Realizado por Nuri Bilge Ceylan
Com Haluk Bilginer, Melisa Sozen, Demet Akbag
Do quase desconhecido
Cinema Turco chega o vencedor do Festival de Cannes 2014, Sono de Inverno. Servido por uma fotografia de excelência, com
exteriores de uma notável luminosidade, trata-se de um filme lento,
contemplativo e pensado, mas ao mesmo tempo brutal na forma como retrata os
comportamentos humanos face às mais adversas condições atmosféricas e sociais.
Aydin, um antigo actor
na casa dos 50, conservou um hotel de família perdido nos confins das montanhas
da Anatólia, onde vive com a muito mais nova mulher Nihal, a irmã Necla e uma
criada/ cozinheira. Omnipotente naquela casa que é o seu mundo, Aydin é também senhorio de vários camponeses
em aldeias próximas. Todos aceitam implicitamente a sua autoridade, sem
questões, como que adormecidos à volta de um rei inatingível. Mas um dia um
inquilino falha no pagamento da renda, um cobrador é enviado para a recuperar,
e todo o mundo de Aydin vai acabar por ser posto em causa. Valores como piedade,
honra e respeito pelo próximo vão ser de novo introduzidos na vida daquele
homem, que há muito parece tê-los esquecido. E o seu reino vai abalar!
Realce para a longa
conversa do herói com a irmã (extraordinários actores) que remete para o cinema
de Dreyer ou Ingmar Bergman. A imagem é sempre de uma Anatólia nevada, cheia de
brancos reluzentes que recordam o Cinema de Andrei Tarkovski ou mesmo o Dersu Uzala, de Kurosawa. Mas tudo se
mistura, afinal, num exercício moderno sobre a solidão, onde um homem que
pensava ter tudo e não poder perder nada, acaba por ser vítima precisamente do
contrário. A sua jovem mulher ameaça partir, a irmã arranja coragem para lhe
“atirar à cara” tudo o que guardou durante anos, os amigos apenas se aproximam
dele por medo e, sobretudo, o mais implacável de todos os inimigos (a velhice)
está a aproximar-se a passos largos da vida do nosso herói.
Temos, enquanto
espectadores, que nos deixar embrenhar no ritmo lento da narrativa: não é
teatro filmado (alguns fantásticos movimentos de câmara demonstram-no), mas
chegam a passar alguns minutos entre duas frases; há narrativa, mas ela flui ao
ritmo de quem (já) vive sem qualquer pressa naquelas paragens; mas há,
sobretudo, mestria técnica e originalidade, longe dos modelos mais que batidos
que Hollywood só repete e repete! Cinema diferente, embalante, que nos propõe
uma viagem. Ao interior da Turquia e dos seus personagens! E ao interior de nós
próprios! Eu aceitei o desafio!
Classificação - 4 Estrelas em 5
Autor: António Pascoalinho
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