Crítica - Que Horas Ela Volta? (2015)

Realizado por Anna Muylaert 
Com Regina Casé, Helena Albergaria, Michel Joelsas

Candidato do Brasil ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2015, "Que Horas Ela Volta?" marcou presença em mais de dez festivais de cinema internacionais, incluindo nos prestigiados certames de Sundance e Berlim, onde recebeu, respetivamente, os merecidos prémios de Melhor Filme da Competição Mundial e Melhor Filme da Secção Panorama. Tais consagrações internacionais mais que justas são acompanhados por louvores por parte do público e da crítica especializada, quer no Brasil, quer no resto do Mundo. Esta obra de Anna Muylaert merece efetivamente todo o positivismo e consagrações a que teve direito até hoje, porque estamos perante um bom drama social e familiar que mistura o melhor do lado comercial e da vertente artística do cinema brasileiro.
Realizado por Anna Muylaert, uma das mulheres cineastas mais proeminentes do Brasil e da América Latina, "Que Horas Ela Volta?" acompanha a história de Val (Regina Casé), uma empregada doméstica que se mudou sozinha para São Paulo desde Pernambuco com o objetivo de dar melhores condições de vida à sua filha Jéssica. Treze anos depois, Jéssica (Camila Márdila) telefona-lhe e pede-lhe ajuda para ir para São Paulo com o intuito de prestar as provas de acesso ao ensino superior. Os patrões de Val recebem a jovem de braços abertos na sua luxuosa casa, mas quando ela pára de seguir certo protocolo de respeito, a situação complica-se e as relações na casa ficam complicadas.
Tal como se depreende por esta breve mas elucidativa premissa, "Que Horas Ela Volta?" explora o complexo e pertinente tema das barreiras socioeconómicas entre as diversas classes sociais que existem na sociedade brasileira. Tal tema é recorrente no cinema brasileiro há vários anos, tamanha é a sua pertinência e objetividade nos tempos atuais. Há vários exemplos de filmes que o abordam com o respeito e compreensão que ele merece, uns de uma forma mais comercial, outros de uma forma mais artística, mas poucos conseguem ter tanto apelo mediático como esta obra que puxa efetivamente pelo interesse do espectador na história que está a ser desenvolvida. 



Por intermédio de uma criativa mistura entre o mundo do cinema e das telenovelas brasileiras, "Que Horas Ela Volta?" explora a dinâmica social e familiar entre as duas protagonistas e entre estas e os patrões de Val de uma forma simples e objetiva que enaltece com o devido respeito todas as questões que são levantadas. E tais questões prendem-se maioritariamente com a diferença evidente de estatutos económicos e sociais entre as duas protagonistas e os dois patrões. As relações entre estas duas partes são sempre pautadas por simpatia e por aparências positivas, mas torna-se evidente que existe um claro fosso de relacionamento e estatuto entre ambas. Jéssica, a filha de Val, não aceita tal fosso e recusa-se a adotar uma postura de subversão em relação aos patrões de Val, ao passo que esta parece ter já uma postura de subserviência mecânica e familiar em relação às pessoas para quem trabalha. O choque entre a postura de filha e mãe resulta em atritos entre ambas, porque Val considera que a sua filha Jéssica está a ser mal educada, insolente e abusada para com as pessoas que lhe deram um teto, ao passo que Jéssica não quer aceitar ordens ou concelhos da sua mãe, parecendo até iludida até certo ponto com o rico estilo de vida dos seus patrões. A família de patrões até parece compreensível e respeitosa num jogo de aparências. É notório que o filho dos patrões não se importa com as questões sociais, tal como o pai de família, cuja mentalidade acaba eventualmente por ser dominada pela matriarca que representa, essa sim, o exemplo perfeito de uma pessoa de classe alta que menospreza as pessoas com menos posses. Os vários conflitos e eventos que vão-se desenrolando na casa dos patrões exemplificam um pouco do que se passa na sociedade brasileira. É porque aquele microcosmos repete-se um pouco por todo o país em diversas situações, sejam elas profissionais ou pessoais, daí "Que Horas Ela Volta?" ter que ser enaltecido por apresentar um retrato objetivo tão focalizado numa situação, mas que surpreendentemente e inesperadamente alcança contornos mais extensos. 
Um dos pontos positivos desta obra é que aborda a sua história e o correspondente retrato social em questão com uma airosidade sublime, evitando assim que todo o filme caí num plano maçador e artístico. Esta opção acaba por atrair o espectador e mantêm-o preso a uma história muito interessante e fácil de ver. Aos pontos positivos junta-se também a performance de Regina Casé, uma atriz experiente e popular que está sublime no papel da simpática e sempre ativa Val. Casé é já uma lenda das telenovelas brasileiras, mas também tem deixado a sua marca no cinema. Esta sua performance demonstra o seu enorme talento e carisma, como também demonstra a sua enorme capacidade para a diversificação emocional, já que numa história com um tom tão sério e dramático como a desta obra, consegue incutir-lhe uma contagiosa dose de boa disposição tão própria da sua real personalidade. Camila Márdila (Jéssica) e Karine Teles (Bárbara) também dão um ar positivo da sua graça nesta obra, mas Casé é sem dúvida a Rainha desta obra muito positiva que justifica tudo o que tem conquistado e que se calhar ainda conquistará. 


Classificação - 4,5 Estrelas em 5

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