Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert
Em 2009, Michael Haneke conquistou a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes 2009 com o seu brilhante “The White Ribbon”, um thriller dramático absolutamente fenomenal que nesse ano foi reconhecido por outras entidades como os European Film Awards ou a Hollywood Foreign Press Association (Globos de Ouro), mas também pelas revista Cahiers du Cinéma e Sight & Sound, que incluíram esta obra nas suas listas de Melhores Filmes de 2009. Estes prestigiantes galardões consagraram um grande filme, mas também um grande realizador com uma ilustre carreira cheia de êxitos como “Funny Games” (1997), “Caché” (2005) e “The Piano Teacher” (2001), todos eles filmes soberbos. A esta poderosa filmografia junta-se agora este magnífico “Amour”, uma calma e emotiva obra dramática que começou por vencer a Palma de Ouro no Festival de 2012, mas que desde então tem vindo a acumular prémios atrás de prémios que provam, uma vez mais, a inegável qualidade de Michael Haneke, um genial cineasta austríaco que não sabe fazer maus filmes. A história deste soberbo drama aborda a dinâmica romântica e familiar de Georges e Anne (Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva ), dois professores de música reformados que estão casados há muitos anos. A sua filha, igualmente música, vive no estrangeiro com a sua família, mas a distancia não a impede de visitar os seus pais sempre que pode e sempre que o seu excêntrico marido lhe permite. Um dia, Anne é vítima de um acidente vascular cerebral que distorce para sempre a dinâmica e a felicidade deste casal octogenário bastante coeso, que agora terá que recorrer a todo o amor que os une para tentar superar esta crise.
Este belo e fascinante "Amour" é porventura um dos trabalhos mais intimistas e emotivos de Michael Haneke, mas não há dúvidas que é um bom filme e que toca bem no fundo dos nossos corações. O seu título faz referência ao forte sentimento que une os dois intervenientes centrais, um casal de idosos de classe alta (Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que se vê a braços com um enorme desafio à sua estabilidade emocional, mental e romântica. Os dois são dedicados e devotos um ao outro, sendo precisamente por isto que um deles não abdica das promessas que fez ao outro nem da sua presença, mesmo num estado pouco normal que o afeta gravemente, quer psicologicamente quer fisicamente. É esta devoção misturada com um romance eterno e um debilitante estado de necessidade que mexe com as nossas mentes e sentimentos, porque nos faz pensar como seriam as coisas se fossemos nós a estar na situação deste casal. O que faríamos? O que sentiríamos? O intimista Michael Haneke leva-nos numa profunda viagem melodramática pelos meandros da emoção e da morte, sendo esta poderosa jornada pautada por uma forte carga romântica que não abusa dos clichés ou da nossa boa vontade, muito pelo contrário, é tão simples e percetível que por momentos nos esquecemos que “Amour” é um filme do mesmo realizador de obras tão complexas e subjetivas como “Funny Games” ou “The White Ribbon”. O enredo de “Amour” aborda no fundo duas temáticas muito interessantes, uma bastante controversa e outra mais idílica, que se ramificam em subtemas também eles muito interessantes. A temática mais controversa prende-se com a questão da eutanásia/ suicídio assistido que, como sabemos, é um tema bastante complexo e muito em voga devido a casos mediáticos como os de Terri Schiavo ou de Tony Nicklinson. O filme aborda timidamente esta questão ao longo do desenvolvimento, sendo só na sua parte final que este tema ganha relevância de uma forma dramática e emotiva que nos faz sentir alguma compreensão ou incompreensão, dependendo da opinião pessoal de cada um, pela atitude final de um dos protagonistas. A outra questão central é mais pacífica e prende-se com o ideal romântico que deve pautar um casamento, ou seja, aquela noção que uma estável relação amorosa deve-se manter forte e solidária mesmo na doença. Os dois protagonistas acatam na perfeição este ideal, porque partilham um profundo sentimento de amor que resiste até ao fim, cabendo ao espetador decidir se foi o amor ou o cansaço que esteve na base da decisão que um dos protagonistas toma durante a conclusão que, por sinal, é nos mostrada logo no início do filme, algo que permite ao espectador passar o resto do filme a tentar perceber como é que aquilo aconteceu. É caso para dizer que "Amour" é todo ele emocionalmente e intelectualmente cativante, mas convém salientar que não é um filme fácil e muito menos comercial, até porque obedece a um estilo muito estático e concentrado que não agradará aos mais impacientes. "Amour" é portanto uma soberba produção com certificado de qualidade que se destaca por tudo e mais alguma coisa, nomeadamente pelo brilhante trabalho do seu realizador e do seu elenco, onde Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva dão nas vistas devido à sua forte devoção laboral e artística aos seus respetivos papéis.
Classificação - 4,5 Estrelas em 5
3 Comentários
Concordo em absoluto com a crítica. Especialmente com a parte de, durante todo o filme, o realizador nos pôr a pensar no que faríamos nós no lugar dos protagonistas. Nota positiva também para a participação, ainda que curta, da Rita Blanco no filme. Foi bom saber que uma portuguesa esteve envolvida nesta obra-prima que é o "Amour".
ResponderEliminarCumprimentos,
Rúben Serrano
"É caso para dizer que "Amour" é todo ele emocionalmente e intelectualmente cativante, mas convém salientar que não é um filme fácil e muito menos comercial"
ResponderEliminarEsse trecho exprime em poucas palavras a sensação ao assistir o singelo filme Amour. Fui surpreendida pelo enredo que não caiu em clichês em nenhum momento. A vida, a velhice e seus obstáculos e os sentimentos de amor e lealdade são tratados com extrema delicadeza e pureza. Vale a pena assistir e "sonhar" com um par companheiro como Jean-Louis Trintignant.
ResponderEliminarEste filme vai dolorosa e perfeitamente de encontro ao que sempre receei, desde muito nova ou pelo menos desde que me lembro saber pensar, a degradação e a humilhação humana durante a sua última etapa de vida, sobretudo quando fulminada por doenças degenerativas.
O filme é magistral em todos os aspectos. Não tem uma falha. Desde o cenário, um pequeno apartamento no coração de Paris, decorado com poucos móveis de qualidade, porém repleto de livros e de obras de arte, espalhados quer nas paredes quer no chão, destoando apenas, naquele mundo vetusto, um leitor de CD, revelando-nos, assim e imediatamente, o intelecto e o bom gosto de cada personagem, unidas numa só, um casal octogenário que sofre, na sua opcional solidão, os horrores da ancianidade, à música de fundo, aos diálogos silenciosos, carregados de palavras e de emoções profundas, à interpretação magistral, enfim, a cada pequeno ou longo detalhe técnico e/ou interpretativo.
A técnica de toda a realização deste filme é tal, que o espectador consegue aperceber-se, à medida que o drama se desenrola, de que aquela luz advinda de um ambiente sereno e intelectualmente reconfortante, criado, ao longo de uma vida, por um casal que já viveu muitas alegrias e muitos ajustes de reveses, vai desvanecendo-se, sem, contudo, ter desaparecido qualquer objecto físico ou humano do cenário. É, na verdade, um assistir ao palco da vida, onde, no final, a cortina se fecha e os holofotes se apagam.
É um filme emocionante que toca, ou tocará, qualquer alma que já tenha vivido, ou ainda não, um momento igual ou semelhante. Um filme indubitavelmente inesquecível.
Como sempre, a crítica do João faz jus às minhas sempre expectativas. :)