O Portal Cinema esteve à conversa com a realizadora/ documentarista britânica Kim Longinotto, cuja carreira está a ser alvo de uma retrospetiva em Portugal. Os seus filmes já foram exibidos no Porto e estão agora a ser exibidos em Lisboa. Os seus filmes vão também passar por Barcelos (17 de Abril) e Funchal (22 de Abril a 20 de Maio). Leia agora a entrevista:
Portal Cinema - Porque é que escolheu uma carreira na indústria do cinema? Tinha planeado seguir outra profissão?
Kim Longinotto – Eu sempre quis ser escritora. A leitura sempre foi um conforto para mim, especialmente durante a minha infância. Eu gostava muito de escrever as minhas próprias histórias de ficção e foi por isso que decidi tirar um curso de literatura. Só quando comecei a minha carreira universitária é que me apercebi que não tinha talento nenhum para a escrita. Foi por isso que me tornei realizadora, porque assim posso contar histórias variadas sem tem que dar uso à minha imaginação.
PC – É mundialmente conhecida como documentarista, mas já pensou em fazer um filme de ficção?
KL – A realidade parece ser muito mais reveladora e maravilhosa do que qualquer coisa que eu possa algum dia imaginar. Para lhe dar um exemplo, eu nunca teria conseguido idealizar ou escrever o magnífico discurso que a menina Parniz fez em “Divorce Iranian Style”. As pessoas vêm esse discurso e pensam que foi treinado, mas realmente não foi. Se eu tivesse planeado algo do género, as pessoas poderiam pensar que não era credível uma criança de seis anos mostrar tanta sabedoria e compaixão num discurso.
PC - É difícil ser uma realizadora feminista no seio de uma indústria competitiva e ainda muito machista?
KL - Eu acho que todos os filmes são um enorme desafio, independentemente do teu género. Eu admito que ainda sinto algum receio de toda a responsabilidade que assumo nos meus filmes.
PC - A Kim considera-se uma feminista?
KL – Quando conheces uma série de mulher extraordinárias que estão preparadas para lutarem contra as probabilidades, então percebes que todos os seres humanos merecem direitos iguais. Eu acho que isso não é feminismo.
PC – É conhecida pelos seus fortes documentários sobre questões sociais que envolvem, maioritariamente, a opressão e descriminação de mulheres em todo o mundo. Porque é que este tema é tão importante para si?
KL – Eu quero contar histórias dramáticas que, por sua vez, possam desempenhar algum tipo de papel na progressiva transformação das mentalidades dos habitantes dos lugares onde filmo. É isso que importa.
PC – A grande parte dos seus filmes levanta muitas questões políticas. Já alguma vez sentiu pressões durante as filmagens dos seus documentários?
KL – Às vezes a pior coisa é mesmo o meu próprio sentimento de inadequação. Eu tenho muito medo de desiludir todas as corajosas pessoas que aparecem nos meus filmes. A coragem é toda delas, porque eu limito-me a filmar. É muito difícil combater as tradições e a cultura estabelecida. Às vezes parece mesmo uma batalha inglória, devido aos costumes sexistas de obediência que estão em prática à muitos séculos. É também difícil combater ou criticar a própria família das mulheres, porque esta pode sempre isolar ou abandonar a vítima. É por isso que fico constantemente surpresa com a coragem de algumas pessoas, muitas das quais não têm qualquer tipo de educação escolar.
PC – Qual foi o documentário mais difícil de filmar?
KL – Todos eles foram difíceis à sua maneira.
PC – É difícil encontra alguém que queira financiar os seus documentários? A atual crise financeira teve muito impacto nas suas ambições e filmes?
KL - Sim. É sempre difícil encontrar pessoas que queiram financiar os meus filmes, porque não posso garantir nada. Os investidores têm sempre que ter muita fé no meu trabalho. Eu não lhes posso dar um argumento ou um projeto elaborado, o máximo que lhes posso dar é uma ideia ou um sonho. Eu tenho tido muita sorte até agora, porque tenho tido a oportunidade de trabalhar com a Comissão de Editores, mas isto pode mudar a qualquer altura.
PC – Que tipo de trabalho preparatório costuma fazer antes de começar a filmar um novo documentário?
KL – Eu habitualmente exploro uma história à medida que a filmo. As histórias reais têm sempre o poder de nos confundir e maravilhar à medida que as abordamos. É claro que antes de filmar leio bastante sobre o tema, mas os documentários refelctem sempre mais reviravoltas e camadas de informação do que aquelas que poderia imaginar.
PC – Qual foi para si o ponto mais alto da sua carreira até agora?
KL – O ponto mais alto, para mim, é sempre aquele momento marcante que acabou de acontecer. Por isso tenho que dizer que o meu mais recente ponto alto foi a minha passagem pelo Porto, onde fui muito bem recebida pelo público portuense. Eles gostaram muito do meu trabalho e conseguiram perceber todas as suas camadas sociais. Eu acho até que se conseguiram relacionar com as personagens dos filmes.
PC – Quais são as suas maiores influências nesta indústria?
KL – Eu senti-me inspirada quando vi alguns filmes recentes como “Kid With a Bike”, dos Irmãos Dardene; “Pan’s Labyrinth”, de Guillermo Del Toro e “Treeless Mountain”, de So Yong Kim. Eu também adoro o filme “Lives of Others”, que, para mim, é um produto bastante marcante. Eu também gosto muito do “Fucking Amaral”, do Lucas Moodysoon. A nível de séries, confesso que estou viciada em “Os Bórgias”, e lamento profundamente que só me falte ver mais um episódio. Vou sentir muita falta dela. Também gosto bastante de “Girls”, “Breaking Bad” e “Mad Men”.
PC – O que acha do papel das redes sociais na sociedade atual? Faz uso do Facebook ou Twitter?
KL - Eu confesso que sou viciada no Facebook. É uma forma maravilhosa de manter contacto com todos os nossos conhecidos. São também muito úteis, porque apanho muitos artigos interessantes no Facebook e Twitter.
PC – Já teve oportunidade de visitar o Porto. O que achou?
KL – Eu adorei o Porto. Eu senti-me muito feliz. É uma cidade maravilhosa e muito bonita. Os habitantes são muito carinhosos. Eu gostei particularmente de apreciar o mar e a sua força, quando estava a tomar café à beira-mar.
PC – A sua filmografia é muito vasta. Tem algum trabalho preferido?
KL – Não. Eu sinto-me atraída e envolvida por todos os meus filmes, porque ainda me sinto próxima a todas as pessoas que aparecem neles. São todos uma parte intima da minha vida.
PC – O seu novo filme chama-se “Salma”. É um documentário sobre uma menina muçulmana que luta diariamente contra as tradições repressivas da sua cultura. O que é que nos pode dizer sobre este filme?
KL – Eu fiquei muito inspirada quando ouvi a história da Salma. Há milhões de meninas em todo o mundo que, tal como a Salma, não têm ninguém que fale por elas e que, subitamente, desaparecem do mapa. Este tipo de crianças são as pessoas mais vulneráveis das suas respetivas comunidades. A Salma esteve fechada numa casa desde os treze anos e, mesmo assim, ousou desafiar as tradições da sua vila. Ela é uma inspiração para todas as raparigas que estão na mesma situação que ela, mas também é uma inspiração para todos nós. Os poemas que ela escreveu conseguem captar a imaginação de todos os que os leem. Eu acho que os filmes, tal como os livros, conseguem mudar opiniões e até incitar revoluções culturais. Os filmes podem portanto levar a novos pensamentos que sejam mais moderados que deem início a uma nova onda de valores morais. Eles conseguem fazer com que as pessoas questionem os seus ideais e adotem novos. A Salma teve a coragem para falar, através dos seus poemas, contra a sua cultura e tradição, onde as mulheres não têm opinião sobre o seu destino. Todos nós podemos aprender com ela.
PC – O que nos pode dizer sobre o seu próximo trabalho.
LL – Posso dizer que vai ser filmado em Chicago (EUA) e que será inteiramente falado em inglês. Estou muito contente com isso. Espero que seja bem recebido por todos.
Portal Cinema - Porque é que escolheu uma carreira na indústria do cinema? Tinha planeado seguir outra profissão?
Kim Longinotto – Eu sempre quis ser escritora. A leitura sempre foi um conforto para mim, especialmente durante a minha infância. Eu gostava muito de escrever as minhas próprias histórias de ficção e foi por isso que decidi tirar um curso de literatura. Só quando comecei a minha carreira universitária é que me apercebi que não tinha talento nenhum para a escrita. Foi por isso que me tornei realizadora, porque assim posso contar histórias variadas sem tem que dar uso à minha imaginação.
PC – É mundialmente conhecida como documentarista, mas já pensou em fazer um filme de ficção?
KL – A realidade parece ser muito mais reveladora e maravilhosa do que qualquer coisa que eu possa algum dia imaginar. Para lhe dar um exemplo, eu nunca teria conseguido idealizar ou escrever o magnífico discurso que a menina Parniz fez em “Divorce Iranian Style”. As pessoas vêm esse discurso e pensam que foi treinado, mas realmente não foi. Se eu tivesse planeado algo do género, as pessoas poderiam pensar que não era credível uma criança de seis anos mostrar tanta sabedoria e compaixão num discurso.
PC - É difícil ser uma realizadora feminista no seio de uma indústria competitiva e ainda muito machista?
KL - Eu acho que todos os filmes são um enorme desafio, independentemente do teu género. Eu admito que ainda sinto algum receio de toda a responsabilidade que assumo nos meus filmes.
PC - A Kim considera-se uma feminista?
KL – Quando conheces uma série de mulher extraordinárias que estão preparadas para lutarem contra as probabilidades, então percebes que todos os seres humanos merecem direitos iguais. Eu acho que isso não é feminismo.
PC – É conhecida pelos seus fortes documentários sobre questões sociais que envolvem, maioritariamente, a opressão e descriminação de mulheres em todo o mundo. Porque é que este tema é tão importante para si?
KL – Eu quero contar histórias dramáticas que, por sua vez, possam desempenhar algum tipo de papel na progressiva transformação das mentalidades dos habitantes dos lugares onde filmo. É isso que importa.
PC – A grande parte dos seus filmes levanta muitas questões políticas. Já alguma vez sentiu pressões durante as filmagens dos seus documentários?
KL – Às vezes a pior coisa é mesmo o meu próprio sentimento de inadequação. Eu tenho muito medo de desiludir todas as corajosas pessoas que aparecem nos meus filmes. A coragem é toda delas, porque eu limito-me a filmar. É muito difícil combater as tradições e a cultura estabelecida. Às vezes parece mesmo uma batalha inglória, devido aos costumes sexistas de obediência que estão em prática à muitos séculos. É também difícil combater ou criticar a própria família das mulheres, porque esta pode sempre isolar ou abandonar a vítima. É por isso que fico constantemente surpresa com a coragem de algumas pessoas, muitas das quais não têm qualquer tipo de educação escolar.
PC – Qual foi o documentário mais difícil de filmar?
KL – Todos eles foram difíceis à sua maneira.
PC – É difícil encontra alguém que queira financiar os seus documentários? A atual crise financeira teve muito impacto nas suas ambições e filmes?
KL - Sim. É sempre difícil encontrar pessoas que queiram financiar os meus filmes, porque não posso garantir nada. Os investidores têm sempre que ter muita fé no meu trabalho. Eu não lhes posso dar um argumento ou um projeto elaborado, o máximo que lhes posso dar é uma ideia ou um sonho. Eu tenho tido muita sorte até agora, porque tenho tido a oportunidade de trabalhar com a Comissão de Editores, mas isto pode mudar a qualquer altura.
PC – Que tipo de trabalho preparatório costuma fazer antes de começar a filmar um novo documentário?
KL – Eu habitualmente exploro uma história à medida que a filmo. As histórias reais têm sempre o poder de nos confundir e maravilhar à medida que as abordamos. É claro que antes de filmar leio bastante sobre o tema, mas os documentários refelctem sempre mais reviravoltas e camadas de informação do que aquelas que poderia imaginar.
PC – Qual foi para si o ponto mais alto da sua carreira até agora?
KL – O ponto mais alto, para mim, é sempre aquele momento marcante que acabou de acontecer. Por isso tenho que dizer que o meu mais recente ponto alto foi a minha passagem pelo Porto, onde fui muito bem recebida pelo público portuense. Eles gostaram muito do meu trabalho e conseguiram perceber todas as suas camadas sociais. Eu acho até que se conseguiram relacionar com as personagens dos filmes.
PC – Quais são as suas maiores influências nesta indústria?
KL – Eu senti-me inspirada quando vi alguns filmes recentes como “Kid With a Bike”, dos Irmãos Dardene; “Pan’s Labyrinth”, de Guillermo Del Toro e “Treeless Mountain”, de So Yong Kim. Eu também adoro o filme “Lives of Others”, que, para mim, é um produto bastante marcante. Eu também gosto muito do “Fucking Amaral”, do Lucas Moodysoon. A nível de séries, confesso que estou viciada em “Os Bórgias”, e lamento profundamente que só me falte ver mais um episódio. Vou sentir muita falta dela. Também gosto bastante de “Girls”, “Breaking Bad” e “Mad Men”.
PC – O que acha do papel das redes sociais na sociedade atual? Faz uso do Facebook ou Twitter?
KL - Eu confesso que sou viciada no Facebook. É uma forma maravilhosa de manter contacto com todos os nossos conhecidos. São também muito úteis, porque apanho muitos artigos interessantes no Facebook e Twitter.
PC – Já teve oportunidade de visitar o Porto. O que achou?
KL – Eu adorei o Porto. Eu senti-me muito feliz. É uma cidade maravilhosa e muito bonita. Os habitantes são muito carinhosos. Eu gostei particularmente de apreciar o mar e a sua força, quando estava a tomar café à beira-mar.
PC – A sua filmografia é muito vasta. Tem algum trabalho preferido?
KL – Não. Eu sinto-me atraída e envolvida por todos os meus filmes, porque ainda me sinto próxima a todas as pessoas que aparecem neles. São todos uma parte intima da minha vida.
PC – O seu novo filme chama-se “Salma”. É um documentário sobre uma menina muçulmana que luta diariamente contra as tradições repressivas da sua cultura. O que é que nos pode dizer sobre este filme?
KL – Eu fiquei muito inspirada quando ouvi a história da Salma. Há milhões de meninas em todo o mundo que, tal como a Salma, não têm ninguém que fale por elas e que, subitamente, desaparecem do mapa. Este tipo de crianças são as pessoas mais vulneráveis das suas respetivas comunidades. A Salma esteve fechada numa casa desde os treze anos e, mesmo assim, ousou desafiar as tradições da sua vila. Ela é uma inspiração para todas as raparigas que estão na mesma situação que ela, mas também é uma inspiração para todos nós. Os poemas que ela escreveu conseguem captar a imaginação de todos os que os leem. Eu acho que os filmes, tal como os livros, conseguem mudar opiniões e até incitar revoluções culturais. Os filmes podem portanto levar a novos pensamentos que sejam mais moderados que deem início a uma nova onda de valores morais. Eles conseguem fazer com que as pessoas questionem os seus ideais e adotem novos. A Salma teve a coragem para falar, através dos seus poemas, contra a sua cultura e tradição, onde as mulheres não têm opinião sobre o seu destino. Todos nós podemos aprender com ela.
PC – O que nos pode dizer sobre o seu próximo trabalho.
LL – Posso dizer que vai ser filmado em Chicago (EUA) e que será inteiramente falado em inglês. Estou muito contente com isso. Espero que seja bem recebido por todos.
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