Crítica - Trust (2010)


Realizado por David Schwimmer
Com Clive Owen, Catherine Keener, Liana Liberato, Jason Clarke, Viola Davis

Lembram-se de David Schwimmer, o eterno Dr. Ross Geller da série “Friends” e a voz da girafa Melman de “Madagascar”? Pois bem, ele está de volta. Mas desta vez, numa posição em que nunca julgámos vir a vê-lo: atrás das câmaras, mais propriamente na cadeira de realizador. E a verdade é que o actor/realizador nova-iorquino não se desembaraça nada mal com uma câmara aos ombros. A transição de actor para realizador parece ser a mais recente pandemia que se está a propagar por Hollywood. Depois dos manos Affleck terem recentemente mostrado os seus dotes enquanto autores (Casey com o polémico “I’m Still Here”, Ben com os aclamados “The Town” e “Gone Baby Gone…”), Schwimmer demonstra também que não está aqui para brincar, afirmando-se como um realizador a respeitar nos tempos vindouros. “Trust” – a sua segunda longa-metragem para cinema – tem um ar um pouco académico e convencional. Mas a verdade é que nunca deixa de ser competente, cativando-nos a atenção do princípio ao fim e chegando mesmo a surpreender-nos com algumas cenas de um arrojo deveras arrepiante.


A narrativa leva-nos a conhecer Annie Cameron (Liana Liberato, uma jovem a prestar atenção nos próximos tempos) e a sua família. Acarinhada pelos seus pais – Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener) –, Annie floresce como uma jovem inteligente, sensível e cheia de auto-confiança. Com 14 anos de idade, ela vive ainda num molde de inocência pura, não detectando qualquer mal em nada nem ninguém. Até ao dia em que conhece Charlie (Chris Henry Coffey) através de um chat para adolescentes na Internet. A partir desse dia, ela começa a ficar a par da sua sexualidade. Uma sexualidade atiçada por Charlie, que ela julga ter a mesma idade. E quando finalmente decidem conhecer-se a sério num passeio pelo shopping da cidade, o pior dos cenários vem à tona como um corpo retalhado atirado para o fundo de um lago. Nesse instante, Annie fica a saber que Charlie tem, na verdade, mais de 30 anos e um turbilhão de emoções contraditórias fá-la desconfiar de tudo e mais alguma coisa. Mas como menina imatura que é, Annie acaba o dia num quarto de hotel com o homem pervertido. E a partir daqui, já todos sabemos o que acaba por acontecer… instalando-se a dor numa família, outrora, rija como pedra.
Schwimmer é membro de uma fundação que presta apoio a vítimas de crimes sexuais. Como tal, esta obra assume-se como um projecto muito pessoal da sua carreira. E a verdade é que é este tipo de filmes que devemos ver com toda a atenção do mundo. Temia-se que “Trust” fosse infectado pelo típico padrão de storytelling "hollywoodesco" que impera no cinema norte-americano, tombando na direcção de uma torrente infernal de clichés mais que esgotados e, na maior parte dos casos, nada realistas. Felizmente, tal coisa acabou por não se verificar. Ou pelo menos, não por inteiro. Para bem de todos (cineastas responsáveis pelo projecto e nós, espectadores), “Trust” nunca parte numa busca desenfreada pelo happy-ending imaturo, mantendo-se sempre frio, realista, sóbrio e, por vezes, até mesmo cruel. Era muito fácil estragar esta história com o habitual poço de lugares-comuns que agrada à audiência, mas que destrói por completo a integridade (artística e moral) de qualquer obra cinematográfica. Schwimmer opta por uma visão dos acontecimentos extremamente sóbria e nada artificial, ignorando o caminho mais fácil para brindar o espectador com algo de um requinte bem mais louvável.


À semelhança de “Hard Candy”, “Trust” não pretende promover o espectáculo, mas sim despertar a atenção do espectador para um problema social bem sério e preocupante. Os actores nunca entram em overacting, os equilíbrios emocionais de uma família devastada pela mágoa são tratados com sobriedade, e os alertas que a película dispara são muito pertinentes e nada forçados. O quarteto formado por Liberato, Owen, Keener e Viola Davis (na pele da psicóloga de serviço) é particularmente soberbo. Nenhum deles comete excessos artificiais que prejudicam a empatia com a audiência, brindando-nos com interpretações sólidas, fortes e, acima de tudo, credíveis. E sem ser demasiado espalhafatoso, Schwimmer faz passar a sua mensagem com a classe e a sobriedade que se exigia perante um tema tão espinhoso como este.
Este é o tipo de filmes para os quais se deveriam realizar excursões e visitas de estudo. Pais de todo o país, se tiverem filhos entre os 10 e os 20 anos de idade, façam um esforço para obrigá-los a esquecer um pouco as explosões de “Fast Five” e levem-nos a ver este “Trust”. É certo que a maior parte deles vai achar que o filme não tem nada para lhes dizer. Mas se pelo menos dois ou três jovens captarem a mensagem que está aqui presente, então o esforço de Schwimmer e companhia não terá sido em vão. E como adultos que somos, temos a obrigação de chamar a atenção da juventude para os perigos da Internet e das redes sociais. Por muito que eles nos julguem “cotas”, ou seres de um planeta bem distante.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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2 Comentários

  1. Boa crítica Rui Madureira! Como sempre, ricamente fundamentada.
    É justo, contudo, elogiar a dupla guinista Andy Bellin-Robert Festinger pelo excelente trabalho com o argumento do filme, sem o qual Schwimmer não teria triunfado na realização. De facto, a recusa do happy ending agradou-me particularmente neste filme.

    Parabéns pelo trabalho. Sou seguidor assíduo.

    Rúben Serrano

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  2. Uma coisa que observei no filme, nos créditos, é a cena do estuprador convivendo com a família, mostra que qualquer um pode fazer coisas horríveis assim, que não se deve olhar pela faixada.

    Mostrar esse filme nas escolas seria útil, mas um problema é que as pessoas sempre pensam que isso nunca aconteceria com elas, mesmo com tantas informações sobre, sabendo que existe.

    Eu chorei no filme do começo ao fim. Filme bom a gente busca mais informações sobre né :D

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