Crítica - 127 Hours (2010)

Realizado por Danny Boyle
Com James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Clémence Poésy

À partida, um filme como “127 Hours” corria sérios riscos de se tornar um flop instantâneo. Apostar na produção de uma película que se apoia quase inteiramente nos talentos de um só actor durante mais de uma hora é, sem sombra de dúvida, uma aposta de risco para qualquer produtor de cinema. Este é daqueles filmes em que, mais do que qualquer outra coisa, o realizador tem de ser escolhido a dedo e com grandes doses de cautela. Pois entregue a um realizador, digamos, banal, o projecto outrora ambicioso pode desaguar em hora e meia de puro aborrecimento para o espectador menos tolerante. Obras como esta (que fazem lembrar, por exemplo, o agradável “Cast Away”, de Robert Zemeckis) têm de possuir ao leme um realizador dinâmico, criativo e sem medo de jogar para lá da linha do risco. Razão pela qual se pode dizer que a escolha de Danny Boyle para assumir as rédeas deste projecto foi uma decisão absolutamente brilhante por parte de quem o contratou.
Pois é justo afirmar que o realizador inglês possui todas essas características e muitas mais. Como já nos comprovou no passado com obras como “Trainspotting”, “28 Days Later”, “The Beach”, ou até mesmo “Slumdog Millionaire”, Boyle é um realizador invulgar; um realizador cheio de garra, genica, genialidade, e uma vontade imensa de surpreender o espectador com os seus planos de câmara verdadeiramente tresloucados e a sua palete de cores tão quentes que quase nos fazem transpirar. Nas mãos de Danny Boyle, esta história (verídica) de um alpinista aventureiro que fica bloqueado por entre um conjunto de rochedos transformou-se num dos filmes mais destemidos e acelerados do ano. E perante tanto génio criativo, os espectadores podem apenas agradecer-lhe por mais hora e meia de entretenimento sério e fora do vulgar.


Na Primavera de 2003, Aron Ralston (um James Franco de se tirar o chapéu) saiu de casa para mais uma aventura a solo nas montanhas desérticas do estado de Utah, nos Estados Unidos da América. Sem dizer a ninguém para onde ia (como era seu apanágio), embrenhou-se nas referidas montanhas para mais um dia de isolamento e de afastamento da stressante loucura das grandes cidades. Ao passar por cima de um enorme pedregulho, porém, o rochedo desabou, arrastando-o consigo numa queda violenta até lhe prender a mão direita contra a parede mais próxima. Incapaz de se libertar, Aron depressa compreende que se meteu numa alhada de gigantescas proporções. E assim começou uma jornada de 127 horas que iria pôr à prova a vontade de viver do jovem alpinista. Uma jornada que apenas terminou quando ele levou a cabo aquilo que julgava não ter a coragem de fazer…
Ponto um: “127 Hours” não é um filme que se deva aconselhar aos mais impressionáveis. Os relatos de espectadores que desmaiam nos últimos quinze minutos da película têm-se propagado pelo mundo inteiro, deixando antever a brutalidade desses mesmos minutos finais. Até no Fantasporto (onde tive o privilégio de assistir à ante-estreia nacional e onde a grande maioria dos espectadores já está habituada a todo o tipo de emoções fortes) houve quem se sentisse mal, portanto ficam desde já avisados. Aliás, há uma razão pela qual este filme foi exibido num festival da natureza do Fantasporto… Dito isto, não quero passar aqui por um censurador desta obra. Muito pelo contrário, até porque “127 Hours” é mesmo um dos melhores filmes da última temporada cinematográfica. E eu sempre fui um defensor do cinema realista, que não tem medo de mostrar aquilo que realmente acontece em certas e determinadas situações.


Filmado com a loucura (no bom sentido) e a irreverência a que Boyle já nos habituou, “127 Hours” facilmente se afirma como um dos filmes mais fenomenais do ano transacto, garantindo-nos uma boa dose de emoções fortes, misturada com momentos de tudo aquilo que um bom drama tem para nos oferecer. Não estamos perante uma película tão claustrofóbica quanto estava à espera. Mas ainda assim, e graças ao engenho do realizador britânico, “127 Hours” insere-nos por completo no tormento do protagonista, fazendo-nos sentir a sua angústia com uma facilidade tremenda. Claro que, aqui, o mérito é também muito de James Franco. O jovem actor de filmes como “Milk”, “Spider-Man”, ou “Sonny”, suga a simpatia do espectador mais carrancudo com uma destreza admirável, obrigando-o depois a sofrer consigo até ao fim. A sua construção de Aron Ralston é perfeitamente credível, oferecendo-nos momentos de ir até às lágrimas sem nunca cair no overacting. Agora percebo porque Franco chegou a ser apontado como o favorito para o Óscar de Melhor Actor Principal deste ano, afirmando-se mesmo como o principal competidor de Colin Firth pela gloriosa estatueta dourada (apesar de esta muito dificilmente escapar ao actor britânico e, talvez, com toda a justiça).
Senhoras e senhores, se gostam de filmes que conseguem ser tão crus como divertidos, tão chocantes como comovedores, “127 Hours” é o filme para vocês. A desconstrução da personagem principal é efectuada com sobriedade e grande mestria, a banda-sonora de A.R. Rahman desempenha um papel crucial na exteriorização das emoções retratadas, e o argumento de Danny Boyle e de Simon Beaufoy nunca deixa o espectador adormecer à sombra da bananeira. Um justo candidato ao Óscar de Melhor Filme, que por tremenda injustiça, não viu o seu excepcional chefe de operações obter a merecida nomeação para Melhor Realizador do ano.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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6 Comentários

  1. Um filme Sublime que infelizmente não impressionará a academia...

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  2. Gostava imenso de ver este filme, mas o problema é que sou um bocado impressionável! :( Arriscar ou não arriscar... que dilema.

    Parabéns pela crítica, muito boa tanto na forma como foi escrita como no conteúdo.

    V.

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  3. Concordo contigo em parte, mas esse estilo de montagem tão frenético do Boyle acabou por me deixar na superfície do sentimento que ele passou ali naquela fenda, preso. Parece que faltou silêncio e sobrou plano, movimento.
    Impressionante ver como esse ano é o ano dos filmes com cenas brutais. Cisne Negro, Inverno da Alma e Canino marcam pela qualidade das atuaçoes e, principalmente, por ter algumas cenas angustiantes e que não são para os de estomago fraco.

    Bom trabalho! []'s

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  4. O filme é bem previsível, e as cenas fantasiosas causadas pelo medo de morrer e, ao mesmo tempo, pelo desejo de perdoar-se, são todas dispensáveis...O ator está ótimo, apresenta um egoísta, ou um individualista na essência, mas o acidente não me pareceu que o corrigiu, tamanho o gosto pela aventura e prazer pela vida solitária... também pudera, cinema é magia e o que é politicamente correto nem sempre deveria ser a mensagem final de um filme que se preze...

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  5. Que leitura mais ideotica do filme o viajante. Claro que o filme e previsivel. Toda a gente conhcia a historia. Antes de ver o filme ja sabia o final tal como 99 por cento das pessoas. Tal como voce de certeza. As cenas fantasiosas sao uma maneira de fazer o filme. Se pensar o filme tinha que ter pa ai 90 minutos. E se voce ficar presa numa ravina no que que acha que vai pensar ? Na vida que podia ter tido e que teve ou no que comeu no dia anterior ? Por favor... E o que diz a seguir entao e o delirio. Portanto, para si, o protagonista e um egoista que mereceu aquilo que lhe aconteceu e que merecia ter la ficado ou entao saido e nunca mais ter abandonado o sofa por medo. Acha que o que ele fez para sobreviver e politicamente correcto entao. Que asneira gigante o que voce diz. Convido-a a pensar no filme. Tinha coragem de fazer o que ele fez ? Tinha coragem de voltar a um sitio onde passou os piores momentos da sua vida ? Esta e a mensagem do filme. Mas claro, obviamente, voce nao a percebeu.

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  6. 4 em 5? deu me vontade de rir.

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