Crítica - Biutiful (2010)

Realizado por Alejandro González Iñárritu
Com Javier Bardem, Maricel Álvarez, Hanaa Bouchaib, Diaryatou Daff

Ora aqui está o feel-good movie deste ano, ideal para o espectador ver em conjunto com a sua cara-metade enquanto devora um gigantesco balde de pipocas em pleno dia de aniversário do namoro ou casamento! Aqueles que já viram o filme podem apagar essa expressão de surpresa dos rostos boquiabertos. Pois estou apenas a brincar. “Biutiful” é o perfeito oposto de tudo o que possa ser equiparado a um filme feliz ou bem-disposto. Quando falamos da mais recente obra de Alejandro González Iñárritu, estamos a falar de uma das obras mais negras, cruas e melancólicas dos últimos tempos. Uma vez mais, o brilhante realizador mexicano filma o lado mais negro e decadente da humanidade como ninguém, jamais hesitando em mostrar-nos uma realidade que muitos optam por ignorar ou simplesmente negar. É claro que um “Sex and the City 2” é muito mais aprazível aos olhos, chamando uma maior quantidade de público às salas. Mas são filmes como este “Biutiful” que nos lembram que a realidade é bem mais sombria do que, por vezes, possa parecer, chamando a atenção de todos para temas de uma importância infinitamente superior e sobre os quais os líderes mundiais deveriam reflectir (em vez de passarem os dias a analisar gráficos, números e estatísticas…).
“Biutiful” aborda temas tão complexos (e relevantes) como a extrema pobreza, a toxicodependência, os maus-tratos infantis e a exploração de trabalhadores imigrantes. E tudo sob o ponto de vista de Uxbal – o atormentado protagonista exemplarmente interpretado por Javier Bardem. Uxbal é uma espécie de protector dos menos afortunados. De certa forma, ele tenta oferecer melhores condições de vida aos milhares de imigrantes que chegam a Espanha com nada mais do que um sonho irrealista em mente. Mas não sem cobrar um pequeno montante de dinheiro pelos seus serviços, o que o transforma numa espécie de chulo dos mais pobres. Para além deste pequeno “ofício”, Uxbal encarrega-se também de frequentar diversos funerais, já que o seu dom de comunicar com os mortos lhe garante mais algumas coroas. Tudo isto em prol do bem-estar da sua própria família destroçada. Mas então chega o dia em que ele recebe a notícia de que um cancro lhe permitirá viver por apenas mais alguns meses. E a partir deste ponto, Uxbal tenta a todo o custo remediar a sua vida, para que a sua alma possa partir em paz num futuro muito próximo. Porém, entre complicações com a ex-mulher alcoólica e a imperial necessidade de colocar pão na boca dos dois filhos infantes, Uxbal depressa compreende que viver um epílogo sem pecado é coisa praticamente impossível neste mundo…


Não haja dúvida de que estamos perante uma obra verdadeiramente desconcertante e, por vezes, difícil de visionar. “Biutiful” é um filme extremamente pesado, que não se deve ver de ânimo leve. São duas horas e meia de autêntica degradação humana e social, onde a pureza e a integridade do ser humano são postas à prova máxima. Como já foi referido, Iñárritu é um mestre deste tipo de cinema mais negro e sem grandes floreados. A sua visão do mundo (ou pelo menos aquela que transporta para as suas histórias) é uma visão profundamente desencantada e quase calamitosa. Uma visão que não manifesta grande esperança no futuro do Homem, constantemente retratando-o como um ser frio, cruel e até mesmo tresloucado. “21 Grams” e “Babel” – apesar de igualmente frios e desencantados – ainda disfarçavam um pouco esta forma de viver a realidade. Mas este “Biutiful”, não hesito em afirmá-lo, é a obra mais negra e pesada do realizador mexicano desde “Amores Perros” – a obra que o despertou para a fama.
E é neste retrato profundamente sério e realista do mundo em que vivemos que se encontra a maior força deste filme. Aí e na extraordinária performance de Javier Bardem, que enche o ecrã por completo e nos comove com a interpretação de um homem triste, desesperado e atormentado por inúmeros fantasmas. Estamos perante uma verdadeira tour-de-force do actor espanhol. É ele que carrega com o filme às costas, mantendo o espectador sempre atento ao que a sua personagem vai fazer a seguir. A sua nomeação para o Óscar é, portanto, mais que merecida, embora o actor tenha poucas hipóteses de levar o prémio para casa.


Mas para além da brilhante realização de Iñárritu e da espantosa performance de Bardem, pouco mais sobressai deste “Biutiful”. Trata-se de uma obra poderosa e deveras ambiciosa. Mas de tão bizarra e pesada que é, acaba por se tornar numa obra de cariz quase experimental. Esperava um pouco mais, tenho de ser franco. Saí da sala com a sensação de que lhe faltava alguma coisa para se tornar um filme inesquecível (um filme à imagem do magnífico “Babel”, por exemplo). Esta é a primeira vez que Iñárritu não contou com a preciosa colaboração de Guillermo Arriaga na escrita do argumento. Terá tido alguma influência no resultado final? Talvez, pois é precisamente na narrativa que se sente alguma insuficiência. Mas “Biutiful” é também, claramente, uma obra muito pessoal do realizador mexicano. Uma obra dedicada por inteiro ao seu pai. E quando assim é, é relativamente normal que ela se afaste dos padrões de storytelling a que estamos habituados. Transformando-a numa obra ainda mais especial.
Aquilo que se pode dizer em forma de conclusão é que “Biutiful” vale essencialmente por Bardem e pelo retrato gélido e nada presunçoso que Iñárritu faz de uma sociedade em puro estado de desgraça. Por vezes, talvez por causa da sua duração (a meu ver) algo excessiva, “Biutiful” torna-se um pouco enfadonho e mesmo desagradável. Mas apesar disso, não deixa de ser uma obra com momentos extremamente poderosos (a cena em que Uxbal pede à filha para não o esquecer é, seguramente, um dos maiores momentos cinematográficos de todo o ano transacto), que merece ser visionada e sobre a qual todos deveríamos reflectir. Pois para além de entreter, o melhor cinema tem também a obrigação de nos pôr a pensar e, quiçá, de nos transformar em indivíduos de sensibilidade mais apurada.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

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5 Comentários

  1. Só tenho uma pergunta: consegue ser tanto ou mais pesado e chocante e obsceno do que "Precious"? É que este é daqueles filmes que me arrependo tremendamente de ter visto.

    V.

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  2. Biutiful é um filme sujo e feio é também duro e feio sem deixar de ser agressivo e feio e ao mesmo tempo crú e feio e impressionante e feio e tão real quanto feio e tão feio quanto bom. os bons filmes nunca nos deixam indiferentes e por isso é que são bons porque são bem feitos.

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  3. V.:

    Tanto "Precious" como este "Biutiful" são filmes extremamente pesados e, por vezes, chocantes. Se "Precious" o impressionou, "Biutiful" certamente fará o mesmo.

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  4. A dureza e a realidade do filme não chegaram para o tornar um filme inesquecível??Na minha opinião demonstra a realidade a que preferimos fechar os olhos... excelente filme, para mim melhor que Babel ou 21 Gramas, na minha opinião fica um pouco esquecido por não ser em inglês, daí só referirem o desempenho de Javier Bardem, e o resto do elenco??

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  5. LINDA REDENÇÃO
    Há dias em que temos um olho em febre e outro com várias vistas. Por isso gosto de ver os filmes do Inárritu. Nem foi por conta do grande ator Javier Bardem que assiti o filme “biutiful”, foi mesmo por saber que trabalhos do diretor vem sempre com carga dramática que arranca dos olhos água como se estivesse roubando deles toda energia elétrica. E pessoas que parecem duras como eu, choram e se deixam sensibilizar pela maioria dos personagens. Se você gosta de filmes com finais felizes e alegres na maior parte do tempo, esqueça Inárritu. Pois seu trabalho é realmente biutiful ao avesso e por isso o título original da mesma forma que foi soletrada errada na cena. O filme é demorado, mas vale a pena. Ficamos com a sensação que todos são lindos iguais diante a dor, tão lindos que aos nossos olhos, merecem, por mais que tenham pecado, a redenção. Marília L.Paixão

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