Crítica - Germinal (1993

Realizado por Claude Berri
Com iou-Miou, Gérard Depardieu, Renaud, Jean Carment, Judith Henry

“O rico comete uma injustiça e ainda se mostra altivo; o pobre é injustiçado e ainda precisa de se desculpar.” – Eclesiástico 13,3

O que acontece quando somos justos num mundo feito de injustiças? Aprendemos sempre em histórias de crianças que o que ganha é sempre o que é justo, bom, corajoso. Mas as coisas nem sempre funcionam assim. E às vezes, em algumas situações, quem é o injustiçado não é tão claro assim e ficamos divididos em duas versões de uma mesma história. Será que a igualdade vence sempre? Quer as coisas corram bem ou mal, o mundo dá sempre as suas voltas e em algum lugar chegamos, mesmo que se volte ao ponto de partida.
Este grandioso filme de Claude Berri conta-nos a evolução dos movimentos grevistas de um grupo de mineiros do norte de França do século XIX, que decidiram lutar contra a pobreza da sua situação e conquistar aquilo que era, por justiça, deles. O lema é simples: trabalham se lhes derem um salário melhor para, pelo menos, puderem comer pão todos os dias. Aqui vê-se a verdadeira máquina capitalista, onde uma mão cheia de ricos surgem, mas muitas mãos igualmente cheias nascem de pessoas que vivem na profunda pobreza e miséria.
Claude Berri encontra excelentemente o desespero e a revolta dos dois personagens principais do filme, Étienne Lantier (Renaud) e Toussaint Maheu (Gérard Depardieu), dois companheiros que acabaram de se conhecer e que vêem um no outro uma oportunidade para meterem os seus planos a arrancarem por partilharem as mesmas ideias. Mas nem toda a gente é como eles. Há uns que têm uma atitude mais passiva do que poderá ser a greve, outros, por contrário, têm uma posição extremamente radical e anarquista, onde a destruição e o sangue são a única solução para uma sociedade renascida na justiça, liberdade e igualdade. O realizador faz um trabalho admirável a transmitir-nos as várias mensagens políticas aqui escondidas, os diferentes pontos de vista e põe-nos a debater uns com os outros (ou se vir o filme sozinho, debater-se consigo mesmo) qual a melhor posição a tomar. Meramente aceitar o que o futuro lhes reserva, lutar por melhores condições, ou deitar tudo a ruínas? Qual aquela que trará a verdadeira mudança? É uma luta contra o tempo, a comida está a esgotar-se, o frio a instalar-se, o trabalho cada vez mais duro. Esta luta de ideologias mantém-se acesa durante o filme todo e, apesar de acompanharmos fielmente a caminhada deste povo lutador, perguntamo-nos se realmente aquilo tudo vale a pena.
Durante duas horas e meia de filme, conseguimos ver o duro dia-a-dia dos mineiros, as condições péssimas e perigosas em que trabalhavam, a pobre alimentação e habitação, as dívidas, os divertimentos, os bailes…Ao longo desta obra, raros são os momentos de alegria, e aqueles que se mostram parece que foram a correr por serem tão bons e inocentes. O filme mergulha numa depressão e ruína profunda, onde tudo corre para o torto e nada avança. Mas não é só a vida dos mineiros que está má, a dos seus superiores, por detrás de todo o luxo e comida boa, escondem-se muitos casamentos por conveniência, traição e um pouco de desespero ao lentamente verem que já não conseguem ter total controlo sobre os seus trabalhadores. O que será deles quando a greve começar? Como irão arranjar o seu lucro? Claro que o realizador sempre faz com que haja pelo menos um pingo de pena sobre estes personagens ricos e pomposos mas rapidamente nos faz esquecer-los quando vemos a situação dos pobres mineiros.
Algo que se faz acentuar ao longo da narrativa é o sentimento de paternalismo que se instala sempre que estes grupos sociais se encontram. Os trabalhadores não querem mais nada senão viver em paz, tranquilidade e alguma prosperidade, e os burgueses sentem uma certa pena pela condição deles. Dão-lhes roupa, dão-lhes alimento…mas quando o assunto vira-se para o dinheiro, ficam com o pé atrás. A impressão que dá é que querem ajudar mas não financeiramente de modo a esse grupo não ganhar poder. Não desejam que estes subam socialmente porque na mente deles, são todos uns preguiçosos. “É só um pouco de poupança” dizem os abastados. Mas como poupar se o dinheiro para bens básicos vai até ao último cêntimo e nem assim chega para ficar de barriga cheia?
Esta mentalidade capitalista e bastante egocêntrica é retratada na perfeição neste filme, sem ter necessidade de nos dar uma chapada na cara ao ser tão óbvio. São pequenos detalhes, olhares, pausas ao falar, que demonstram este sentido de superioridade em relação aos outros. Porque se os outros não têm dinheiro é porque não possuem talento, mérito, dedicação, esforço. Se trabalhassem mais, ganhariam mais.
Apesar de as performances de todos estarem impecáveis, ninguém se destaca particularmente. Funcionam todos bem como um todo, um grupo, uma máquina que movimenta o filme. Os gritos de guerra, o choro, a revolução, tudo isso são movimentados pelo imenso grupo e não só por um ator em específico, o que encaixa perfeitamente nesta narrativa. Aqui destaca-se a história, a mensagem por trás. Não é um tipo de arte estética mas sim útil de modo a transmitir ao espectador algo que o deixe refletir.
Normalmente, filmes deste tipo onde ultrapassa a marca das duas horas de duração costumam ser pesados e um pouco cansativos, mas neste caso aproveitam-se todos os minutos para se acrescentar algo. Um pouco mais compaixão por parte do espectador, um bocadinho mais de empatia, um melhor aprofundamento aqui e ali. Para quem gosta de história do século XIX, este filme faz realmente “justiça”.

Artigo Elaborado por Bellatrix Alves

Enviar um comentário

0 Comentários

//]]>