O Portal Cinema teve o prazer de conversar com o realizador britânico Peter Webber durante a 9ª Edição do Fest – Festival de Cinema Jovem, que vai decorrer até 1 de Julho em Espinho. Para além de uma interessante e descontraída entrevista privada com o realizador, conseguimos também assistir à sua educativa e informativa masterclass, que levou à Sala Tempus, do Centro Multimeios em Espinho, muitos estudantes de cinema (portugueses e estrangeiros), que estão atualmente a dar os primeiros passos no competitivo mundo da sétima arte. Esta masterclasse durou cerca de duas horas e foi muitíssimo interessante. O cineasta falou sobre uma enorme variedade de temas, desde o início da sua carreira como editor, até à sua estreia com realizador em documentários e a sua transição para os filmes de maior orçamento, como o recente “Emperor”. Ele também respondeu a todas as perguntas do jovem público presente, que versaram sobre as mais variadas temáticas, como por exemplo, a relação entre o realizador e os outros intervenientes de um filme, como os atores, os produtores ou o editor. A simpatia deste cineasta ficou bem vincada durante os três dias que passou em Espinho, mas, para além de ser muito acessível, Peter Webber também conseguiu transmitir um pouco da sua experiência aos jovem que estão a participar no festival, mas também os conseguiu alertar para os grandes entraves e problemas desta indústria que, como o próprio referiu, está a passar por uma fase de grande mudança, que está a ser provocada pela introdução de novas tecnologias e pelo aprofundar da crise económica global. Ele também aproveitar para deixar alguns conselhos a todos os que estiveram presentes na masterclass. Ele aconselhou todos os jovens realizadores e produtores a aproveitarem as impressionantes histórias do dia-a-dia para enriquecerem os seus filmes mas, acima de tudo, encorajou todos os presentes a nunca desistirem das suas ambições e sonhos, mas alertou que nem todos podem ter as suas profissões de sonho e que, por vezes, nesta indústria, a sorte tem uma maior influência que o trabalho árduo. Este discurso pode parecer assustador, mas é realista e necessário, porque no mundo do cinema nada é fácil.
A masterclass de Peter Webber no Fest 2013 foi muito interessante, mas antes desta sessão tivemos a oportunidade de falar em privado com o realizador, que nos falou um pouco sobre o seu novo filme, “Imperador”/ “Emperor”, que estreou esta quinta-feira, 27 de Junho de 2013, em Portugal. O Portal Cinema também aproveitou para falar com o realizador sobre as suas influências e sobre os seus trabalhos anteriores, como o aclamado drama “The Girl With a Pearl Earing”. Por fim, falamos um pouco sobre o futuro do realizador e sobre os seus próximos projetos, que incluem um documentário que parece ser muito interessante e assustador. Eu aconselho a lerem a transcrição total da entrevista, mas quero aproveitar esta introdução para fazer um pequeno resumo pessoal desta agradável conversa, onde ficou patente que o Peter Webber é uma pessoa muito humilde e muito astuta, que adora o seu trabalho e que detesta estar parado sem fazer nada. Eu também fiquei com a ideia que ele é um realizador muito versátil, porque tanto gosta de fazer longas-metragens de ficção com grandes orçamentos, como gosta de realizar pequenos documentários ou produzir filmes diferentes. É, acima de tudo, um homem muito interessante, que respeita todos os seus colegas de profissão, especialmente os profissionais mais técnicos, como o Editor, o Operador de Câmara ou o Direto de Fotografia. É claro que, durante a masterclass, confessou que já teve, ao longo da sua longa carreira, alguns atritos profissionais com várias pessoas, especialmente com produtores e atores, mas nota-se que não é uma pessoa conflituosa. Eu, no fundo, adorei falar com o Peter sobre o seu trabalho e acho que ele ainda tem uns bons anos pela frente, quer como realizador, quer como produtor.
Portal Cienma (PC) – O que nos pode dizer sobre o filme “Imperador”, um épico histórico que conta com Tommy Lee Jones e Matthew Fox no elenco?
Peter Webber (PW) – O filme passa-se no Japão em 1945, no final da 2ª Guerra Mundial. Por esta altura, o Japão foi reduzido a escombros e os Estados Unidos da América assumem o controlo do país. O governo americano tem por isso que decidir o que é que vai fazer a seguir, em termos de reabilitação do país. A principal questão na cabeça dos líderes americanos é saber se devem condenar o Imperador Hirohito à morte, ou se o mantêm vivo e poupam-no a um julgamento humilhante. Eles têm que decidir isto o mais rapidamente possível, porque esta decisão marcará os seus procedimentos futuros. É portanto um filme sobre guerra, mas também sobre paz, justiça, vingança e temas semelhantes. Na realidade, o filme é, para mim, uma forma de analisar a política de relações externas dos Estados Unidos da América, porque ao olhar para o que aconteceu no passado, podemos também compreender o que aconteceu num passado recente no Afeganistão ou no Iraque, porque na base de todos esses conflitos esteve uma mudança de regime. Eu acho que os norte-americanos geriram muito bem o final da 2ª Guerra Mundial e a Ocupação do Japão. Eles acabaram por tomar boas opções que, infelizmente, não foram repetidas nos últimos anos, já que a América não soube gerir tão bem a situação no Iraque ou no Afeganistão. É uma situação contraste que, por acaso, cria uma boa comparação.
PC – Há também uma história romântica no filme. É inteiramente ficcional?
PW – Há sim, mas não é inteiramente ficcional, é semi-ficcional. Existem algumas cartas reais que dão a entender que existiu um romance similar na vida real entre o General Bonner Fellers e uma mulher japonesa. O romance que é retratado no filme é, portanto, baseado numa certa realidade.
PC – O filme aborda a relação entre Americanos e Japoneses no Pós-Segunda Guerra Mundial, e tem como protagonista o General Douglas MacArthur, que, na vida real, foi uma figura bastante polémica entre os americanos, porque os americanos queriam executar o Imperador e o General pensava doutra forma.
PW – É verdade. Uma vasta maioria dos americanos queriam a morte do Imperador e muitos fizeram questão de pedir isso ao Presidente Americano. É compreensível, porque os americanos estiveram sujeitos, durante a guerra, a muita propaganda militar que vilanizou os japoneses e o Imperador. A guerra foi muito difícil para ambos os lados, e os japoneses cometeram muitas atrocidades que não caíram nada bem aos americanos, portanto o público queria vingança. O que é interessante verificar no filme é que vemos como o MacArthur não toma de imediato a atitude mais popular e que lhe traria mais benefícios políticos. Ele prefere tomar uma decisão bem ponderada, que lhe permita recuperar e reabilitar o país.
PC – O Imperado na altura era visto como um Deus no Japão, e isso é dado a entender pelo filme, o MacArthur apercebeu-se disso e tentou por isso encontrar outras soluções, certo?
PW – Sim. Os japoneses viam o seu Imperador como uma figura divina e de respeito. É interessante pensar nas atitudes e decisões do MacArthur, porque a coisa mais fácil a fazer era matar o Imperador após julgá-lo num tribunal militar, tal como aconteceu na Europa às Altas Patentes Nazis, mas ele preferiu fazer as coisas de uma forma mais razoável. Os americanos julgaram, ainda assim, vários membros do exército japonês, mas não houve nenhum julgamento muito mediático. Eu acho que os americanos optaram por esta via porque estavam a pensar no futuro a longo prazo, e não no futuro a curto prazo. Se olharmos para o que aconteceu ao Japão desde então, vemos que eles tornaram-se numa potência económica e num grande aliado dos americanos. É por isso que digo que o MacArthur tomou as decisões mais acertadas.
PC – Como foi trabalhar com o Tommy Lee Jones e o Mathew Fox, os dois astros principais deste filme?
PW – Trabalhar com o Tommy Lee Jones foi assustador, porque o Tommy Lee Jones é uma personagem assustadora. Eu dei-me muito bem com ele, mas ele tem uma certa reputação de ser um durão, mas eu dei-me muito bem como ele e gostei bastante de trabalhar com ele. É claro que ele é uma pessoa diferente com uma personalidade bem vincada, mas, comparando com outros atores americanos, não é tão egocêntrico. Ele é muito inteligente, aliás ele estudou em Harvard e até partilhou um quarto com o Al Gore, portanto ele é uma personagem muito interessante. O Mathew também é uma boa pessoa. Eu trabalhei mais com o Mathew, porque ele entra em grande parte do filme. Ele portou-se muito bem, tendo em conta que tinha uma personagem muito difícil que anda sempre a levar porrada dos japoneses. A personagem puxou muito dele, mas ele portou-se muito bem.
Na masterclass, Peter Webber confessou ainda que o Tommy Lee Jones tem uma personalidade muito vincada e masculina, mas que isto até o ajudou a construir a personagem do General MacArthur.
PC – Este filme, apesar de abordar uma questão histórica americana, não foi muito bem recebido nos Estados Unidos da América, especialmente pelos críticos. Acha que a polémica do tema prejudicou o sucesso do filme?
PW – É verdade, o “Emperor” não foi bem recebido pela cítica, mas ainda assim teve críticas muito positivas de dois jornalistas que adoro e respeito, o Rex Reed e o Roger Ebert. Eu fiquei muito feliz com esses comentários positivos, mas ao lado desses comentários positivos também apareceram uns menos bons. Há pessoas que o acham demasiado sério ou lento, especialmente a nova geração e, em particular, os críticos da internet, que não têm tanta paciência.
PC – Acha que as críticas menos boas afetaram a distribuição do filme na América do Norte?
PW – Este é um filme sério. O que é que as pessoas querem ver atualmente na América? Eles querem ver filmes de super-heróis com muita ação. Se o protagonista não usa um fato de lycra, então eles não ficam com tanto interesse.
PC – É também um filme com uma vertente educativa. Eu até li uma crítica americana que dizia que era o filme ideal para um professor de história passar na sua aula.
PW - Sim. É um filme muito sério, e talvez por isso tenha falhado na América, onde os jovens já não querem saber assim tanto sobre a história do seu país. O filme também tem um ritmo muito lento. Eu sou um grande fã da cultura japonesa e dos filmes japoneses, por isso tentei incutir-lhe um ritmo mais lento e sério como o das produções nipónicas. Eu também filmei-o como um filme noir dos anos quarenta, por isso tem um certo ritmo e um certo look que não apelam às massas ou à maioria do público americano. Eu não tentei transformá-lo num filme popular. A mistura entre as escolhas técnicas e o seu tema forte acabou por torná-lo num filme pouco popular entre os mais jovens.
Na masterclass, Peter Webber revelou também que os produtores de “Emperor” queriam dar um pouco mais de luz ao filme, na tentativa de o tornar um pouco mais comercial. Esta intenção esbarrou com a do realizador que, em conjunto com o seu diretor de fotografia, conseguiu manter o espírito noir do filme.
PC – Ele tem também um espírito histórico muito semelhante a um dos seus filmes anteriores, “The Girl With a Pearl Earing”, mas é completamente diferente do “Hannibal Rising”.
PW – É verdade. O “Hannibal Rising” destoa um bocado desses dois filmes, mas o que é interessante constatar é que o filme, apesar de ter tido críticas más quando saiu, acabou por se tornar num filme de culto e encontrou uma audiência muito fiel.
PC – É verdade, até porque o “Hannibal Rising” é mais ficcional, ao passo que os seus outros trabalhos têm algum fundamento histórico.
PW – Sim. O “The Girl With a Pearl Earing” tem um fundamento real e foi muito bem recebido quando foi lançado, mas também o atacaram por ser demasiado lento. Eu gosto de filmes lentos. Eu adoro, por exemplo, os filmes do Yasujirô Ozu, que podem adormecer muita gente. As obras do Andrei Tarkovsky, um dos meus ídolos e um dos melhores realizadores da história, também têm um ritmo muito lento. Eu gosto de fazer filmes. Eu sinto-me privilegiado por fazer este trabalho, e se os filmes acabam por encontrar o seu público então fico feliz.
PC – Então não se vê a fazer um filme com um ritmo mais rápido.
PW – Pelo contrário. Eu não me importaria nada e até quero fazer um, mas os filmes que me são oferecidos e os que já fiz são filmes mais lentos. Eu tenho ainda alguns bons anos pela frente e gosto muito de variedade, por isso está tudo em aberto.
PC – Há realizadores que têm um estilo definido. Há uns que só gostam de fazer dramas, outros que só gostam de fazer blockbusets. O Peter não tem um género definido?
PW – Eu gosto de variar e de ter uma carreira versátil, por isso não tenho nenhum género pré-definido.
PC – Eu tenho que lhe perguntar isto. No “The Girl With a Pearl Hearing” trabalhou com um português, o Direto de Fotografia Eduardo Serra. Como foi essa experiência?
PW – Foi fantástica. O Eduardo é um génio. Foi uma pessoa fantástica de trabalhar.
PC – E projetos futuros? Está atualmente a trabalhar em alguma coisa nova?
PW – Estou atualmente a trabalhar num documentário sobre duas questões e problemáticas muito pertinentes: a sobrepopulação e as grandes alterações climatéricas.
PC – Vai ser portanto uma espécie de “Uma Verdade Inconveniente”, do Al Gore? Ou será ainda mais polémico?
PW – Vai ser ainda mais polémico. Estou a trabalhar com um brilhante académico britânico chamado Stephen Emmott, que fala e discute sobre estes temas muito importantes. Ele até vai lançar em breve um livro sobre estes temas assustadores. Ele lança um olhar muito sombrio sobre os problemas e as questões que nos aguardam no futuro. O que as novas gerações vão enfrentar será assustador. Será interessante falar sobre isto no documentário.
PC – É interessante regressar aos documentários, já que as suas primeiras experiências como realizador foram em documentários.
PW – É um género que gosto muito, mas acredito que poucas pessoas tenham visto alguns dos meus documentários. Eu trabalhei num quando estive no Qatar, onde peguei em três beduínos e levei-os até à Columbia, onde vivemos durante um mês no meio da selva com os índios locais. Eu consegui retratar essa experiência em filme. Foi muito interessante. Eu aborreço-me facilmente, por isso gosto de variar e de fazer coisas mais extravagantes e fora dos padrões normais.
PC – E tem mais algum projeto?
PW - Eu também estou a produzir o filme de estreia de uma jovem realizadora chamada Sophia Almeria, que se passa no Egito. É um épico histórico, mas também um thriller de vingança.
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