “Se temos um papel importante, então temos mais cenas e influência na história. Há também mais pressão. Os atores estão sempre nervosos quando trabalham, por isso também pode ser um trabalho para pessoas nervosas. O que o ator aprende a fazer é a colher essa energia nervosa e dar-lhe um bom uso. Eu já não sinto nenhum nervosismo, porque estou tão obcecada pelo trabalho. Se somos protagonistas o trabalho é, portanto, mais interessante, porque temos mais pressão e mais responsabilidades. Temos a obrigação de fazer o projeto resultar e ajudar o realizador a contar a história que ele quer contar. É uma responsabilidade enorme. Já nos papéis secundários há menos pressão e, muitas vezes, muitas pessoas perguntam-se porque é que a personagem secundária está ali. Eu adoro as personagens e não a sua relevância para a trama. A melhor história que posso contar para ilustrar isto aconteceu-me recentemente quando filmava o “A Single Shot”, do David M. Rosenthal. Eu interpretei uma personagem muito secundária, cuja participação foi cortada do filme. O realizador até me mandou uma carta muito querida a explicar tudo e a pedir-me muitas desculpas. Não é difícil ser cortada quando o realizador é simpático e nos explica o porquê da decisão, e também torna-se fácil de aceitar quando vemos que, ao ser cortada, permiti ao Sam Rockwell brilhar mais. Eu adoro fazer filmes grandes e pequenos, com papéis grandes e pequenos. É um prazer fazer filmes e, por vezes, faço filmes que nunca ninguém verá, mas que são uma boa experiência, como este “A Single Shot”.

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