Crítica - The Beaver (2011)


Realizado por Jodie Foster
Com Mel Gibson, Jodie Foster, Anton Yelchin, Jennifer Lawrence

“The Beaver” chegou a ser catalogado como uma comédia dramática, mas a verdade é que de comédia tem muito pouco. Filmada com surpreendente mestria por Jodie Foster, esta obra afirma-se como um drama bastante sério e até mesmo pesado. Foster já admitiu por várias vezes que só se insere no mundo da realização quando lhe apresentam argumentos que tenham alguma coisa de útil para dizer. E este “The Beaver” vem comprovar isso mesmo. Pois, para além de ser um autêntico tratado sobre a depressão e as chagas que podem advir dessa doença mental, “The Beaver” faz questão de abordar alguns dos podres da sociedade com uma coragem admirável, brindando-nos com uma mensagem tão negra quanto pertinente.
O (aguardado) regresso de Mel Gibson ao grande ecrã toma forma através de uma das personagens mais caricatas e sumarentas da História da Sétima Arte. Walter Black é um director de uma empresa de brinquedos em plena crise de meia-idade. Tendo sucedido ao pai na chefia da bem-sucedida empresa, Walter sente-se cada vez mais asfixiado num posto de trabalho que não lhe diz nada e num mundo que perdeu todo o sentido. Walter abre os olhos, mas não encontra razões para se levantar da cama. Walter olha para a família e não sente um pingo de emoção trespassar-lhe a alma. Meredith (Jodie Foster) – a esposa – começa a perder a paciência para lidar com um estado de apatia que parece não desaparecer. Porter (Anton Yelchin) – o filho mais velho do casal – odeia cada vez mais o pai, chegando mesmo ao ponto de elaborar uma lista de tiques que não deseja herdar dele. E sem ferramentas para sair do poço de negrume em que caiu, Walter encontra num castor de peluche a única forma de expressar aquilo que lhe vai na alma. O que acaba por levá-lo ao limiar da insanidade mental, com todas as consequências procedentes de um tipo de comportamento verdadeiramente desviante e emocionalmente desequilibrado.


“The Beaver” apresenta, de facto, algumas pinceladas de comédia. Pinceladas que vêm, sobretudo, da relação bizarra que o protagonista desenvolve com o castor. Mas isso não faz dele um filme de comédia. Quem entrar com esse espírito na sala de cinema vai ter uma rica surpresa. Pois Gibson oferece-nos uma prestação das mais dolorosas que pode haver, e Foster nunca foge a uma encenação da realidade absolutamente fria e cruel. A dupla que tanto nos fez rir em “Maverick” faz-nos agora morder os lábios de pura emoção, enchendo-nos os olhos de lágrimas com uma facilidade impressionante. A câmara de Foster nunca treme. E graças a isso, somos convidados a testemunhar as disfuncionalidades de uma típica família do séc. XXI, tão credível quanto perdida num conjunto de regras sociais que só contribuem para o aumento do negrume. Padrões sociais que chegam a ser estupidificantes, aos quais a personagem de Gibson tem o dom de apontar o dedo, num brilhante monólogo tão soturno quanto arrepiante.
Gibson que, aliás, tem aqui uma das melhores prestações da sua carreira. Muitos são aqueles que não hesitam em dizer que o actor nova-iorquino não tem dotes de representação muito elevados. Mas a verdade é que o seu Walter Black é de uma genuinidade avassaladora, obrigando-nos não apenas a acreditar piamente na sua dor, mas também a torcer pelo seu triunfo a todos os níveis (sociais, familiares, profissionais, etc.). Como fã confesso de Gibson, espero sinceramente que este filme contribua para o findar das más-línguas em redor do actor, levando as revistas cor-de-rosa a darem uma volta ao bilhar grande. A sua vida pessoal só a ele diz respeito. A nós só nos deve interessar o lado profissional da sua existência. E nessa área, o velho Mel continua a ser uma das estrelas maiores de Hollywood, despertando uma empatia natural com o espectador que não está ao alcance de qualquer carapau de corrida. O restante elenco está também de parabéns. Jodie Foster inunda a película com um imenso perfume de talento, retratando na perfeição o papel da esposa que luta até ao fim pela saúde da família e que mais não sabe o que fazer para trazer o marido de volta. E Anton Yelchin e Jennifer Lawrence (dois jovens com um futuro muito promissor) completam o quarteto de brilhantismo, encarnando dois adolescentes que nada têm de superficialidade.


“The Beaver” aborda alguns dos temas mais negros da sociedade em que vivemos, reflectindo sobre a depressão e sobre a constrição espiritual de forma séria e madura, pouco ou nada se importando com estilos de storytelling padronizados e lamechices hollywoodescas a pensar em receitas brutas. “The Beaver” é um filme de actores puro e duro, feito a pensar na valorização do ser humano enquanto ser social e emocional. Uma excelente escolha para quem se enjoa facilmente com a carrada de blockbusters de Verão, portanto.


Classificação – 4 Estrelas Em 5

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2 Comentários

  1. Nossa, que crítica perfeita para um filme que me deixou aos prantos! Não tinha o menor interesse no filme, e hoje coincidentemente bati de frente com ele, resolvi assistir numa tentativa de mudar minha opnião! E nossa, que filme, atuações brilhantes dignas de premios importantes. No filme, foi como se eu pudesse estar no lugar dele e sentir seu sofrimento, poucos filmes conseguem trazer isso a tona! a forma como ele trabalhou suas limitações, a tentativa de fuga para se libertar daquele mundo pré concebido, o que esperavam dele como sucessor de sucesso, o qual só o deprimia e o subterfúgio foi um fantoche! PUTZ... que idéia incrível, como ninguém pensou em algo assim antes? e novamente, sua crítica... me deixou aos prantos, pois o filme e suas palavras fizeram uma simbiose perfeita! fazia tempo que algo não me tocava dessa forma! Parabéns pelas palavras ;)

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  2. A crítica é realmente fantástica e traduz com perfeição a ideia do filme. Esse longa é mágico, brilhante. Um dos melhores filmes que já assiste...

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