Realizado por Alain Resnais
Com Giorgio Albertazzi, Delphine Seyrig, Sacha Piotëff
Durante o visionamento de Rosmer, peça teatral encenada numa sala de hotel, “X” revê “A”, por quem sente uma atracção baseada num passado recente. “A”, que tende a não se recordar do antecedente, possui uma relação com “M”. “M” observa, distanciado, a interação entre ambos.
A complexidade de “L'année dernière à Marienbad”, geradora de um enigma com meio século de existência, advém da colaboração entre Alain Resnais e Alain Robbe-Grillet (autor do argumento, impulsionador do movimento Noveau Roman), pressupondo apenas três personagens, desprovidos de nome, alguns figurantes e um espaço palaciano para se formalizar.
A monomania de “X” (Giorgio Albertazzi, personagem principal e narrador) em torno de “A” (Delphine Seyrig) é aparentemente gerida, com tolerância, por “M” (Sacha Piotëff) - cerebral, frio e crónico vencedor de um concorrido jogo de salão, de cariz matemático. Em oposição, a perspetiva semi consciente de “X”, embriagada em sentimento, é o veículo para a construção de uma realidade volátil, oscilante entre atmosferas e espaços concretos, e a incoerência característica de uma memória truncada.
A genialidade de Alain Resnais e Alain Robbe-Grillet extrapola um convencional triângulo afetivo. Em “L'année dernière à Marienbad” retrata-se o desejo concreto de recordar um tempo e um relacionamento em toda a sua dimensão sensorial, reposicionando-os no presente. À recusa aparente em se reviver esse passado pelos demais hóspedes, pode corresponder a não aceitação, por “X”, de uma outra realidade, vazia e penosamente desvalorizadora da nostalgia que Giorgio Albertazzi superlativa ao longo de mais de hora e meia de filme. A rotina do jogo e das deambulações por corredores e lobbys é reveladora do que, em Marienbad, é questionado - o peso e o valor da memória, individual ou colectiva.
Também o desfecho de “L'année dernière à Marienbad” é, enquanto consequência da narrativa surrealista de Robbe-Grillet, estético e inexplícito. Que espírito deambula, silenciosamente, pelos opulentos corredores do hotel? Em que culmina a fixação de “X” relativamente a “A”? Viabiliza-se um final feliz, ou à derradeira luz corresponde um desfecho trágico, decalcado do imaginário de Ibsen, do qual Rosmersholm será exemplo privilegiado?
Apresentada em 1961, “L'année dernière à Marienbad” é uma obra referencial no cinema francês do século XX. Planos, fotografia e iluminação revestem-se de contemporaneidade, impondo leveza e graciosidade únicas, à intriga. Uma enorme indefinição, enquadrada por vetores psicológicos, cronológicos e emocionais (o recurso constante ao solilóquio é esclarecedor dos diferentes níveis de perceção dos personagens), mas essencialmente filosóficos, é indutora de uma vertente onírica, repercussão do inconsciente no plano real: é este o fulcro da criação de Robbe-Grillet, construtor, com dimensão e rigor, de uma ambiguidade densa, desprovida de paradoxos e rica em incertezas, mas invariavelmente conectada à realidade. Que Resnais retrata, a preto-e-branco, com minúcia e método.
“L'année dernière à Marienbad” arrecadou o Leão de Ouro no seu ano de estreia, tendo o argumento de Alain Robbe-Grillet sido candidato a óscar em 1963. O seu engenho continua a iludir espectadores, críticos ou acríticos. Mariánské Lázne (ou Marienbad, em alemão), conceituada vila termal, localiza-se na República Checa e é conhecida pela beleza dos seus palácios e unidades hoteleiras, de inspiração romântica e classizante. Nunca foi filmada por Alain Resnais.
1 Comentários
Enigma incrível, um filme com um charme único.
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