Crítica - La Teta Asustada (2009)

Realizado por Claudia Llosa
Com Magaly Solier, Susi Sánchez, Efraín Solís

A cineasta Claudia Llosa é, muito provavelmente, uma das maiores revelações femininas da indústria cinematográfica dos últimos anos. A sua primeira longa-metragem, “Madeinusa” (2006), surpreendeu a crítica internacional, no entanto, o seu segundo trabalho, “La Teta Asustada”, conseguiu maravilhar as audiências internacionais e conseguiu também arrecadar inúmeras distinções cinematográficas de uma enorme importância artística, como por exemplo, um Golden Berlin Bear de Melhor Filme no Festival de Berlim e uma Nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. “La Teta Asustada” é protagonizado por Fausta (Magaly Solier), uma mulher assombrada pelas sinistras e violentas consequências dos acontecimentos que marcaram a sua mãe e a sua nação entre os anos setenta e os anos noventa, um período extremamente conturbado da história recente do Peru. Os membros da Sendero Luminoso, uma impiedosa organização terrorista, roubavam as aldeias/terras isoladas e violavam as mulheres, no entanto, essas mulheres não eram vistas como meras vitimas mas sim como mulheres condenadas a viver numa melancolia incessante, uma condenação/maldição que foi supostamente transmitida aos seus filhos através do seu leite materno. Fausta é filha de uma mulher violada, assim sendo, é vista como uma vítima dessa transmissão (La Teta Asustada – Nome Popular), no entanto, a súbita morte da sua mãe vai a obrigar a enfrentar esses rótulos sociais e os seus constantes receios.


A introdução de “La Teta Asustada” é muito elucidativa. As suas cenas iniciais são essências para conhecermos Fausta e para entendermos as suas motivações e as suas incertezas, assim sendo, chegamos rapidamente a várias conclusões sobre esta mulher que é extremamente conservadora e que se encontra nitidamente traumatizada pelos vários acontecimentos violentos que marcaram a sua infância e a sua mãe. Os seus traumas são evidentes e são exteriorizados nos seus inexistentes comportamentos sociais com os homens estranhos à sua família e nas suas exacerbadas crenças religiosas, no entanto, a exteriorização mais relevante acaba mesmo por ser o seu “remédio” extremo contra o seu maior medo - ser violada. Fausta é uma representação sociocultural muito correcta e original dos inúmeros comportamentos conservadores e supersticiosos dos vários ramos da cultura latina, no entanto, essa representação não é muito positiva, muito pelo contrário, Claudia Llosa ataca constantemente o exagero cultural/religioso e os estereótipos sociais que ainda continuam a martirizar e a traumatizar muitas mulheres e muitas famílias na América do Sul. A narrativa também nos oferece um interessante contraste entre os vários cidadãos culturalmente mais evoluídos, como por exemplo, os habitantes dos centros urbanos, e os cidadãos mais crédulos, como por exemplo, os indígenas como Fausta e a sua família. Este contraste também acentua as enormes desigualdades socioeconómicas, entre os habitantes da capital peruana (Lima) e os habitantes dos subúrbios. “La Teta Asustada” é uma longa-metragem muito visual. Os diálogos e os monólogos são raros, assim sendo, só conseguimos compreender a sua história se estivermos atentos às suas magníficas cenas. Fausta é muito tímida e raramente comunica com outros intervenientes, assim sendo, só conseguimos compreender as suas verdadeiras intenções e as suas emoções através dos seus comportamentos e dos seus melodiosos cânticos que nos transmitem o seu estado emocional. A morte da sua mãe, o seu maior escudo contra o mundo, marca o seu renascimento, o começo de uma nova aventura contra os seus demónios interiores, uma aventura acidentada mas necessária à sua integração numa sociedade que sempre evitou e recusou. A sua família e o seu súbito “interesse romântico”, um homem simpático com quem comunica em quíchua, um idioma indígena, são os seus maiores “socorros” neste seu desenvolvimento intelectual, no entanto, a sua colaboração individual não é idêntica, ou seja, o seu tio é mais ríspido e o seu interesse romântico é mais carinhoso. A conclusão mostra o último estádio da sua evolução, estádio esse que é efectuado através de uma necessária homenagem às crenças da sua mãe, mas também através de um enterro muito significativo à sua “prisão” emocional e sexual, ou seja, a última cena mostra o enterro dos seus medos e o “florescimento” subjectivo da sua nova existência.


A cineasta Claudia Llosa conseguiu construir uma longa-metragem muito simplista, mas muito imaginativa sem recorrer aos estereótipos cinematográficos. A utilização constante dos costumes e das crenças do Peru e da América Latina é muito engenhosa e oferece a “La Teta Asustada” uma dimensão única. As várias sequências cinematográficas também estão carregadas de vários simbolismos culturais e sentimentais muito interessantes que aumentam significativamente a vertente intelectual desta produção, assim sendo, entre os exemplos mais flagrantes destes simbolismos encontramos a sequência onde Fausta e o Tio Lúcido conversam sob um enorme tecido que se encontra cruzado, ou a sequência em que Fausta e a sua Patroa, uma vilã que utiliza a imaginação dos seus criados para exponenciar a sua carreira musical, apanham várias pérolas valiosas do chão. A vertente fotográfica também é muito interessante e esteticamente cativante, assim sendo, somos constantemente confrontados com vários cenários naturais extraordinárias. Magaly Solier está absolutamente fenomenal como Fausta. Esta actriz é muito atraente mas também é extremamente talentosa, um talento que é comprovado com esta sua excelente performance que é muito realista e credível. O elenco secundário também nos apresenta algumas interpretações competentes, no entanto, entre essas interessantes performances secundárias destaco a de Marino Ballon como o Tio Lúcido. “La Teta Asustada” é uma excelente longa-metragem com um magnífico argumento, uma fantástica realização e um talentoso elenco que conseguiu maravilhar a crítica internacional com a sua história dramática/documental muito interessante sobre a importância da família, os exageros dos costumes e das crenças, as consequências das enormes desigualdades sociais e dos trágicos acontecimentos que marcaram e ainda marcam uma nação inteira.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

Enviar um comentário

0 Comentários

//]]>