Realizado por Gavin O'Connor, "The Way Back" ou "O Caminho de Volta" foi um dos últimos grandes filmes a ser lançado nos cinemas mundiais antes do primeiro confinamento e da grave crise que afetou estes espaços. Protagonizado Ben Affleck, "O Caminho de Volta" conta a história de Jack Cunningham que, no seu auge, foi um fenómeno no basquetebol durante os tempos de liceu. Anos depois, traumatizado por uma perda irreparável, mergulha numa espiral de decadência e alcoolismo que o conduz ao fim do seu casamento. Quando é convidado para treinar a equipa que o glorificou, e que atravessa uma grave crise de resultados, Jack aceita com relutância, surpreendendo-se a ele próprio.
Recentemente, a Warner Bros. US convidou o Portal Cinema para rever este drama acima da média e para uma Q&A muito especial com Ben Affleck que, para além de protagonizar o filme também esteve fortemente envolvido no seu desenvolvimento. Este Domingo, portanto, passei um agradável serão à frente do computador para assistir a um grande filme e a uma grande e-entrevista com um dos grandes astros do cinema atual.
Embora tenha recebido feedback positivo por parte da imprensa norte-americana e internacional aquando da sua estreia, "O Caminho de Volta" não está, ainda, no radar da imprensa para a época de prémios que irá começar mais tarde, como já se sabe. Mas deveria? Verdade seja dita estamos perante um filme acima da média que dá um novo twist aqueles clássicos filmes que exploram a gloriosa jornada desportiva de uma equipa ou de um indivíduo. Tal como o próprio Affleck fez questão de reforçar na Q&A, "O Caminho de Volta" vai mais a fundo nos aspetos dramáticos do seu protagonista do que na viagem desportiva, não se focado portanto tanto no lado alegre e jovial que representa o percurso de superação da equipa que ele treina. Tanto é que a sua reta final passa completamente ao lado do previsível cliché e foge completamente à regra de Hollywood em apostar num final que exiba a consagração da equipa ou da pessoa em causa. Vai aliás mais longe ao retirar o próprio protagonista e grande herói da reta final desse percurso. E ainda bem que o fez porque, como Affleck assinalou, esta é uma posição diferenciada que assim levou a um final refrescante. Não se sabe ao certo se a equipa que Jack ajudou a unir e treinar ganha o título ou sequer se chega ao jogo final contra todas as expectativas. E este é, sem dúvida, um final que se relaciona mais com a realidade e que evidencia as prioridades do filme. Este nunca foi um típico produto de Hollywood sobre desporto. Foi sempre pensado como uma jornada de autodescoberta do protagonista Jack e da sua equipa. E eles conseguem esse momento de iluminação ao seu respetivo ritmo e dimensão.
Ao falar sobre a sua personagem, Affleck admitiu que tem pouco em comum com Jack. Nunca foi um talentoso desportista, nunca perdeu (felizmente) um filho e não tem jeito nenhum para treinar ou para motivar os mais jovens. O que tem em comum com Jack é sim o seu passado com álcool e foi importante Affleck refletir e abordar este tópico sensível. É raro vermos um grande astro de Hollywood a admitir polémicas e problemas do seu passado, mas Affeck fê-lo numa Q&A como esta e tal atitude demonstrou que este passado em comum ajudou Affleck a construir um Jack mais forte e com uma maior dimensão Humana, algo que claramente é evidenciado ao longo do filme.
A certa altura, Affleck diz (e bem) que muitas vezes as pessoas (que nunca representaram) menosprezam o trabalho de um ator, sendo que é habitual ouvir comentários que realizar, produzir ou escrever um filme é que verdadeiramente representa um real desafio, já que há muitas barreiras a superar. Affleck já realizou, produziu e escreveu filmes no passado, alguns dos quais bem conhecidos e, por isso, revela-se a pessoa indicada para dismistificar esta ideia e fê-lo sem problema. Para Affleck um ator tem, acima de tudo, que ter talento e conseguir mostrar do que é capaz. É difícil ser-se ator e, por isso, só os verdadeiramente talentosos é que chegam aos patamares superiores. E, curiosamente, Affleck até nem se coloca nesse patamar superior, mas usa a complexa personagem de Jack para exemplificar que, realmente, é preciso muita dedicação, sofrimento e visão para interpretar uma personagem tão complexa do ponto de vista emocional como é Jack. E pese embora alguns paralelismos com a sua vida pessoal no que toca à luta contra o alcoolismo, esta personagem obrigou-o a mergulhar num outro nível de profundidade emocional, já que teve que reencontrar velhos demónios e entrar em contacto com emoções mais sombrias. Teve também que entrar em contracto direto com pais que tiveram que superar a morte dos seus filhos com cancro para perceber o impacto que uma perda como esta pode ter na vida de alguém e, após agradecer a quem o ajudou nesta complexa tarefa, Aflleck admitiu que esta possa ter sido a parte mais complicada do papel. Para surpresa, Affleck admitiu que este papel também o obrigou a estudar basquetebol porque não é grande fã deste desporto e não está de todo ligado à parte técnica do mesmo, pelo que interpretar um treinador com passado na área também teve a sua quota parte de dificuldade.
Embora "O Caminho de Volta" não esteja ainda a ser encarado como grande candidato a prémios como Melhor Filme ou Realizador, acredito que Affleck estará na corrida aos prémios de Melhor Ator pelo seu grande papel. E este é, sem dúvida, um dos seus melhores dos últimos anos. E pelo que Affleck explorou e eu relatei aqui é fácil de perceber as razões por detrás do sucesso...É claro que Affleck aproveitou para falar também dos seus companheiros de elenco. Este conta com participações de alguns atores já conhecidos do grande público e com carreira já construída, como é o caso de Al Madrigal. Mas há uma parte substâncial do elenco que é composta por jovens atores que tiveram aqui a sua primeira grande oportunidade. E Affleck não lhes poupou elogios que se revelam merecidos. Estes jovens atores são, a par de Affleck, a espinha dorsal desta obra e ajudam a elevá-la a uma nível dramático bastante interessante.
Quem também deve ser creditado pelo sucesso do filme é, na nossa opinião e também na de Affleck, o realizador Gavin O'Connor, com quem o ator já tinha trabalhado no menos conseguido "The Acountant" e com quem o astro voltará a trabalhar na sequela. Quando Affleck pegou neste projeto este ainda não tinha um realizador associado e, claro, falou com O'Connor para assumir a direção. E claro também que "The Acountant" veio à baila quando este assunto foi explorado, já que sem nunca ir contra o espírito dessa colaboração passada nem com a previsível colaboração futura, Affleck revelou que já está um pouco cansado de filmes de ação e com tiroteios, preferindo agora focar-se em obras com mais alma e um maior legado emocional como este. Não é para mais, já que gravou vários filmes recentemente dentro deste género. Mas não faltaram elogios para O'Connor e, a determinada altura, a sua posição e evidente papel no filme foram ressalvadas. Com a afirmação "Por muito que um filme tenha grandes atores ou grandes produtores um filme é comandado, no final do dia, pelo realizador e é ele que manda e que decide o que importa", Affleck mostra bem a importância que O'Connor teve nesta obra e que as hierarquias tiveram sempre bem definidas, algo que só promoveu respeito e que ajudou a criar um filme que, acima de tudo, se define como positivista.
Embora com poucos fundos à disposição (como admitiu), "O Caminho de Volta" fez e fará o seu percurso e está a gerar boas opiniões, algo claro que agrada a um dos grandes impulsionadores deste projeto que, curiosamente quando questionado sobre esta matéria, ressalvou o timing do seu lançamento nos cinemas. Seria de esperar que um projeto destes fosse lançado em Novembro e Dezembro, mas ao ser lançado em Fevereiro/Março acabou por atrair mais atenção. E, devido à infelicidade marcada pela crise pandémica, "O Caminho de Volta" acabou mesmo por ser um dos últimos grandes filmes a ser lançado nos cinemas antes dos confinamentos e das crises. E embora já esteja disponível em streaming ficou subentendido que Affleck preferiu que este tivesse tido a sua oportunidade nos cinemas e que tivesse conseguido tocar tantos espectadores
Não foi só sobre "O Caminho de Volta" que a Q&A incidiu, já que desvendou um pouco sobre o árduo processo de filmagens de um dos seus próximos films. Trata-se de "The Last Duel", um drama histórico e bélico realizado por Ridley Scott. Pese embora os desafios que a rodagem e o próprio papel lhe impuseram, Affleck já deu a entender que podemos esperar grandes coisas desta obra que também conta com Matt Damon, Adam Driver e Jodie Comer no seu elenco. Mas talvez o maior chamariz seja o facto de o seu argumento ter sido escrito pela dupla Ben Affleck/Matt Damon que já nos encantou no passado, como por exemplo com "Good Will Hunting". Para já poderemos esperar ver este filme em 2021, isto se o Covid não o atrasar.
E claro que o Covid foi também ator na conversa, quer por causa dos cinemas como já abordei, quer pelo futuro incerto que poderá trazer. E aqui Affleck coloca-se na pele de qualquer outro ator, realizador ou escritor. Entre saudosistas histórias do passado e uma menção nostálgica por parte da Variety do filme "Chasing Amy", pelo qual é sempre gozado pelos seus filhos, Affleck revela que, mesmo sendo uma figura conhecida com uma ilustra carreira teme que o telefone pare de tocar. Seja em alusão às consequências da pandemia ou a presença de novas gerações na indústria, certo é que a ideia de um fim não provocado é um medo generalizado de todos, mas tal como Affleck há que olhar com perspetiva positiva para o futuro porque boas coisas virão, assim como novas oportunidades de aprendizagem. E no fundo é essa a grande mensagem que "O Caminho de Volta" também nos transmite.
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