Realizado por Benjamin Christensen
Com Maren Pedersen, Oscar Stribolt, Benjamin Christensen
Abordagem única à prática da bruxaria e da feitiçaria ao longo da história, ”Häxan” retrata alguns dos contornos da perseguição religiosa e da censura a hereges, com especial incidência à da inquisição da idade média.
Crê-se que a motivação de Benjamin Christensen foi originada pelo contacto acidental com uma reprodução de “Malleus Maleficarum” – diretriz do modus operandi dos representantes do Santo Ofício – em 1919, algures em Berlim. Da sua análise, Christensen constituiu uma dissertação em torno do procedimento inquisitório, da tortura e do estigma ao qual os "prevaricadores" eram sujeitados. Recorrentemente designado enquanto cinema documental, “Häxan” é, na sua substância e forma, um filme de cariz ficcional: ainda que devidamente balizado a nível histórico, integra inúmeras sequências dramatizadas, de narrativa fantasiosa e léxico bizarro.
São diversas as representações de episódios sobrenaturais e as aparições de figuras demoníacas. Algumas das sequências, de composição decalcada das gravuras renascentistas de Dürer e Schongauer, ou inspiradas na pintura de Goya ou de Bosch, possuem inigualável riqueza e requinte. São usados efeitos especiais emblemáticos, considerando que a produção do filme decorreu em 1921 - antes, por exemplo, das criações surrealistas de Buñuel ou do vanguardismo de Vertov.
Emocional, temática (compartimentada em capítulos) e por vezes humorística, a visão de Benjamin Christensen da “caça às bruxas” foi coerente quanto baste para motivar forte censura em inúmeros países europeus, com especial incidência em regiões onde a prática do catolicismo era mais enraizada. O exemplo Norte Americano foi extremo: “Häxan” foi banido das salas de cinema, tendo sido exibido em público apenas em 1929.
O tabú criado em torno de "Häxan" não foi, contudo, motivado pela nudez, pelo terror, ou por satanismo explícito. Parte destas manifestações, indutoras da relação entre a religião católica e os seus crentes eram, aliás, representadas recorrentemente em templos (tímpanos, colunas ou outros elementos decorativos bem visíveis de grandes catedrais góticas), ilustrações de índole religiosa (iluminuras, azulejos, trípticos) ou em escritos tidos por basilares.
Apesar do regozijo com que Christensen ilustra a génese de monstros, o comportamento de feiticeiras ou a presença de demónios, foi da dissecação das reais motivações da igreja - católica apostólica romana ou protestante -, baseadas no interesse particular, na ignorância e no medo primário, que emanou a censura generalizada a “Häxan”. O seu último capítulo vinca-o, introduzindo com ironia a perspetiva da psicologia clínica moderna em oposição às execuções medievalistas, viabilizadas pelo clero regular e decorrentes da delação e do erro.
Apesar do regozijo com que Christensen ilustra a génese de monstros, o comportamento de feiticeiras ou a presença de demónios, foi da dissecação das reais motivações da igreja - católica apostólica romana ou protestante -, baseadas no interesse particular, na ignorância e no medo primário, que emanou a censura generalizada a “Häxan”. O seu último capítulo vinca-o, introduzindo com ironia a perspetiva da psicologia clínica moderna em oposição às execuções medievalistas, viabilizadas pelo clero regular e decorrentes da delação e do erro.
Benjamin Christensen foi, a par de Georges Méliès, um dos percursores do cinema fantástico e de terror, constituindo-se "Häxan" enquanto a sua obra-prima. Apesar de ter sido o mais caro filme mudo de sempre produzido na Suécia, o elenco (dinamarquês) de “Häxan” era, também ele, peculiar na sua composição: a septuagenária Maren Pedersen, florista de profissão, assumiu o papel eminentemente central de bruxa, contracenando com actores reconhecidos no universo do cinema escandinavo, como Clara Pontoppidan, Oscar Stribolt ou Elith Pio. O próprio Benjamin Christensen aparece em grande plano enquanto diabo, assumindo o interesse pessoal pelo “horror gótico”, género cinematográfico que o faria chegar a Hollywood.
A primeira versão de "Häxan", datada de 1922, possuía 87 minutos e era totalmente muda. Em 1968 foi lançada uma segunda edição, direccionada ao mercado norte americano, narrada por William S. Burroughs (agudizando o carácter bizarro da produção sueca), e à qual se justapôs uma sonoridade “Jazz” assinada por Jean Luc Ponty, de fundamento discutível. Encontram-se disponíveis, em DVD, duas versões, das quais a "Criterion Collection" de 113 minutos, em jeito de director's cut, constitui a escolha acertada.
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