Espaço Bizarro - Tetsuo: The Iron Man (1989)

De Shynia Tsukamoto
Com Kei Fujiwara, Tomorowo Taguchi e Shynia Tsukamoto

Divulgada em 1989 no Japão, "Tetsuo: The Iron Man" continua a ser considerada a obra maior de Shinya Tsukamoto, referência obrigatória do cinema bizarro e do surrealismo japonês das últimas duas décadas. Ainda que justamente reconhecido por filmes mais recentes, como o foram "Tokyo Fist" ou "Bullet Ballet", foi em "Tetsuo" que Tsukamoto mais longe foi, nos domínios da absurdidade, da plasticidade ou da violência: À data com menos de 30 anos de idade, Tsukamoto assinou a realização e o argumento daquela que foi a sua primeira longa-metragem, se se excluir o peculiar, mas ainda assim relevante, "Denchu Kozo no Boken", de apenas 47 minutos.
Ambiciosa e coerente nos seus propósitos, a produção de "Tetsuo" foi verdadeira e assumidamente low-cost. Tsukamoto terá, ele mesmo, concebido e executado parte significativa de adereços e cenários. E à sua notável fotografia, invulgar em quase todos os fotogramas destes cibernéticos 67 minutos, corresponderam recursos técnicos muitíssimo limitados, mas que nem por isso deixaram de enriquecer o resultado final.

A (i)lógica de "Tetsuo: The Iron Man" só é cabimentável no Japão, nação da industrialização e da miniaturização massivas, da contenção e do rigor social nas relações inter-pessoais, da regra e do dever, e de uma imagem urbana de história e complexidade milenares. É, assim, sob influência directa destes predicados, que nos é apresentado o perturbado Tetsuo - protagonizado pelo próprio Tsukamoto - obstinado, na sua essência, por um  fetichismo com elementos metálicos. Curiosamente, apesar de isolado na fruição de um imaginário sensorial, à imagem de um psicótico profundo, a progressão de Tetsuo e da sua dor na intriga de Tsukamoto advém de interacções inicialmente involuntárias e genericamente violentas, provenientes de agentes que lhe são exteriores.
É a realidade do Japão pós-guerra, impessoal (a escassez de diálogos e uma cidade vazia insinuam-no) e  quase opressivo, retratado num limitadíssimo grupo de personagens, que Tetsuo - um mero cidadão patológico ou, noutra leitura, uma conscencialização crítica da "indústria invasiva" - questiona, contamina e, em grande medida, combate e pretende aniquilar.

Filmada a preto-e-branco, a metamorfose belicista e por vezes "hard-core" concebida por Tsukamoto reveste-se de invulgar riqueza estética, eventualmente comparável aos delírios arquitectónicos de Lebbeus Woods, ou ao referencial de algumas das mais representativas obras do cartonista Enki Bilal. O forte cariz industrial, punk e cibernético de "Tetsuo" é habilmente sublinhado pela banda sonora, desenvolvida por Chu Ishikawa (mentor dos Der Eisenrost), ora amplificando momentos de repetição anafórica, ora potenciando um naipe de geniais sequências, das quais se destaca a mítica perseguição na estação de comboio.
Enquanto coerente performance artística, "Tetsuo" não deixa de facultar ao espectador um sem-número de sugestões e de leituras, contrastantes com algumas imagens de objectividade analítica... Marginal, underground e independente, o registo do cirandar de Tetsuo estará longe de constituir uma visão convencional: Numa perspectiva onírica, o "Iron Man" de Tsukamoto encontrar-se-á muito mais próximo de um pesadelo pejado de monstros, turvo e obscurantista, do que de um sonho.
Apesar de mais abastadas nos recursos utilizados, as duas sequelas de "Tetsuo" ("Body Hammer", de 1992, e "Bullet Man", de 2009) não conseguiram nunca fazer juz ao primordial, complexo e alucinante "Iron Man". Apesar de uma surpreendentemente boa aceitação no Japão, o primeiro dos "Tetsuo" foi apenas premiado em Festivais Europeus. Oito anos depois, a genuinidade e o talento de Tsukamoto ser-lhe-iam novamente reconhecidos em solo europeu, ao integrar o júri do Festival de Veneza, em 1997.

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