A espectacular vida de Giulio Andreotti, o político italiano mais carismático da segunda metade do século XX, eleito sete vezes primeiro-ministro para além de outros cargos, é aqui contada com um misto de admiração e horror, chegando mesmo à muito corajosa acusação directa.
A pequenez física de Andreotti, interpretado magistralmente por Toni Servillo, esconde um homem de uma inteligência brilhante, de grande carisma, de enorme capacidade política, de fortes convicções mas também capaz, não só de usar todos os meios para atingir os seus fins, como também de sair inabalável das inúmeras incriminações e processos judiciais de que foi vítima. Se Andreotti conseguiu, depois de inúmeras batalhas judicias, sair impune das acusações de ligações à Máfia de que foi alvo, e é hoje Senador Vitalício da República de Itália, Sorrentino não está disposto a deixar cair no esquecimento todos as suas responsabilidades políticas na morte de dezenas de pessoas e principalmente na de Aldo Moro, raptado pelas Brigadas Vermelhas e por elas executado, sem que o governo de Andreotti tenha feito qualquer esforço para o libertar, também não hesita em afirmar as ligações deste homem ao maior contra-poder italiano, a Cosa Nostra.
O processo narrativo utilizado não é linear. Os assassínios em massa e o eventual envolvimento de Andreotti nestas execuções são nos apresentados em flashes, em imagens inesquecíveis, muitas vezes recorrendo ao slow motion e aos grandes planos de pormenores aparentemente insignificantes, criando a ideia de um processo quase incontrolável, pelo menos impossível de ser detido, contrastando com esta vertigem vemos a impenetrável figura de Andreotti, sempre muito controlado, muito forte, e bem alicerçado na sua facção dentro dos democratas-cristãos. O fio narrativo não é o cronológico nem muitas das ideias apresentadas são desenvolvidas. Sorrentino dá-nos a ver as imagens de Andreotti em cenas que julgamos terem existido mas que nunca foram provadas, vemos os crimes atrozes, as batalhas políticas, o jogo do perde e ganha, tendo sempre como pano de fundo o vermelho do sangue derramado. É esta a cor do genérico, por exemplo, e ainda pela utilização de imagens de um dramatismo teatral. Sem qualquer razão lógica para tal, para além do impacto visual das mesmas, Andreotti surge em momentos estáticos, imagens totalmente pensadas do ponto de vista plástico, lembrando-nos sempre que ele é o tema do filme, o objecto analisado, Il divo. Para reforçar a denúncia sem medos feita por Sorrentino, foi escolhida uma extremamente significante banda sonora, plena de humor, risível, sublinhando o ridículo de toda esta ambição política. O realizador recebeu o Prémio do Júri em Cannes e o filme foi nomeado para a Palma de Ouro.
Classificação - 4 Estrelas Em 5
2 Comentários
Pareceu-me tudo menos ridículo este retrato de uma Itália violenta, quase ditatorial.
ResponderEliminarEstranho foi a associação mental que me ocorreu quando vi Andreotti retratado deste modo...Fez-me lembrar Salazar. Até o nome do partido (Democracia Cristã) coincide.
Esta série de filmes políticos que ultimamente se têm realizado em Itália (à excepção do péssimo "O Caimão") têm contribuído para um ajuste de contas e uma espécie de psicanálise da democracia italiana, cada vez mais uma ilusão do que um regime político legitimo.
Talvez se por aqui se fizesse esse exercício relativamente aos 50 anos que vivemos mergulhados na escuridão, que ainda hoje se reflectem no nosso atraso em relação ao resto do Mundo, pudessemos também atar os "nós soltos" que a classe política e cultural deste país tarda em atar...
Até nisso somos atrasados. Assim nascem os mitos.
Andreotti é apenas mais um, bem mais actual e assustadoramente real do que um quase espectral Salazar.
Acabo de assistir o filme no Brasil. Sabe qual é o grande problema: não é Salazar, nem Andreotti, mas todos os políticos. É tudo igual querido. Lula, o impostor do mundo, distribui dinheiro e abraça Chavéz e Castro (e é idolatrado pela imprensa européia). Vivemos a natureza humana, por mais que as revistas e o cinema nos mostram "pessoas boazinhas", "sustentáveis", todos buscam o poder. Desenfreado e tirânico. Seja na família, no emprego, na imprensa, na política ou num cinema que deseja criar seres maléficos. O pior e mais amargo de tudo é que no fundo, todos nós somos, em menor ou maior medida estes mesmos seres representados. Duvida? Talvez você nunca alcançou o poder, o mais mesquinho que seja.
ResponderEliminarTriste não? Pena que a vida real não tenha tão bela trilha sonora...