Crítica - Noah (2014)

Realizado por Darren Aronofsky
Com Anthony Hopkins, Russell Crowe, Emma Watson 

Vamos por partes, “Noah” não é o típico blockbuster apocalíptico e explosivo de Hollywood, nem é aquele clássico projeto bíblico de índole religiosa e espiritual. No fundo, “Noah” pode ser classificado como um cruzamento singular, mas sem qualquer peculiaridade extraordinária, entre estes dois géneros cinematográficos, porque embora “Noah” capriche bastante numa componente espiritual direcionada para uma lógica subjetiva mais religiosa e amplamente moralista, também é certo que capricha de igual forma numa poderosa componente técnica que provém diretamente da visão espetacular da própria história religiosa que está na sua base e que, em virtude do seu inerente espirito de fantasia e aventura, propiciou a criação de um par de sequências de ação explosivas, que foram arquitetadas com mestria por Darren Aronofsky, que lhes incutiu um certo esplendor visual que apela, com um designativo rasgo de poderio técnico, à imaginação e à possibilidade de entretenimento do espectador, seja ele uma pessoa religiosa ou não.
O problema é que “Noah” não é, para os mais religiosos, aquele poderoso filme bíblico que se esperava, nem é, para o público mais secular ou direcionado para os blockbusters, aquele mega projeto de encher o olho e repleto de sequências que, cruzadas com um guião curioso, conseguem entreter e distrair qualquer um sem qualquer problema ao longo de aproximadamente duas horas e meia. É pena, mas esta dicotomia aparentemente positiva foi fatal para “Noah”. 


Há que apreciar, na sua maioria, o trabalho técnico de Aronofsky, que aproveitou a base espetacular e alegórica da história da Arca de Noé para criar um ambiente apocalíptico muito negro e congruente com o desenvolvimento do argumento, que beneficia constantemente das injeções de adrenalina e ação provocadas por várias sequências de ação ou catástrofe que conferem a este projeto uma por vezes tão necessária energia. O problema é que, excetuando um ou outro rasgo mais distinto de sequências que conseguem exibir com primor esta componente de espetacularidade, como acontece por exemplo com a sequência completa que ilustra o início do Grande Diluvio, pouco mais há em “Noah” que nos consiga prender, com tamanha atenção e veemência, ao ecrã. É claro que todo o filme é dotado de uma fotografia espetacularmente bela e de um espirito técnico caprichado, que puxa bem pelos mais de cento e vinte milhões de dólares do seu orçamento, mas no final do dia, a componente comercial e aventurosa desta mega produção não é assim tão grandiosa, nem puxa assim tanto pelo entretenimento do grande público. É claro que é difícil ignorar ou não apreciar a perfeição do trabalho digital presente na criação de certos elementos, como as múltiplas espécies de animais ou alguns cenários portentosos, como também é difícil não ficar espantado com os pitorescos cenários reais das planícies vulcânicas da Islândia, onde “Noah” foi gravado, mas embora sejam bons pormenores dignos de elogios, não conseguem puxar o filme para um terreno mais glorioso e de singularidade estonteante, especialmente ao nível do entretenimento, mas também ao nível da sua componente técnica. É porque no meio de tanto esplendor visual, há algumas coisas que não são assim tão magistrais, como por exemplo o design dos apelidados “Vigilantes” que, como tão bem alguém os descreveu, ora parecem Transformers de pedra, ora parecem Seres Celestiais saídos de um fraquinho filme de animação. O mesmo pode ser dito de uma das sequências mais confusas e pobremente construídas de um filme por vezes tão perfeito, ou seja, aquela sequência onde Noé visita o acampamento humano e assiste a uma espécie de mutilação animal que, por falta de melhores imagens descritivas, parece saída de um projeto estudantil sem qualquer orçamento. 
A parte narrativa de “Noah” também não é tão dilacerante ou cativante como se previa. Baseada na história da Arca de Noé, que está descrita ao pormenor no Génesis, o primeiro livro quer da Bíblia Hebraica, quer da Bíblia Cristã, a trama de “Noah” desenrola-se num passado distante, várias gerações após o aparecimento de Adão e Eva,  quando Deus decidiu destruir o mundo por causa da crescente perversidade do Homem, mas antes de avançar em pleno com o seu plano apocalíptico de varrer o planeta com um grande diluvio que irá purifica-lo e livrá-lo da perversidade, Deus decidiu avisar Noé, um dos últimos descendentes de Set, o terceiro filho de Adão e Eva, e o único homem justo da sociedade humana. O grande Criador impendeu Noé de construir uma grande arca para salvar a sua família e os representantes de todas as espécies de animais, ordem essa que ele acatou sem qualquer hesitação e que acabou por salvá-lo e permitir à Humanidade recomeçar de novo após o grande dilúvio.
É assim que se pode resumir, em traços genéricos, a história que é retratada por “Noah”, que é portanto descrito como um épico bíblico que, para mim, joga com a grande vantagem de não ser parecido com aqueles típicos filmes religiosos recheados de vigorosas lições espirituais sobre importâncias basilares e existenciais relativas ao Divino ou à Humanidade. É óbvio que tal facto joga a favor deste projeto, porque o aproxima do público geral, no entanto, admito que ao optarem por um rumo menos aguerrido do ponto de vista religioso, os produtores de “Noah” acabaram por irritar e desiludir os espectadores mais religiosos que, por ventura, esperariam algo mais próximo da visão celestial que é retratada pelo Velho Testamento da Bíblia, no entanto, acho que poucos podem criticar as opções criativas relativas à atenuação do palavreado espiritual e das referências religiosas. É claro que “Noah” aposta, ainda assim, num argumento bem moralista do ponto de vista religioso, já que, como não poderia deixar de ser, aposta forte na promoção de mensagens espirituais referentes a um código de ética e moralidade que está presente no código genético das religiões, ou seja, um código que reflete a imperfeição da Humanidade e a perfeição do Divino, que com a sua ideia de justiça e compaixão, tenta corrigir os erros ou castigar a perversidade do Homem. É precisamente esta ideia que ressalva da narrativa deste projeto, que mesmo sem apostar forte na visão mais purista da história que retrata, acaba por não capitalizar ao máximo o seu potencial dramático, bélico e fantasioso. Isto leva a que “Noah” seja, por vezes, uma experiência tediosa sem qualquer chama, sobretudo nos seus primeiros trinta minutos, quando ainda estamos na fase preparatória do Grande Dilúvio, ou até quando atingimos a sua última parte, já que após o Grande Dilúvio, “Noah” parece desligar a ficha da energia e passa a ser uma experiência cansativa sem qualquer intensidade, exceção feita claro a uma cena peculiar e bem particular, onde Noé vê-se a braços com um dilema complexo. Só a parte intermédia é que convence, desafia e entretém, porque tudo o resto pouco satisfaz qualquer vertente de público. 


E isto que é “Noah”, um projeto razoável que, infelizmente, não fez justiça ao que pessoalmente esperava dele, mas que apesar de tudo, tem alguns bons momentos e alguns elementos que conseguem brilhar, como os aspetos técnicos ou até o elenco, onde Russell Crowe mostra uma clara proficiência profissional na pele da figura bíblica Noé, tal como Jennifer Connelly, na pele da sua esposa. E embora seja um filme razoável, será que “Noah” conseguirá ser o melhor épico bíblico de 2014? É que convém não esquecer que este ano ainda teremos a estreia do épico “Exodus”, que abordará a história de Moisés.

Classificação - 3 Estrelas em 5

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