Crítica - Enemy (2013)


Realizado por Denis Villeneuve 
Com Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon 

A estreia mundial de “Enemy” no Festival de Toronto em 2013 deixou boas indicações junto da imprensa e, confesso, despertou-me de imediato alguma curiosidade, aliás já me sentia curioso relativamente a este projeto desde que o mesmo foi formalmente anunciado, afinal de contas trata-se de uma adaptação cinematográfica do romance “Homem Duplicado”, que foi escrito em 2002 pelo consagrado e infelizmente já falecido escritor português José Saramago, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1998. A estreia nacional desta peculiar longa metragem peca um pouco por tardia, mas pelo menos este novo projeto de Denis Villeneuve conseguiu chegar às salas de cinema, onde não se espera, como é óbvio, que consiga arrastar multidões de portugueses, porque apesar de ter na sua base um romance de um dos mais consagrados escritores portugueses da história da literatura, não há como negar que, na sua génese, estamos perante um daqueles filmes peculiares e subjetivos que, por muito competente que seja, acaba por ser um tanto ou quanto divergente na forma como apela ou compele o público.
A primeira coisa que admito é que, com muita pena minha, nunca tive a oportunidade de ler o referido livro de José Saramago, mas após ler um breve resumo do mesmo, admito que esta adaptação cinematográfica dirigida pelo sempre competente Denis Villeneuve parace ser relativamente fiel. É claro que esta presunção é baseada num pequeno resumo, por isso vou-me escusar de fazer comparações entre o livro e este thriller, prendendo-me portanto e apenas à análise deste último que, fora a sua extravagante narrativa e uma poderosa realização, beneficia também de uma performance plena de garra por parte de Jake Gyllenhaal, que assume em “Enemy” uma dupla prestação de grande qualidade na pele dos dois protagonistas: Adam e Anthony, duas pessoas exatamente iguais do ponto de vista físico que descobrem, por mero acaso, a existência um do outro, algo que eventualmente promove uma série de consequências imprevisíveis para as suas vidas, mas também para as suas companheiras: Mary e Helen, que são respetivamente interpretadas, com um amplo toque de sensualidade e feminismo, pelas esbeltas Mélanie Laurent e Sarah Gadon.

  

É complicado assimilar os objetivos e os primores da sua intriga, já que somos confrontados com múltiplas variáveis extravagantes e esquivas que nos fazem, pelo meio, pensar muito sobre o que se está a passar no grande ecrã e como é que a história irá acabar. A jornada de Adam até ao ponto em que conhece Anthony, o seu duplo, é pautada por um elevado suspense e por um ritmo de elevada intriga, já que nunca se consegue saber ao certo se estamos perante uma realidade objetiva ou se tudo o que estamos a presenciar não passa de um desvaneio mental do aparentemente introvertido e confuso Adam, que desde cedo aparenta ser uma pessoa mentalmente instável que, pelo meio do filme e apesar dos seus problemas, acaba por se revelar uma pessoa completamente diferente do seu duplo, que nos é retratado como um homem extravagante e predador com algum tipo de complexo mental. A partir do momento em que os dois “gémeos” ficam cara a cara, parece que a teoria relativa à bipolaridade ou a qualquer outra doença de personalidade cai por terra, mas no que toca a “Enemy” é impossível negar, desde logo, qualquer teoria porque, nem mesmo no final, conseguimos receber uma resposta conclusiva e concreta para a existência da duplicação de um homem, algo que até acaba por ser uma das suas principais atrações. A partir portanto do encontro entre os duplos, “Enemy” passa rapidamente de um thriller psicológico mais subjetivo e repleto de possibilidades, para um projeto com uma dimensão mais compassada que se direciona mais para a ação e menos para o aspeto cerebral da questão. Esta importante mudança de ritmo é motivada pelo inevitável confronto entre as personalidades antagónicas dos dois protagonistas, cujo tão esperado encontro despontou uma série de desejos, medos e expetativas em ambos que, posteriormente, tornam complicada a sua coexistência. A esta perigosa equação somam-se, a dada altura, as questões relativas às suas respetivas mulheres, que vêm acrescentar uma sedutora e sexualista dimensão à conturbada relação que passou a existir entre estes dois homens.
A conjugação do inerente suspense da trama com a interação proeminentemente encolerizada entre os dois protagonistas dá portanto azo a um filme muito competente do ponto de vista emocional, que prende também o espetador a uma componente intelectual altamente submersiva, já que para além de criar um puzzle bem competente relativo às possibilidades e impossibilidades físicas que nos fazem questionar a existência destes duplos, parece também criar uma dúvida quase freudiana relativamente ao positivismo e negativismo das ideias dos protagonistas em relação à presença um do outro, mas também à presença das duas mulheres que dominam os seus corações. A única coisa que, confesso, causa-me alguma estranheza negativa é a presença do ângulo do clube secreto, do qual Anthony parece ser um membro assíduo. Este ângulo aparece um pouco por todo o filme, mas tem um pouco mais de prevalência no seu início e na sua conclusão, estando por isso intimamente ligado às imagens aracnídeas que vão aparecendo em cena, mas admito que não percebo a sua lógica, pelo menos não na forma como é explorado. É claro que este ponto reforça a impossibilidade e subjetividade da intriga, já que puxa pelo mundo dos sonhos e da ilusão para reforçar um carácter de fantasia e sensualismo repleto de simbolismo, mas no fundo, não vejo como é que este ângulo estranho conseguiu melhorar ou cultivar esta longa metragem. O que sei é que, tal como “Blindness” (2008), a adaptação cinematográfica de “Ensaio Sobre a Cegueira”, outro romance de José Saramago, “Enemy” é bastante negro e psicológico, duas características próximas do estilo de Saramago, que mais uma vez foram bem captadas no grande ecrã, sendo que neste caso, Denis Villeneuve conseguiu ainda acrescentar uma dimensão extra de suspense que, claramente, encaixa muito bem numa intriga tão desejosa de certezas.

  Classificação - 3,5 Estrelas em 5

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6 Comentários

  1. Era bom que alguém conseguisse, de facto, explicar o simbolismo da aranha(s) neste filme, porque também eu não o percebi e, confesso, até me perturbou e desconcentrou em relação, talvez, a outros aspetos centrais do filme...

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    1. Correndo o perigo de soar a mais redutor, parece-me que a aranha (ou a tarântula) significa a pluralidade da escolha e o perigo dela adjacente. No início do filme, a tarântula aprece em tamanho real, quanto a mim a simbolizar as pequenas escolhas que o protagonista deve fazer, e no fim do filme já gigante, a simbolizar o perigo da escolha que está prestes a fazer e que levou à morte do seu duplicado.

      E já agora, a chave rpresenta a fuga da monotonia (ou das suas proprias escolhas) e é o ponto de ligação entre o início e o fim do filme, que dá uma volta em si mesmo. E depois o sapato de salto alto, que no início ameaça esmagar a tarântula (como se o vício do protagonista por mulheres fosse demasiado forte para que ele o conseguisse reprimir), e que vai aparecendo ao longo do filme (como os outros símbolos) numa espécie de mensagens subliminares.

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  2. Este filme foi uma grande surpresa! Denso, surreal e inteligente. Sem enveredar por spoilers, a cena final foi genial, e, apesar da estranheza imediata que provoca, é um final coerente, criativo e, na verdade inesquecível.
    FRED, sugiro que procure no youtube por "Enemy EXPLAINED - Movie Review (SPOILERS)", em que é abordada a simbologia dos vários elementos do filme, incluindo tomo o tema aracnídeo. Dou 4,5 estrelas ao filme, por ser algo fora do normal, sem perder solidez e a sobriedade.

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  3. Com spoilers:

    A aranha é o símbolo máximo de que o filme inteiro se passa dentro de um sonho. Um sonho louco com variações dentro de si mesmo.

    Começa como um grande sonho erótico e termina para caminhar nesse sentido.

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    1. Não pire. O filme antes de mais nada é uma adaptação do livro e o livro não tem menção alguma de sonho (nem de aranha besta! Parece que toda crítica que se faz ao filme é sem ter lido o livro). Nada a ver a aranha. No mínimo ridículo.

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  4. As aranhas, na minha opinião, representam a repressão ao instinto infiel do alter ego do professor (no caso, o ator), que apresenta um instinto sexual mais evidente, sugestivamente infiel e etc.

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