Créditos DR/ José Carlos de Oliveira |
José Carlos de Oliveira é um dos grandes nomes do cinema português. Famoso cinematografo, romancista, produtor, guionista, realizador e editor, José Carlos de Oliveira tem uma vasta filmografia e uma carreira repleta de sucessos e de contributos positivos para as áreas do cinema e televisão em Portugal. O seu mais recente contributo assume a forma do projeto TREZES! Uma ambiciosa colectânea de telefilmes inspirados em contos de famosos autores nacionais, cuja exibição já arrancou na RTP1 com grande sucesso cultural.
Para além de estar à frente deste mega projeto de elevado interesse público, José Carlos de Oliveira assumiu também a realização de um desses telefilmes intitulado "O Sítio da Mulher Morta" e que tem como base o conto homónimo de Manuel Teixeira Gomes. Falamos com José Carlos de Oliveira sobre este mega projeto e sobre o filme que realizou e, antes deste ser exibido na RTP1, convido todos a lerem esta entrevista para compreenderem um pouco melhor os objetivos e mensagens que este telefilme (e os restantes da colectânea) pretende transmitir.
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Portal Cinema – Antes de explorarmos o seu mais recente projeto gostaria que nos falasse um pouco sobre a sua vasta e aclamada carreira. O que o apaixonou e ainda apaixona pelo cinema/televisão? E que pontos de destaque mais releva na sua carreira.
José Carlos de Oliveira – Quando ainda cursava fotografia disparei uma sequência de fotos sobre uma acção passional. Ampliadas as fotos e coladas na parede do meu quarto apercebi-me de que a sequência tornar-se-ia muito mais dramática e representativa do nível emotivo dos parceiros se excluísse algumas das fotos e trocasse a ordem de outras. No final obtive uma sequência eminentemente cinematográfica e enveredei pelo percurso que me trouxe até aqui. E, salvo algumas excepções propositadas, têm sido os momentos em que sinto os espectadores repudiarem ou identificarem-se com as provocações que levo ao ecrã que me levam a viver cada um dos filmes em que me envolvo como a coisa mais importante do mundo. A minha família tem a gentileza de compreender e respeitar este meu fundamentalismo, permitindo-me o luxo - não menos - de me entregar intensamente a esta fabricação mágica.
Portal Cinema – O seu novo projeto como realizador, “O Sítio da Mulher Morta”, insere-se no projeto TREZES e estreará em breve na RTP1. Para além de realizar “O Sítio da Mulher Morta” tem também uma profunda relação com este projeto, já que participou na produção do mesmo e dos seus filmes. Por isso antes de falarmos um pouco sobre o filme/telefilme que realizou gostaria que nos explicasse como é que este projeto nasceu e que também nos descrevesse, nas suas palavras, quais são as suas ambições.
José Carlos de Oliveira - A sociedade contemporânea parece por vezes ter uma necessidade suicidária de apagar a história e o conhecimento adquirido, como se padecesse do receio de se aperceber da dimensão do que não sabemos e, no extremo, do pânico de entrevermos a realidade de que nunca saberemos o suficiente. E com isso repetem-se erros desnecessários ou, até, regride-se quando poderíamos avançar todos os dias.
O TREZES nasceu dessa observação, como uma forma de trazer para os dias de hoje o olhar analítico de 13 grandes autores portugueses dos últimos 200 anos, de Alexandre Herculano a Rui Zink, a que se junta agora a visão de 13 realizadores.
E reconhecendo eu ser isto uma enorme ambição, junto-lhe, no entanto, outra não menor, que é conseguir estar à altura do desafio e confiança da RTP e do Director de Programas José Fragoso, que desde a primeira hora têm estado com a Marginalfilmes no desenvolvimento e exibição deste TREZES.
Portal Cinema – Tal como os restantes filmes do projeto TREZES, o filme que realiza tem como base uma grande obra da literatura nacional da autoria de um grande vulto literário que, neste caso, é Manuel Teixeira Gomes. Talvez entre todos os autores homenageados pelo TREZES, Manuel Teixeira Gomes é um dos mais “desconhecidos” entre as gerações mais novas apesar do seu impressionante legado. Pergunto-lhe, como o realizador que adaptou a sua obra, como descreve a sua escrita e a sua influência na literatura nacional? O que distingue esta das outras histórias escritas por Manuel Teixeira Gomes e o que o levou a escolher esta obra para inserir no projeto TREZES?
José Carlos de Oliveira – Por muito que nos custe reconhecê-lo, grande parte das decisões que tomamos são menos decorrentes da racionalidade do que das circunstâncias que, em determinada altura, nos condicionam e, até, empurram. E embora a selecção global dos contos do TREZES decorra de um trabalho conjunto, muito racional, da Direcção de Programas da RTP e da Marginalfilmes, assim como a selecção dos realizadores para cada um dos contos conforme a linha conceptual das suas obras, a escolha do meu O SÍTIO DA MULHER MORTA já tem mais a ver com a atracção, muito emotiva e menos racional, que há muito a escrita de Manuel Teixeira-Gomes exerce sobre a minha imaginação, neste caso no que se refere às Novelas Eróticas; pelo desassombro, e assunção de que o elemento passional, e a sua efabulação perante a rotina, tudo – ou quase tudo – determinam; de tal forma que tudo se torna um ciclo de que não conseguimos, e muitas vezes não queremos, sair. E por último e não menos importante, porque entendo que as artes devem ser provocatórias, diria que este era o conto que eu tinha de filmar.
Portal Cinema – Quais foram os grandes desafios que enfrentou para dar vida a esta adaptação? E considera que esta obra, devido às peculiaridades da obra original, acabou por acarretar um maior desafio que outros filmes do projeto TREZES?
José Carlos de Oliveira – Sem falsa modéstia, todos os filmes do TREZES trazem grandes responsabilidades às equipas e aos realizadores: porque são uma evidente opção de Programação, de mérito e invulgar, da RTP; porque são adaptações de grandes escritores; porque têm de ser vistos com o olhar de hoje sobre a época em que, eles próprios, olharam a sociedade de então; porque têm de ser construídos com o objectivo de que personagens e situações estejam organizadas num edifício sólido que seduza e emocione o muito alargado e diverso público da RTP1; diria mesmo, os públicos, sem excepção.
No caso do meu O SÍTIO DA MULHER MORTA, tudo teria de se centrar numa primeira leitura pelos espectadores, quase óbvia, do poder absoluto de um homem, que o exercendo sobre os outros não logra no entanto exercê-lo sobre si próprio; do Proprietário por ela é a coisa mais óbvia e tentadora da vida. O desafio foi tecer tudo isto num edifício sólido, e puxar os espectadores a senti-lo, mais do que pensá-lo, transpondo-os para os comportamentos das duas personagens principais, cercadas por todas as outras que servem o desenho das circunstâncias e consequências das acções. Sem desfocar o protagonista.
Portal Cinema – Controversa na época em que foi lançada, a história retratada em “O Sítio da Mulher Morta” explora temas como o desejo e a traição. O brilhante filme que nos apresenta mantém bem vivas essas características e, apesar de tais temas já estarem banalizados na nossa sociedade, certo é que continuam a suscitar curiosidade. Como encara e descreve a narrativa de “O Sítio da Mulher Morta” e considera que a sua visão faz justiça aos elementos que Manuel Teixeira Gomes pretendeu incitar na altura?
José Carlos de Oliveira – Quero crer que honrei o espírito do conto do grande, e espantosamente muito ignorado, Manuel Teixeira-Gomes, e que a brutalidade que lhe imprimi no filme resulta deste nosso olhar contemporâneo sobre hábitos e costumes da época do conto. O que procurei fazer, como de resto no enquadramento para os preciosos e muito talentosos argumentistas de todos os outros, foi respeitar sempre o espírito dos autores, recortando os elementos dramáticos que sustentam o edifício dramático dirigido às leituras diversas de todos os públicos, sem excepção- cá está mais uma um objectivo que, a par de outros, é uma ambição, algo desmedida, que só os públicos diversos nos dirão se foi concretizada.
Portal Cinema – O filme mantém os maneirismos da época e retrata com muito cuidados detalhes cénicos da época. O que envolveu esta preparação criteriosa dos cenários, diálogos e da recriação da época? Sempre foi sua intenção manter a história na época em que a mesma foi idealizada pelo autor ou, em algum momento, pensou em transpor a história para os tempos modernos?
José Carlos de Oliveira – Provocadora, esta questão. Ponderei ainda no início transpor os contos para a actualidade; e depois logo me apercebi que isto seria o mais fácil e que o mais provável seria adulterar, por essa via, o espírito dos contos. E entendi que a inovação seria, provavelmente, mais conseguida se após uma pesquisa responsável, obrigatoriamente rigorosa, transpuséssemos, além da Arte, Figurinos, Direcção de Fotografia, comportamentos e, não menos importante, ritmos sob o olhar do que sabemos historicamente hoje, num quadro político e social de que, infelizmente, estamos longe ainda de nos afastarmos. Por exemplo, quando a minha personagem Júlia/Marta se decide oferecer-se ao proprietário como é que o faz? E como encenar o arranque e a evolução da cena? Naquela altura, segundo o que sabemos hoje, arrancaria o primeiro fotograma e se seguiriam os outros? E o Proprietário, quando ali recebe a oferta da Júlia/Marta, como se comporta depois e durante? Entrega-se-lhe também, tendo a sua mulher, de quem inequivocamente gosta e que lhe trará o varão que há muito aguarda, ou?... Enfim, é uma enorme teia de que se fazem os filmes...
Portal Cinema – Um elemento importante é também o elenco que, afinal de contas, é o grande responsável por “vender” a trama. Como descreve a performance dos atores com quem trabalhou?
José Carlos de Oliveira – Caramba. Raramente um realizador tem a oportunidade de trabalhar com tantos – todos – actores tão sérios e tão empenhados num filme seu. Pude ver que para eles não foi fácil, porque as personagens e as situações a que são sujeitas são muito complexas, de grande pormenor e com textos cuja densidade não tem de transparecer para o espectador, antes tem de se fazer sentir na pele. E correndo o risco de os ofender tenho de confessar que me surpreenderam, trazendo o filme para um plano em que a representação foi transposta para a dimensão carnal de pessoas com quem nos identificamos ou que repudiamos. E tudo isto se faz com uma equipa de grandes profissionais.
Portal Cinema - Por fim gostaria de lhe perguntar com que mensagens e/ou ideias espera que o fique após ver este projeto, mas também gostaria de lhe fazer a mesma pergunta em relação à coletânea TREZES.
José Carlos de Oliveira – Julgo que produtores e realizadores esperam que cada um dos seus filmes fique para a História. Não é isso que vulgarmente acontece, sejamos lúcidos. E nos dias que correm, tudo parece efémero, como a chama de um fósforo. Mas há que reter, sem deslumbramentos, o que importa e nos mantém, aos cineastas, com a convicção de que, apesar da voracidade deste nosso tempo, é indispensável surpreender e seduzir os públicos, de forma a que retenham o que queremos dizer e fazer sentir em cada um dos nossos filmes. E para isso há, também, que destacar o que nos permite fazê-lo ou seja, novamente sem falsa modéstia: poderemos considerar que há grande capacidade de produção e direcção dos produtores da Marginalfilmes, o Ricardo Oliveira e eu na execução deste projecto mas, de facto, o grande mérito é da RTP e do Director de Programas José Fragoso que decidiram seleccionar o projecto e que, desde a primeira hora e ao longo da concepção e produção, todos na Estação têm apoiado com solidariedade, profissionalismo e objectividade, sendo também pertinente e justo ser destacado, sem equívocos, o papel exemplar da Direcção do ICA. Isto deve ser dito e destacado por quem, como nós, na Marginalfilmes, já assistiu a muito, ao longo de décadas.
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