Crítica - Antichrist (2009)

Realizado por Lars Von Trier
Com Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg

A genialidade de Lars Von Trier é indiscutível, este famoso cineasta dinamarquês é responsável por inúmeras produções cinematográficas de grandíssima qualidade, como por exemplo, “Dancer In The Dark” ou “Breaking The Waves”, no entanto, este seu último trabalho, “Antichrist”, não conseguiu surpreender a generalidade da crítica especializada que trucidou esta produção após a sua polémica exibição no Festival de Cannes de 2009. As distribuidoras dos principais mercados cinematográficos também não ficaram muito convencidas com esta longa-metragem e, numa tentativa de evitar avultados prejuízos financeiros, decidiram manter esta controversa produção afastada das salas de cinema, explicando assim, os péssimos resultados comerciais que obteve nas bilheteiras internacionais. Os defensores desta longa-metragem argumentam que a sua polémica história aposta num subjectivismo imaginativo e surrealista que transmite criativamente os excessos lunáticos da mentalidade humana e das eternas questões bíblicas mas a verdade é que “Antichrist” é, na minha opinião, um verdadeiro desastre cinematográfico que excede todos os limites do gosto e da decência. É verdade que “Antichrist” tem os seus méritos e até começa por nos apresentar um prólogo magnífico que nos empolga e que nos prende imediatamente à história mas à medida que entramos no seu desenvolvimento narrativo começamos a ser confrontados com sequências demasiado explicitas e com explorações subjectivas demasiado surrealistas que diminuem drasticamente a qualidade desta produção.

O desenvolvimento da história de “Antichrist” está dividida em quatro capítulos que exprimem os diversos momentos da narrativa e aproveito para avisar que ao longo desta crítica irei expor alguns elementos chave desses capítulos, assim sendo, aconselho a quem não tenha visto esta produção a não prosseguir com a leitura. O primeiro segmento desta longa-metragem é o já referido prólogo, uma deslumbrante introdução que nos apresenta o trágico acontecimento que despontou esta história através de uma fantástica sequência que nos convence pela sua simplicidade. Esta abertura apresenta-nos uma cena sexual que é bastante comedida quando comparada com algumas outras que são posteriormente exibidas mas o verdadeiro interesse desta sequência é a morte acidental da criança, um acontecimento que destrói imediatamente a sanidade mental dos seus progenitores que não conseguiram evitar a sua trágica morte porque foram negligentes e porque estavam demasiado ocupados com outra actividade. A morte da criança está recheada de simbolismos que posteriormente se tornarão mais explícitos, como por exemplo, o significado das figuras de metal que derruba ou o facto da sua morte coincidir com o clímax sexual da sua mãe e do seu pai, no entanto, o que realmente importa salientar é que a sua morte causou danos mentais irreparáveis aos seus pais. A partir deste explícito mas interessante momento entramos no desenvolvimento que se inicia com o primeiro capítulo (Luto) onde acompanhamos as consequências imediatas dessa catástrofe familiar, consequências essas que se iniciam com o funeral da criança que é abruptamente interrompido pelo compreensivo descontrolo da sua mãe que a partir desse momento entra num progressivo estado depressivo de onde nunca mais sai. O capitulo explora o inicio do tratamento psicológico da mulher, um tratamento que é conduzido pelo seu marido, um famoso psicoterapeuta que não confia nas opiniões dos médicos e que tentará solucionar sozinho os problemas da sua esposa através de uma intensa terapia que visa acompanhar devidamente o moroso processo de culpabilização que a ataca sem piedade. O segmento demonstra a progressiva deterioração psicológica da mulher que tenta utilizar o sexo para escapar da loucura e da solidão mas graças à insistência do seu narcisista e individualista marido, é obrigada a confrontar os seus piores receios que se materializam nos bosques, mais precisamente nos bosques da sua casa de campo que são ironicamente apelidados de Éden, um lugar de outrora felicidade e de extrema beleza que se torna na representação das fobias irracionais e das loucuras inultrapassáveis. É neste verdejante local que a protagonista feminina irá enfrentar os seus medos e o protagonista masculino irá confrontar a sua própria insanidade. O capítulo termina em Éden com o marido a observar atentamente um pacífico veado num doloroso trabalho de parto. É a partir deste momento que “Antichrist” descamba no ridículo e no insólito.

O segundo capítulo (Dor) começa onde o anterior terminou, ou seja, na entrada de Éden. É durante esta parte que somos confrontados com os primeiros momentos de extrema violência e de completa insanidade por parte da personagem feminina que parece estar a piorar com o tratamento e com a confrontação dos seus medos, uma presunção que é posteriormente confirmada pelas suas acções destrutivas e pelos seus erráticos discursos. O ambiente verdejante em redor da cabana do casal também começa a perder a sua inocência e a sua passividade, acompanhando assim a evolução negativa da mulher. Os bizarros comportamentos do bosque culminam com o aparecimento de mais um estranho fenómeno animal. À semelhança do que aconteceu no capítulo anterior, a personagem masculina encontra uma estranha situação em que uma raposa desmembrada profere as seguintes palavras, “Chaos Reigns”. No terceiro capítulo (Desespero) entramos numa fase mentalmente alucinante e praticamente imperceptível aos olhos de um espectador pouco atento. O casal embarca numa violenta discussão que está repleta de ataques pessoais e de atribuições de culpas que culmina num impressionante momento de violência sexual e física que estilhaça todas as barreiras da decência. O segmento também é bastante rico em alusões à bruxaria e à religião que são pobremente exploradas e explicadas ao público. O capítulo termina com o aparecimento de mais um fenómeno animal, igualmente presenciado pelo homem, onde um corvo resiste corajosamente e sobrenaturalmente à morte. O quarto e último capitulo (Os Três Mendigos) fornece algumas respostas relativamente aos fenómenos animais que, afinal de contas, não passam de exteriorizações da insanidade do homem que acaba por ser vítima dos mesmos sintomas da sua mulher, sintomas esses que no alto da sua sabedoria não conseguiu prever ou impedir, assim sendo, podemos concluir que os animais derivam da antiga lenda “Os Três Mendigos” que estava a ser investigada pela sua mulher e que cada um deles representa um estado do processo de luto e de culpa, processos esses que estavam inicialmente representados nas estatuas de metal que a criança derruba no prólogo. A explicitação destes fenómenos é o único elemento razoável deste capítulo que nos apresenta inúmeros devaneios psicológicos de ambas as personagens que culminam em várias sequências de violência extrema que eventualmente terminam com a morte de um dos membros do casal. A conclusão ou epílogo também é bastante subjectiva e incompreensível mas demonstra o culminar da insanidade do homicida e a entrada num penoso castigo pelo acto cometido. Em suma, o argumento desta produção apresenta, de uma forma muito confusa e incerta, as terríveis consequências que o processo de culpabilização tem num casal que sofreu uma perda substancial. A sanidade de ambos os elementos rapidamente descamba numa espiral descendente que é exteriorizada através de atitudes insanas e comportamentos bizarros que são apimentados por referências culturais a dogmas religiosos e a questões sobrenaturais, no entanto, essas referências são pobremente exploradas e demasiado centradas na controvérsia.

A direcção de Lars Von Trier é inconstante. O prólogo é simplesmente magnífico porque sem cores e sem diálogos consegue transmitir ao espectador uma mensagem bastante forte através de simples imagens que são brilhantemente acompanhadas por uma fantástica sonoridade que alude aos imponentes cantos religiosos. Os restantes capítulos e segmentos já não conseguem obter os mesmos efeitos porque são demasiado exagerados e incompreensíveis. Lars Von Trier não se conteve e apresentou algumas sequências cinematográficas que simplesmente não se interligam com as restantes, esses impulsos criativos prejudicaram esta produção que não tem qualquer consistência nem qualquer estrutura definida. Uma direcção mais contida e menos gritante até poderia ter transformado esta longa-metragem numa obra minimamente aceitável e razoável mas tal situação não se verificou. Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg até nos oferecem performances substancialmente interessantes. “Antichrist” é uma representação bastante subjectiva de Lars Von Trier que criou com esta produção o seu próprio mundo imaginário e fantasioso, um mundo que infelizmente é demasiado pessoal e que não é facilmente compreensível pelos espectadores. Esta controversa longa-metragem é inconvencional mas ao contrário das restantes produções inconvencionais, não nos oferece nenhum elemento positivo ou agradável que nos consiga convencer. “Antichrist” é uma grande confusão cinematográfica que aposta em temáticas e em sequências polémicas e explicitas que simplesmente não entretêm.

Classificação – 2 Estrelas Em 5

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12 Comentários

  1. O filme até parece um drama normal, mas está fora de ser um “filme” normal, a essência da trama é relativo ao drama emocional de uma jovem que perdeu o filho, mas está um filme muito “chocante” e tem muitas cenas que irão certamente impressionar o espectador. O filme impressiona, os actores tiveram uma prestação muito boa, mas não gostei. Dou nota 3/5, porque realmente não sei que nota hei-de dar, não consigo perceber se está um filme muito bom ou se está um filme mau, a história é demasiado “estranho” e “chocante”. É sem dúvida um filme que não é adequado a todos os públicos, especialmente os mais jovens e pessoas sensíveis. Provavelmente está um filme genial, mas não gostei. Não irei aconselhar este filme a ninguém, porque tanto podem gostar muito e acharem o filme muito bom como podem detestar, será um filme bastante polémico. [por Jorge Ferreira | Jomirife]

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  2. Boas Álvaro

    Li a tua crítica no teu blog e realmente a única coisa que posso dizer é que temos opiniões diferentes. Já encontrei opiniões idênticas às tuas como referi no ínicio da critica mas para mim, Antichrist é aquilo que referi, um desastre.

    Jorge

    Sem dúvida. Não é aconcelhável a menores de 18 ou pessoas que estão habituadas ao cinema comercial de Hollywood.

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  3. Concordo com a critica, o filme é decadente? Incipiente? nem sei...baaaaaa de evitar.

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  4. quem e que disse que a arte e para entreter?

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  5. É claro que tem a função de entreter e para passar tempo, não vou ao cinema para trabalhar lol O cinema serve para descontrair e concordo com a critica este filme é horrivel. Tentativa falhada de parecer lynch

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  6. Nem todos somos capazes de aceitar a arte tal como os seus autores nos apresentam. "O artista não pinta o que vê, mas sim o que os outros vêem." Amei o filme. Faz pensar. É incomodo. É polémico. E eu gosto muito de histórias que mais ninguém gosta.
    Sepol Om

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  7. Em primeiro lugar, gostaria de aconselhar as pessoas a não fazerem comentários totalmente inuteis e sem fundamento algum. No entanto, isto é um facto que se compreende facilmente, na medida em que, num site que se diz possuídor de críticas do mais alto nível, se encontram alguns dos mais profundos disparates, como é o caso desta crítica a antichrist. JT a tua crítica não me parece mais do que um bando de barbaridades já que não passa de uma opinião, visto que não sabes analisar um filme, na medida em que todo o simbolismo te passou ao lado, não sabes mesmo. Mais grave ainda, e como o teu maior disparate escrito nesta crítica e prova da tua incompetência, é o facto de dizeres que a arte tem como objectivo principal entreter pessoas.

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  8. Eu não disse que a arte no seu sentido mais abrangente tem o objectivo de entreter o que eu disse foi que a arte cinematográfica tem o objectivo de entreter e é por isso que é apelidade por arte de entretenimento, ou seja, estou a críticar um filme que esta inserido na arte cinematográfica, assim sendo, quando falo em arte estou a falar em filmes, acho que os leitores têm que fazer um pequeno trabalho de interpretação principalmente aqueles que preceberam este filme porque se o copreenderam como é que não compreendem esta crítica tão simples? O filme para mim é pessimo e nem os simbolismos os salvam, acho que Lars tentou fazer um filme muito inteligente e muito subjectivo mas falhou, esta é a minha reconhecida opinião mas todos têm o direito a discordar.

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  9. Eu achei o filme perfeito. É um filme de terror, não é um filme para ser agradável e nem aceitável. Sim, o mundo que Lars criou é muito subjetivo e a trama religiosa não é tão explícita, mas qualquer pessoa com o mínimo de cultura entende exatamente o que ele construiu ali. Sim, o filme é indecente, louco, e os elementos que o compõem são extremamente indecentes, mas é isso que o torna genial. É dessa forma que Lars consegue nos transportar para dentro daquela história e nos faz sentir insanos como os personagens. A simbologia toda dos Três Mendigos é perfeita, desde o inicio do filme tudo tem um significado. A parte em que a mulher se mutila por se odiar por ter a natureza ruim, pela natureza guiar seu corpo e não ela própria, expressa o quanto ela se culpava por ser quem é. O filme é perturbador, porém, maravilhoso.

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  10. O filme é realmente um desastre para pessoas rasas e sem cultura.

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  11. O filme é perfeito, maravilhoso. É um filme de terror, não tem que ser agradável, tem que fazer o espectador sentir o que os personagens sentem e isso, Lars faz como ninguém.
    Ele sempre consegue fazer uma linha perfeita entre a sanidade humana e o sobrenatural, sim, o filme é indecente, tem muitas coisas subjetivas e bastante pessoais ao autor, porém, qualquer pessoa com o mínimo de cultura entenderá os sinais e as referências que ele faz a bruxaria.
    O conto dos Três Mendigos é genial, as referências que ele faz, a atitude da mulher, a ligação que ele faz entre as atitudes deles e o que o marido dela diz, é tudo muito harmônico. Como quando ele diz que nem a hipnose e nem obsessão alguma faria ela fazer o que não fariz normalmente, e depois, reagindo a crise de ansiedade e adrenalina que ele sente após arrancar aquele peso da perna, ataca e mata a esposa, ou seja, ele fez o que ele faria mesmo sem estar naquele estado, porque como ela disse, a natureza do homem é má.
    É tudo maravilhoso!
    E o final não é tão subjetivo assim, basta ter alguns neurônios ativos e você percebe que o Éden foi um local usado na Inquisição e após ele ter matado a esposa e QUEIMADO seu corpo, suas "irmãs" vieram busca-la para se juntar a elas. É um filme extremamente bom, é perturbador e indecente, mas isso não faz dele ruim, ao contrário, faz dele genial. Sim, não recomendo á ninguém, apenas para pessoas fortes, cultas e que entendem a arte, como ela deve ser entendida. Pessoas rasas devem ficar com os filmes água com açúcar padrão Hollywood e não devem se aprofundar em algo genial. Sem ofensas.Alguns nasceram para a genialidade, outros, para serem comuns como os animais.

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