Crítica - Nine (2009)

Realizado por Rob Marshall
Com Daniel Day-Lewis, Marion Cotillard, Penélope Cruz, Nicole Kidman, Judi Dench

Rob Marshall foi o sortudo que, em 2002, colheu as migalhas da glória do magnífico “Moulin Rouge!”, de Baz Luhrmann. Em 2001, “Moulin Rouge!” teve o mérito de devolver a dignidade a um género cinematográfico, até então, morto e esquecido – o musical. A obra de Baz Luhrmann encantou meio mundo, deslumbrou espectadores, mas falhou na última e derradeira prova – não venceu o Oscar de Melhor Filme desse ano e o seu excêntrico realizador nem nomeado foi. No ano seguinte, surgem Rob Marshall e o seu sobrevalorizado “Chicago”. Recolhendo as cinzas ainda efervescentes de “Moulin Rouge!” e beneficiando do efeito de massas que praticamente exigia que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas voltasse a premiar um musical, como forma de definitivamente reavivar o género, “Chicago” levou (injustamente) para casa o Oscar de Melhor Filme que escapara a Luhrmann. Não que este filme de Rob Marshall estivesse isento de qualidade artística! Bem pelo contrário. Porém, o seu valor estava uns furos abaixo do seu antecedente.
Alguns anos mais tarde, Marshall voltou à carga com “Memoirs of a Geisha”, um belíssimo e cativante filme que o pretendia afirmar como um dos mais competentes realizadores da actualidade. Contudo, uma vez mais, o produto final deixava ainda algo a desejar. E assim chegamos ao filme em questão nesta crítica – “Nine”. Afirmando-se como uma verdadeira prova dos nove para o realizador, “Nine” surge com o propósito de relembrar um certo classicismo do género musical e arrebatar completamente a próxima cerimónia dos Oscar. Aquilo que posso dizer é que esta obra surpreende, cumpre alguns dos seus objectivos e será certamente um dos candidatos ao Oscar mais pretendido. Apesar de duvidar seriamente que leve a estatueta dourada para casa.


“Nine” coloca o espectador no percalço de um desvairado, imaturo e decadente realizador de cinema italiano – Guido Contini (Daniel Day-Lewis). Imerso numa profunda crise artística que, indelevelmente, abala o seu trabalho, Guido vive um dia-a-dia simplesmente caótico. Incapaz de lidar com as pressões de uma imprensa faminta, incapaz de escrever uma única página do guião do seu próximo filme (que deveria iniciar a rodagem dentro de poucos dias), e infantilmente incapaz de resistir às dezenas de belas mulheres que anseiam pelo seu amor, Guido encara uma crise interior e não encontra um termo moralista que confira algum grau de sobriedade à sua vida boémia. E enquanto luta para manter o seu filme vivo, Guido luta também por levar a bom porto um casamento que, perante as infidelidades, ameaça ruir sem dó nem piedade.
“Nine” apresenta um elenco de imponente respeito. Desde a mítica Sophia Loren à arrojada Kate Hudson, com umas pitadas das excelsas Nicole Kidman e Marion Cotillard pelo meio, “Nine” não esconde o seu arrojo e ambição. Infelizmente, depressa compreendemos que a expressão “mais olhos que barriga” lhe assenta que nem uma luva, mas já lá vamos. Nota-se que Rob Marshall tem um historial de espectáculos musicais da Broadway. Oriundo desse campo, Marshall oferece-nos sequências musicais assombrosas e muito bem coreografadas. Por exemplo, as sequências musicais das personagens de Fergie e de Kate Hudson deslumbram pelo seu brilhantismo, enquanto as sequências de Marion Cotillard e de Daniel Day-Lewis emocionam pela sua riqueza dramática. Visualmente, “Nine” consegue ser surpreendente e avassalador. Porém, por vezes, a narrativa e a forma de filmar de Marshall tornam-se ligeiramente confusas, prejudicando o decorrer de uma história que tinha tudo para triunfar. Certas cenas voam com uma velocidade impressionante e não deixam as personagens evoluir e a história assentar.


E é aí que Marshall sempre falha. As sequências musicais não lhe oferecem qualquer problema, mas tudo o resto não esconde a necessidade de uma maior prática no manuseamento das câmaras e na complexa arte de contar boas histórias. A certos pontos, “Nine” torna-se aborrecido, reavivando apenas com o presságio de nova sequência musical. Também Daniel Day-Lewis, esse Senhor actor, contribui em muito para um não desmoronamento total da película. Muita da emoção e do peso da narrativa passam pelos seus ombros, arriscando-me mesmo a dizer que, estivéssemos na presença de um actor que não fosse um autêntico “monstro” genial da representação, “Nine” cairia como um delicado baralho de cartas.
Graças a Daniel Day-Lewis (não exclusivamente, mas maioritariamente graças a ele), “Nine” oferece-nos grandes momentos cinematográficos, dignos de registo. Estamos perante um musical cheio de “pinta”, maduro e inteligente, comovente e deslumbrante. Porém, esta obra acaba por pecar com um deficiente desenrolar narrativo e com um realizador que, apesar de competente, não consegue levar as coisas mais além, ficando-se pela banalidade. De tal forma que “Nine” não consegue ser melhor que “Chicago”. O que é pena e que desilude bastante.
Ainda assim, a última entrega de Rob Marshall não deixa de ser um bom filme, mexido e divertido, devendo agradar à grande legião de fãs deste curioso género cinematográfico. Contem com “Nine” para a cerimónia dos Óscares que se avizinha. Especialmente nas categorias de Melhor Filme, Actor, Guarda-Roupa, Direcção Artística, Fotografia e Música Original. Por tudo isto e muito mais, gostaria de lhe atribuir uma classificação mais honrada, mas temo não poder ir mais longe que isto.

Classificação - 3,5 Estrelas Em 5

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2 Comentários

  1. Uma pena o filme ter sido tão vazio, posto que o elenco era tão surpreendente.

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  2. «“Chicago” levou (injustamente) para casa o Oscar de Melhor Filme»? "Chicago" é, sem dúvida, em todos os pontos cinematográficos o melhor filme do século XXI: desde do cenário ao guarda roupa, desde da realzação à cinematografia, desde da banda sonora à edição, desde do argumento ao elenco. Chicago é uma explusão de cor, música, dança, paixão. Chicago é merecedor do Oscar de Melhor Filme.

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