Crítica - Whiplash (2014)

Realizado por Damien Chazelle 
Com Miles Teller, J.K. Simmons, Melissa Benoist

O vencedor do Grande Prémio do Júri da Competição Americana do Festival de Sundance é, por tradição, um dos primeiros filmes do ano a entrar para o topo das prioridades da lista de visualizações de cada cinéfilo que se preze, porque já se sabe à partida que será um bom filme e que, possivelmente, terá até fortes hipóteses de chegar à fase final da época de prémios nos Estados Unidos da América. É certo que nem sempre isso acontece, por exemplo, "Fruitvalle Station", o vencedor do Grande Prémio do Júri em 2013, chegou a prometer mundos e fundos mas acabou por ficar um pouco áquem das elevadas expectativas que foram criadas ao seu redor e nem sequer chegou aos Óscares, no entanto, apesar da sua reação amena, ninguém pode dizer que este drama de Ryan Coogler está sequer perto da mediocridade, muito pelo contrário, aliás é preciso recuar muito no tempo para encontrar um vencedor de Sundance que fique abaixo da média. Isto tudo para dizer que  quando "Whiplash" venceu o Grande Prémio do Júri em 2014 também conquistou, desde logo, a atenção natural da indústria cinematográfica e saltou rapidamente para os radares de todos os cinéfilos mundiais e, tal como boa parte dos vencedores anteriores, viu-lhe ser atribuído o rótulo imediato de filme surpresa e independente a ter em conta em 2014, rótulo esse que posteriormente foi confirmado e reforçado pela sua passagem por alguns dos certames internacionais de cinema mais populares e consagrados da indústria, como por exemplo os Festivais de Cannes, Toronto, Nova Iorque, Londres, Zurique ou Deauville. Nos dias que correm, "Whiplash" já não é nenhuma simples promessa ou surpresa, mas sim uma confirmação absoluta de qualidade que, como prémio máximo, conquistou uma merecida nomeação ao Óscar de Melhor Filme. É claro que "Whiplash" não levará para casa o Óscar de Melhor Filme, mas esta pequena pérola independente já marcou a sua posição e já fez o seu jogo ao chegar onde chegou com tanto brilho e aclamação que se justifica amplamente por tudo o que nos é apresentado ao longo de 107 Minutos de pura intensidade que, no final, após tudo o que vemos acaba por ser tão justa como é poderosa. 
A história de "Whiplash" tem como protagonista Andrew Neiman, um jovem e talentoso baterista que procura a perfeição a qualquer custo, mesmo que isso signifique perder a sua humanidade, algo que poderá acontecer sob a tutela do impiedoso professor Terence Fletcher, que parece ser a única pessoa que poderá exigir o máximo de Andrew para colocá-lo no patamar que pretende atingir. Se esta premissa parece-lhe relativamente similar à dos típicos dramas puros e inspiradores mas bastante moles do ponto de vista da intensidade e do núcleo humano que acompanham a história de um jovem que chega ao topo da sua área graças a muito trabalho e após várias dificuldades, então prepare-se para ficar agradavelmente surpreendido porque "Whiplash", apesar de ser precisamente esse tipo de filme, consegue dar a este género um twist especial graças à presença de uma elevada destreza intelectual e intensidade humana. E tais características são nos entregues na totalidade pelas explosivas e potentes interações entre o aluno Andrew e o mestre Terence que, sem qualquer piedade, inundam o filme com diálogos brilhantes e sequências de exaltação e valor absolutamente viciantes e delirantes. Estas interações entre os dois protagonistas são, de longe, a melhor parte de "Whiplash" e tornam-no em algo de diferente e curioso que consegue transformar a típica história de superação e escalada profissional de um jovem comum em algo igualmente inspirador mas com um grau de exaltação ligeiramente superior, porque o retrato de "Whiplash" é mais cru, intenso, frio e, também por isso, mais forte e humanamente realista. 



A progressão profissional do jovem Andrew sob a batuta do mestre Terence é assim acompanhada por muitos momentos de tensão e de elevado cariz dramático e humano que conferem, a uma simples história, um carácter de irreverência e diferença muito positivo e empolgante que, como é óbvio, dão a "Whiplash" um valor extra, para além das óbvias mensagens que derivam da base da sua história, onde é reforçado que o sucesso só pode ser alcançado com muito trabalho e sacrifício humano, mas nunca com pensamentos positivos e sonhos esperançosos ou com base apenas e só em potenciais vazios, porque a vida não dá nada a ninguém sem esforço ou luta. Esta lição de vida é transmitida, com muita mais exigência, garra e desprezo que o normal, pela fortíssima personagem de J.K.Simmons, que incute o seu carisma muito próprio à sua personagem e eleva-o a um patamar de violência psicológica soberbo e repleto de garra, maldade, desprezo e potência, que faz com que os diálogos ou monólogos entregues por Terrence batam bem no fundo do coração do público com uma força implacável. Do outro lado destes discursos impetuosos e proeminentes está quase sempre o jovem Andrew, interpretado também com muita qualidade por Miles Teller. Andrew também é uma personagem que foge às convenções de normalidade e banalidade, já que perante tudo o que lhe aparece ou lhe é entregue dá azo a um desenvolvimento pessoal e profissional verdadeiramente cru e duro que, no final, origina uma esperada mas amplamente satisfatória conclusão que dá ainda mais força e valor a tudo o que ficou para trás. 
Tudo o que se passa à volta da interação entre os dois protagonistas também é retratado com uma igual frieza e força humana, desde a pseudo relação romântica de Andrew até às depreciativas interações de Terence com outras personagens que, em conjunto com o prato forte desta obra, ajudam "Whiplash" a tornar-se no grande drama que é, onde a música, especialmente a precursão, tem também direito a uma privilegiada centralidade que se mescla muitíssimo bem com o poder humano e barulhento de uma narrativa forte em emoções duras. No final, "Whiplash" consegue ser desgastante mas de uma forma positiva, sendo um autêntico exemplo de vigor e de personalidade onde a palavra misericórdia não parece existir. As suas lições podem-se aplicar à vida em geral, mas o que fica para a posterioridade são as intensas e fortes sequências onde as personagens de J.K.Simmons e Milles Teller batalham até ao desgaste com tudo o que têm e contribuem assim para um argumento emotivo e forte que, apesar de partir de uma trama banal, consegue realçar algo de extraordinário graças ao brilho extravagante e à apelativa diferença das suas personagens principais.  

Classificação - 4,5 Estrelas em 5

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1 Comentários

  1. Sim, “outstanding performances”, quer do Simmons, quer do Teller (gosto muito do trabalho deste jovem actor, que irá, certamente e ainda, dar muito que falar) sim, boa fotografia, som, etc., mas não me tocou/emocionou como esperava. Enquanto via o filme, lembrei-me várias vezes do “Black Swan”. Portanto, que me desculpem os críticos e os entendidos da Sétima Arte, mas este filme não me trouxe nada de novo, nem qualquer emoção. E quando isso me acontece, é mau sinal, pelo menos para mim. A luta a qualquer preço pela perfeição, já foi retratada no filme Black Swan, o qual também não me emocionou como esperava, na altura, e no “The Wrestler”, o qual não vi, mas sobre o qual li os “reviews”. Não trazer nada de novo, não quero dizer que não se façam filmes sobre o mesmo tema, nada disso. Mas, não sei?! Neste faltou qualquer coisa mais humana… mais história sobre a vida pessoal de cada um dos personagens, talvez. Assim, não passou de um filme apenas de música Jazz, no qual o som que mais se destacava era a bateria. “Sorry”.

    Lúcia Catarino

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