Crítica - Daliland (2023)

Realizado por Mary Haron

Com Ben Kingsley, Christopher Briney


Em "Dalíland", Mary Harron enfrenta o desafio de capturar a essência extravagante e algo controversa de Salvador Dalí, um artista cuja vida pública era uma performance constante e a vida privada um inesperado tumulto. Ambientado em 1973, "Daliland" segue James (Christopher Briney), um jovem assistente de uma galeria de arte que, no âmbito da preparação de uma exposição, navega pelo mundo caótico e extravagante do famoso pintor, interpretado aqui com excelência por Ben Kingsley.

A abordagem de Harron, embora ambiciosa, luta para penetrar as múltiplas camadas de artifício que Dalí construiu em torno de si próprio. Kingsley entrega uma performance convincente, encarnando a persona ostentosa que Dalí criou, mas o filme falha em revelar o homem por trás da máscara. Ao contrário da suas obras anteriores sobre figuras complexas, como Anna Nicole Smith (sim compreendo que pode ser estranho colocá-la no patamar de Dali, mas aqui falo da tarefa de adaptação da persona), Harron não consegue encontrar aquele Dalí que corresponde à mais pura da realidade, mas talvez encontra uma aproximação à fantasia. 

A utilização de James como uma lente para observar Dalí é uma escolha interessante, mas limitada. Esta personagem (inventada) funciona mais como um dispositivo narrativo do que como um personagem plenamente desenvolvido. Mas a falta de profundidade desta personagem acaba mesmo por torná-lo uma figura desinteressante e a certo ponto até inútil, especialmente quando o colocamos no mesmo plano da excêntrica comitiva de Dalí, que inclui a modelo e musa Amanda Lear (Andreja Pejić), o músico Alice Cooper (Mark McKenna) e a exigente esposa do pintor, Gala (Barbara Sukowa). Esta última acaba por ser a personagem que provavelmente deveria ter servido de apoio à de Dalí e, assim sendo, merecia ter sido mais desenvolvida. Retratada como uma narcisista monstruosa, Gala exerce uma influência formidável sobre Dalí, alternando entre o abuso emocional e físico, e uma motivação implacável para que ele continue a trabalhar. A sua personagem adiciona uma camada de conflito e complexidade à narrativa, destacando-se como uma força galvanizadora na vida do artista.

Um pormenor curioso sobre este drama é que, por ser uma obra não autorizada, não conseguimos ver em nenhum momento as obras reais do artista e, assim, estas não integram a chamada narrativa visual. Sem os direitos para exibir as suas obras, "Daliland" perde a oportunidade de deixar que a essência do trabalho do artista fale por si e, assim permeie o design visual. Um pormenor que pode passar despercebido, mas que no plano global acaba por retirar valor e credibilidade a este projeto. Em última análise, "Daliland" oferece uma visão intrigante, mas incompleta, daquele que é considerado um dos grandes génios surrealistas. Embora capture a extravagância da sua persona pública, falha em desvendar as camadas mais profundas da sua personalidade. Para um artista tão multifacetado quanto Dalí, "Daliland" parece, ironicamente, um pouco tímido e contido.


Crítica - 2,5 Estrelas em 5

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