Crítica - The King's Speech (2010)

Realizado por Tom Hooper
Com Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Guy Pearce, Michael Gambon

“The King’s Speech” esteve muito perto de se tornar uma peça de teatro para os palcos londrinos. Foi com esse destino em mente que o primeiro guião foi escrito. E talvez isto explique muitas das limitações (artísticas e narrativas) que o filme acaba por apresentar. Foi através de Geoffrey Rush que a outrora peça teatral se transformou, definitivamente, num projecto de cinema. Diz-se que o actor australiano ficou de tal forma siderado com o guião que tinha em mãos, que não hesitou em deitar mãos à obra e tornar-se produtor executivo de uma obra cinematográfica que acabaria por arrecadar 12 nomeações para os Óscares da Academia. O problema é que, em muitos aspectos, “The King’s Speech” continua a obedecer cegamente aos padrões artísticos e narrativos de uma peça teatral. O grande trunfo do filme está na excelência dos diálogos e nas brilhantes interpretações dos seus protagonistas (com destaque máximo para Colin Firth e Geoffrey Rush, os dois actores que acabam por carregar quase todo o filme às costas). Mas para além disso, muito pouca coisa salta à vista, numa obra onde o excesso de convencionalismo chega mesmo a irritar e onde nada (bom, quase nada…) consegue surpreender o espectador e oferecer-lhe algo de verdadeiramente extraordinário. A sensação com que se sai da sala é a de que já se viu isto montes de vezes. A história em si é original, é um facto. Mas a forma como essa história é contada mergulha fatalmente num conservadorismo narrativo ultra-enfadonho, SPOILER onde todos sorriem para a câmara no final e até a clássica mensagem do “foram amigos para sempre” não escapa. O que me deixa a pensar seriamente em como raio é que um filme como “The King’s Speech” consegue obter 12 (!) nomeações para os prémios mais conceituados do cinema.




A narrativa não é muito complexa. O príncipe Albert, Duque de York (portentoso Colin Firth), sempre apresentou problemas de gaguez. Sendo um membro da família real e um dos herdeiros ao trono britânico, ele é obrigado a falar em público e, por isso, recorre aos serviços de inúmeros terapeutas da fala (uns melhores que outros) com o intuito de resolver o problema que tantas dores de cabeça e fortes embaraços lhe tem oferecido. O insucesso é de tal forma gigantesco, que Albert acaba por renunciar a todo o tipo de tratamentos, conformando-se com a inevitabilidade da sua triste situação. A sua esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter), porém, não aceita a sua desistência e continua à procura de um talentoso terapeuta da fala que possa realmente ajudar o seu atormentado marido. É então que Lionel Logue (surpreendente Geoffrey Rush) – um terapeuta de métodos pouco vulgares – entra em cena. Renitente numa primeira fase, Lionel lá adiciona Albert à sua lista de clientes, aceitando tratá-lo segundo as regras e condições impostas por alguém pertencente a um cargo de tão notável distinção. E assim começam as peculiares sessões de terapia da fala entre Lionel e Bertie. Sessões que decorrem com um sentido de urgência cada vez mais apurado, já que a guerra com a Alemanha de Hitler se aproxima a passos largos e Albert está cada vez mais próximo de se transformar no Rei George VI. Um cargo que o obrigará a discursar perante todos e, mais do que isso, um cargo que o forçará a incutir confiança num povo amedrontado pela ameaça da segunda guerra mundial. E tudo isso através das palavras, suas inimigas de longa data…
Que fique bem clara a noção de que “The King’s Speech” não é um mau filme. As sessões de terapia da fala (sem sombra de dúvida, os momentos mais irreverentes e brilhantes da película, únicos instantes onde esta desperta de um modo de filmar pré-fabricado e nos oferece pormenores de realização bem conseguidos) colam-nos os olhos à tela e as interpretações dos actores fazem-nos acreditar na veracidade das respectivas personagens. Colin Firth pode, desde já, preparar o discurso para os Óscares, pois, a menos que aconteça alguma desgraça, a sua arrepiante interpretação do príncipe Albert irá cobri-lo de ouro e glória na noite de 27 de Fevereiro. Também Geoffrey Rush se destaca sem grande esforço, oferecendo-nos uma interpretação que tem tanto de cómica como de comovedora. Helena Bonham Carter é que acaba por passar mais despercebida, muito por causa do seu papel não atingir o nível de profundidade dramática que o duo de protagonistas atinge. Mais conhecido pelo trabalho efectuado na mini-série “John Adams” (bastante apreciada nos Estados Unidos) e no filme “The Damned United”, Tom Hooper oferece-nos assim uma obra sóbria, elegante e deveras eficaz na transmissão da sua mensagem.


Contudo, na minha opinião e como já tive oportunidade de referir, isto é muito pouco para uma obra que se pretende afirmar como a melhor de toda uma temporada cinematográfica. Uma película presenteada com o Óscar de Melhor Filme do ano deve ser uma película que nos surpreenda, que nos marque pela sua originalidade e arrojo artístico, que nos fique gravada na memória por muitos e bons anos. E isto é algo que “The King’s Speech” está muito longe de fazer. Se não soubéssemos melhor, diríamos que este é um filme de Ron Howard, dirigido sob a chancela da Walt Disney para toda a família. O convencionalismo que lhe é inerente e a forma demasiado certinha e linear com que se desenvolve, transformam esta obra em algo de profundamente banal e dispensável. Nada surpreende, tudo se passa conforme estamos à espera e a narrativa desagua numa previsibilidade que não abona em favor de ninguém. Muito sinceramente, esperava muito mais deste “The King’s Speech”. Tudo se desenrola de acordo com o “manual de fazer filmes” de que Hollywood tanto gosta, razão pela qual o filme acabou por encabeçar a lista de nomeados para os Óscares. Mas algo me diz que o único Óscar que lhe vai sair na rifa é o de Melhor Actor Principal. E se houver justiça neste mundo, esperemos que assim seja, pois “The King’s Speech” assemelha-se mais a um telefilme que se vê numa tarde de Domingo.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

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12 Comentários

  1. Eu adoro estes críticos que só sabem dizer mal. O filme é fantástico, está nomeado e com todo o mérito! Felizmente nunca liguei a pseudo-críticos para fazer as minhas escolhas!

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  2. Quando "The King's Speech" foi anunciado eu pensei para mim - Olha outro filme sobre a Família Real Britânica - uma ideia que foi crescendo à medida que foram saíndo mais promenores sobre o filme mas quando saíram as primeiras críticas pensei realmente que estava errado e que se calhar estavamos perante algo de novo. Se as pessoas criticam The Social Network por ser mais um filme sobre uma batalha jurídica não será hipocrísia louvar The King's Speech quando este também é mais um filme sobre a Familia Real Britânica? Acho que ambos são dois bons filmes mas realmente ficam a milhas de Black Swan ou até mesmo de The Fighter.

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  3. Ao contrário do caro Rui Madureira eu fiquei muito agradado com "The King´s Speech". É notório a falta de energia no filme mas nunca cai num silêncio ensurdecedor, antes pelo contrário. Parece haver um misto, algo de sinergias que me conseguiu envolver e transportar para o filme e ver mais para além da superficialidade cinzenta que é o mundo formal e tradicional da Família Real Britânica.

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  4. Eu achei-o um bom filme, mas concordo que coroá-lo como melhor filme do ano é um autêntico exagero...
    O mote é original, as interpretações excelentes, a fotografia e banda sonora também.
    Mas falta-lhe algo... Alguma da irreverência que faz do Black Swan uma obra prima!

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  5. Caro "Anónimo 13 Fevereiro 20:33":

    Se acha que eu sou um crítico que só sabe dizer mal, então aconselho-o a não ler as críticas de alguns jornais portugueses...
    A minha crítica é uma opinião pessoal e em nenhum ponto dela tento censurar o filme em questão, assim como não tento levar as pessoas a desistirem de ir vê-lo. As críticas (sejam de quem for) não estão aqui para ditar as escolhas de ninguém. As críticas existem para abrir espaços de discussão sadia e, quando muito, para servirem de sugestão.
    Não estou aqui a tentar deitar abaixo o "The King's Speech". Simplesmente é um filme que me desiludiu bastante e a minha opinião tem de ser tão respeitada quanto a vossa. E em vários pontos da crítica, eu deixo bem claro que NÃO é um mau filme e que apresenta alguns bons pormenores (como a interpretação dos actores).

    Cumprimentos a todos

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  6. Boas,

    Pessoalmente, não considero o ''The King's Speech'' um filme convencional e não percebo porque tendem a cataloga-lo como tal. Tão pouco o considero um ''Oscar bite''.
    Aliás, este é um dos poucos ''feel good movies'' que consegue, mesmo contendo alguns clichés(recordo-me do uso de calão por parte de Logue e Bertie), ser excepcional, quer nas actuações (Colin Firth simplesmente nasceu para ser actor), quer na banda sonora, quer na fotografia, e sim, até mesmo na direcção. E isto porque a grande maioria desses clichés são usados para contar ou acrescentar algo à história (ao contrário de outros filmes, em que têm fins secundários.)
    Por exemplo, algo que já vi adjectivado como incoerente e convencional foi o recorrente uso que Tom Hooper dá às ''fish eye lens'', todavia, lembro-me que achar este pormenor brilhante enquanto via o filme, pois, para além de destacar as brilhantes actuações do filme, trazia uma certa ''igualdade'' a personagens de estratos sociais antagónicos.
    E tudo isto para desmitificar o ''The King's Speech'' e dizer que este filme não é apenas as excelentes actuações de Colin Firth e Geoffrey Rush.

    --
    Dina Rodrigues

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  7. Subscrevo na íntegra a crítica ao filme (e não as críticas à crítica, sobretudo daqueles que parece que não leram com muita atenção).
    O filme é bom, a representação irrepreensível mas o enredo é previsível e nunca nos conseguimos identificar verdadeiramente com a aflição de alguma das personagens.
    Para filme do ano fica muito aquém de outros que já ganharam esse mesmo prémio... (http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_de_melhor_filme)

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  8. o rui, gostava saber que raio de filmes andas a ver. pergunto-te quais os filmes dos ultimos anos que apresentam diálogos tão bem construidos, actuações tão magnificas (firth, rush), tamanha originalidade e cenas tao emotivas quantas as deste filme. Nao percebo como e que uma narrativa só por ser tao simples seja descrita como enfadonha, hollywoodesca e banal. A cena final do discurso, do "amigos para sempre" e a a familia a sorrir, não sao clichés, mas sim factos que ocorreram, o final "disney: para agradar a todos", era a conclusão possivel e obviamente a esperada. São as performances convincentes, divertidas e emotivas que fazem deste filme (de relativo baixo orçamento 15 milhoes) um claro merecedor ao prémio dos oscares, apesar de achar que dos nomeados (ainda não vi black swan e winters bone) true grit e inception serem mais interessantes.

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  9. Apesar de sabermos que o Rei acabou por superar a gaguez no seu discurso de guerra, Tom Hooper não tinha necessidade nenhuma de mostrar o pessoal todo a festejar como se a guerra já tivesse sido ganha, assim como o povo a choramingar lágrimas emocionadas. Que eu saiba, ninguém esteve lá para ver como esse povo reagiu realmente ao discurso, havendo outras formas de abordar tudo isto. O filme acaba por cair no cliché hollywoodesco do "felizes para sempre" porque aborda a história de uma forma muito linear e tudo decorre de uma maneira muito óbvia, através de uma fórmula terrivelmente desgastada.
    Eu prefiro filmes que ambicionem surpreender o espectador em vez de lhe oferecer aquilo que ele está à espera. Não sou o único a dizer que "The King's Speech" é um filme que joga sempre pelo seguro e que Tom Hooper parece ter medo de arriscar.
    E voltando ao tema do início, tomemos como exemplo "The Aviator", de Martin Scorsese. Na cena final, Howard Hugues realiza o seu sonho tão desejado de voar com o maior avião feito até à data, e Scorsese não caiu na tentação de pôr toda a gente a sorrir para a câmara e de pôr os seus "inimigos" a atirar com o chapéu para o meio do chão. Ou se o fez, fê-lo de forma bem mais subtil e não tão forçada. Na verdade, "The Aviator" acaba até de forma bem arrepiante. E é também um filme que encerra com uma cena de sucesso e que é baseado em factos verídicos.
    No final, tudo depende da forma como o realizador opta por abordar a história, assim como a forma de contar essa história.

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  10. Não pretendendo ofender ninguém mas aqui fica uma sugestão: não acham que as críticas deveriam ser feitas de um ponto de vista mais imparcial? Eu sei que é difícil tendo em conta que todos nós temos gostos pessoais mas falando por mim, quando venho a este blog é com a ideia de obter uma opinião sobre os filmes que reflicta mais a qualidade dos filmes em si e não propriamente a opinião pessoal de cada um. Porque aquilo de que eu gosto não é com certeza aquilo de que outros gostam. E penso que é essa fundamentalmente a função de um crítico de cinema.
    Não que ache uma crítica me iria dissuadir de ir ver este ou outro filme qualquer(como acho que acontece com qualquer pessoa com opinião e personalidade formadas) mas pode certamente influenciar o espírito com que o vou ver (e tendo em conta que o dinheiro também não é muito há que fazer escolhas).

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  11. Cara Filipa, parece-me que, aqui, a questão da imparcialidade não faz muito sentido. A imparcialidade vem à baila quando estamos a falar de algo que já tem uma paixão pré-concebida envolvida. Por exemplo, no futebol, se alguém já é adepto do Porto, tem dificuldade em admitir que o Benfica jogou melhor em determinado jogo ou vice-versa. Mas no cinema, isso não se verifica. Pois ao contrário do que acontece com o fenómeno Twilight (em que há a team Edward e a team Jacob), aqui não há team The King's Speech nem team Black Swan. Como opiniões pessoais que são, as críticas acarretam sempre alguma subjectividade resultante dos gostos individuais de cada um. O que o crítico pode (e deve) fazer é tentar apontar aspectos positivos (se os houver), mesmo que esteja a falar do pior filme do mundo. Mas eliminar por completo a subjectividade de uma crítica cinematográfica é impossível. Se o fizessemos, as críticas transformar-se-iam em meras listas de prós e contras.

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  12. Este sim, eu considero uma prodígio cinematográfico. Realização simples, percebe-se cada porque usa cada plano. Fotografia excelente e interpretações memoráveis.
    Penso que será o justo vencedor dos óscares.

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