Com Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer
Não é fácil apresentar um debate filosófico no cinema sem
esquecer que se trata de um filme e não de uma aula de filosofia, ou sem, numa
atitude inversa, aligeirar questões extraordinariamente sensíveis e
pertinentes. Margarethe Von Trotta consegue um debater ideias pertinentes nesta
obra sem cair em nenhum dos extremos. Não vi em "Hannah Arendt" um biopic, não se trata de reconstituir o que foi a vida da grande
pensadora do século XX, antes a realizadora procurou conduzir o espectador até
dentro do seu pensamento, do modo como ele se articula e a que conclusões
chega, inserindo-o no contexto histórico em que foi produzido.
Convidada pelo The New
Yorker a escrever sobre o polémico e
controverso julgamento do Tenente Coronel das SS, Adolf Eichmann, em 1961, em
Israel, Hannah Arendt não consegue aderir ao espírito reinante entre a
comunidade judaica sobrevivente ao Holocausto, até porque não havia, acreditava,
enquadramento legal para o julgamento deste tipo de crimes. Mal entendida pelos judeus do seu
tempo, cujas feridas bem abertas não podiam deixar de ver em Eichmann senão um monstro,
a filósofa compreendeu que de tal não se tratava, o que não representava
nenhuma desculpabilização do SS, embora a sua culpa, segundo ela, não fosse ser
nazi ou anti semita mas sim recusar-se a ser humano, recusar-se a pensar, a decidir
por si só se as ordens que recebia eram moralmente certas ou erradas, acomodado
que estava na fácil posição de obediente executante. Este lugar banal do Mal no
mundo, tão perceptível para nós nos dias que correm, depois de Hannah Arendt o
ter enunciado, o mal que se esconde por detrás das cortinas das janelas da
nossa rua, que nos acompanha na nossa vida, e do qual todos já fomos vítimas é
muitas vezes superior a um monstro maligno que
surge num milhão, é um Mal vivo dentro de pessoas comuns. Foi isto que
os judeus que a ela se opuseram, entre velhos amigos e inimigos, não estavam em condições emocionais de
compreender com a racionalidade com que Hannah Arendt a formulou.
A serenidade da câmara que acompanha Arendt nas suas
reflexões não ousa filmar Eichmann que surge em bem intercaladas imagens reais,
que falam por si mesmas na mediocridade do burocrata que aí vemos. Os flashbacks
até aos momentos em que Hannah e Heidegger se encontram, quer na juventude
desta, quer ainda mais tarde na vida, servem apenas para levar o espectador a acompanhar
a evolução do seu pensamento até aquele estado de maturidade que lhe permite
aceitar tranquilamente não ser compreendida.
Notável interpretação de Barbara Sukowa perfeitamente
coerente com o fervilhar tranquilo de ideias que rodeava Hannah e ao qual ela
tão bem sabe prestar gratidão. Sem ser um filme inesquecível, "Hannah Arendt" consegue com muita maturidade atingir o objectivo a que se propõe e não era um
objectivo menor.
Classificação - 4 Estrelas em 5
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