O Festival Queer Lisboa 2013 já arrancou na passada quinta-feira, 20 de Setembro, em Lisboa, por isso o Portal Cinema decidiu sentar-se à conversa com João Ferreira, o Director Artístico do Queer Lisboa, que nos falou um pouco sobre a organização deste certame e o que podemos esperar da edição deste ano deste particular festival nacional com uma temática dedicada ao género queer. O Queer Lisboa vai prolongar-se até ao próximo dia 28 de Setembro no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Portal Cinema (PC) - A edição deste ano do Queer Lisboa tem algum tema central? Foi difícil escolher os filmes que irão participar nas três competições oficiais, ou os que irão ser exibidos nas outras secções do festival?
Queer Lisboa (QL) - Não existiu, à partida, um tema na construção do programa deste ano. Apesar de o Festival, nos seus primeiros anos, ter tido sempre um tema, sentimos, com o tempo, que isso poderia restringir um pouco a selecção. O que frequentemente acontece é, fechada a programação, ao olharmos o programa no seu todo, acaba por haver um denominador comum a muitos dos filmes seleccionados. Este ano diria que há uma prevalência de filmes que mostram uma preocupação sobre a actual crise económica na Europa e a forma como ela está a afectar as diversas comunidades minoritárias. Em relação à escolha dos filmes, os nossos programadores visionaram mais de 700 filmes este ano e a escolha foi difícil, sim. Temos sempre vontade de incluir mais filmes, mas por outro lado, é este exercício de selecção que é aliciante.
PC - A maior parte dos filmes da Competição de Longas-Metragens da Edição de 2013 do Queer Lisboa parecem focar-se na juventude, mas é claro que todos os filmes têm as suas próprias especificações. Foi difícil fazer esta seleção? O que é que o público pode esperar desta competição?
QL - Há de facto uma prevalência nas temáticas da juventude na competição das longas-metragens. Filmes como o "Silent Youth2 ou o "Noches de Espera" são interessantes de analisar tendo em conta o que durante anos foi o cinema do coming of age e de como ele tratava o despertar da sexualidade gay e lésbica. Estes filmes mostram como se evoluiu neste género, o que é um reflexo também de como a sexualidade é hoje vivida de forma diferente. Tivemos muitas opções para poder chegar a estes 10 títulos, mas acredito que conseguimos um conjunto coeso e ecléctico, que atravessa vários géneros e estéticas. Várias formas de ver o mundo.
PC - Já a Competição de Curtas-Metragens parece incluir projetos mais diversificados, que até incluem obras do género humorístico, experimental e de animação. Há algum destaque particular dentro desta competição?
QL - A realidade da produção de filmes em formato de curta-metragem tem sido um terreno muito fértil para a criatividade, sobretudo, de jovens realizadores. É um formato que permite experimentar diferentes histórias e permite aos realizadores ensaiarem as suas linguagens. É também um formato onde hoje alguns realizadores se consagram. Daí a escolha para esta competição ser na ordem de várias centenas de produções e o resultado da selecção ser uma mostra que inclui muitas linguagens. Destacaria, por exemplo, a curta "Undress Me", exemplo de um uso exímio do tempo da curta-metragem e das potencialidades deste formato. Ou o "Open Letter", onde num terreno mais experimental se consegue ver a forma privilegiada como este formato interage com as novas linguagens audiovisuais.
PC - Entre os projetos que estão inseridos na Competição de Melhor Documentário, “Interior. Leather Bar”, parece ser o mais popular junto do público, mas que outros filmes destacam nesta competição?
QL - Sim, é verdade que existe uma grande expectativa em relação ao "Interior. Leather Bar". Mais uma vez, é um programa bastante diversificado. Destacaria, por exemplo, o "I Am Divine", por dar a conhecer uma figura incontornável da cultura queer norte-americana e por nos dar a conhecer um pouco mais do universo do John Waters. Ou, por exemplo, o "Uncle Bob", por nos apresentar um dispositivo muito original na forma de relatar a história e de abordagem ao seu sujeito.
PC - O documentário “Continental”, de Malcolm Ingram , foi o escolhido para abrir o Queer deste ano. O que motivou esta escolha?
QL - Optámos por abrir o Festival este ano com este documentário, por vários motivos. Por um lado, desde a primeira edição, em 1997, quando apresentámos o "The Celluloid Closet", que não apresentámos um documentário na noite de abertura. Por outro, este filme é muito emblemático daquilo que representa a cultura queer, uma cultura baseada na experiência do desejo e que cedo se construiu como inclusiva. O "Continental" fala-nos sobre a sauna do mesmo nome, que abriu em Nova Iorque na segunda metade dos anos 1960 e que depressa se abriu ao público em geral, pela divulgação e promoção de diversos artistas, o que a coloca num plano muito particular de diferentes leituras.
PC - Já o drama israelita “Out in the Dark”, de Michael Mayer , foi escolhido para ser o filme de encerramento do festival. A história forte e socialmente relevante do filme esteve na base desta escolha?
QL - Sim, optámos por uma ficção com um forte apelo comercial, mas que ao mesmo tempo é um retrato de como as ideologias são ainda um entrave à livre expressão da sexualidade. Apesar de o tema das relações entre israelitas e palestinianos ter já sido explorada variadas vezes no cinema queer, acreditamos que este "Out in the Dark" tem um forte apelo a um público muito diversificado, pela sua construção narrativa muito clássica e eficaz.
PC - Um dos grandes destaques desta edição parece ser o filme português “E Agora? Lembra-me”, de Joaquim Pinto, que recentemente foi premiado no Festival de Locarno. O que esperam de exibição desta longa-metragem no Queer?
QL - O Joaquim Pinto é responsável por ter assinado algumas das mais emblemáticas ficções do cinema português de final da década de 80 e início de 90 e o Festival tem já uma longa relação com o seu cinema. Por tudo isto, a nossa expectativa e alegria são muito grandes em poder estrear o filme em Portugal. Para além desta perspectiva mais pessoal, acredito que este é um documentário particularmente importante e relevante nos tempos que correm. O Joaquim Pinto parte de uma história que é a sua e dos seus tratamentos experimentais para a Hepatite C, seguindo daí para um plano mais universal, onde se fala sobre temas como a memória ou a globalização. É um trabalho belíssimo que merece toda a divulgação e projecção possíveis.
PC - Para além deste filme português, há muitos outros que estão presentes nas várias secções do festival. Há algum destaque em particular entre esses projetos nacionais?
QL - Sim, felizmente, cada vez mais temos a presença de filmes portugueses de temática queer nas várias secções do Festival. Destacaria, por exemplo, o "O Corpo de Afonso", do João Pedro Rodrigues, que faz uma muito original abordagem ao mito de D. Afonso Henriques, ao organizar um casting na Galiza procurando materializar o que seriam as medidas desmesuradas do seu corpo. Esta tentativa de reencarnação do fundador do país acaba por ser um cru retrato da realidade social ibérica, dos seus problemas de emprego, nomeadamente. É, sem dúvida, um dos pontos fortes da nossa programação.
PC - Tendo em conta a programação deste ano e das edições anteriores, acham que os cinéfilos portugueses estão, cada vez mais, a apostar em filmes com temática homossexual?
QL - Penso que, acima de tudo, se quebraram uma série de preconceitos por parte dos espectadores em relação ao Festival. O "Filadélfia" abriu lugar a outros filmes como o "Brokeback Mountain", que fizeram o circuito comercial e que acabaram por contribuir para uma desmistificação do público em relação à abordagem destas temáticas no cinema. Embora, para nós, enquanto Festival, não nos interesse particularmente o cinema comercial, reconhecemos a sua importância neste sentido e o facto de estes mesmos filmes abrirem caminho a que os espectadores possam, no Festival, descobrir outros cinemas que vão mais além na exploração de temáticas e estéticas queer.
PC - A maior parte dos festivais nacionais queixa-se da falta de verbas para realizar um evento à altura das expetativas dos espetadores. O Queer Lisboa também tem esses problemas financeiros? Quais são as vossas expetativas, a nível de números, que têm para esta edição? Há alguma barreira específica que desejem quebrar?
QL - Nestes últimos anos, conseguimos alguma solidez de apoios que nos permite pensar o Festival a longo prazo e fazer com que cada edição tenha a garantia de qualidade que pretendemos para o nosso programa. É claro que gostaríamos de ter um maior orçamento que nos permitisse realizar mais secções, trazer mais convidados, ter uma equipa permanente maior. Mas acredito também que um Festival tem de ser feito à dimensão do seu orçamento e que deve sempre ser criativo na forma como gere a sua programação. Acredito que temos ido ao encontro das expectativas dos nossos espectadores e esperamos continuar a caminhar na direcção de conseguir 10.000 espectadores por edição.
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