Crítica - Wild (2014)

 
Realizado por Jean-Marc Vallée 
Com Reese Witherspoon, Thomas Sadoski, Michiel Huisman 

Um ano após o lançamento do consagrado drama "Dallas Buyers Club" (2013), que valeu respectivamente a Matthew McConaughey e a Jared Leto os Óscares de Melhor Ator Principal e Melhor Ator Secundário, Jean-Marc Vallée regressa mais uma vez ao topo de Hollywood com "Wild", um poderoso drama extremamente penetrante do ponto de vista humano e emocional que é baseado numa história genuína, onde a nem sempre competente e por vezes mediana Reese Witherspoon surpreende tudo e todos com uma performance magistral no papel de Cheryl Strayed, uma mulher de meia idade que perdeu toda a esperança após a inesperada morte da sua mãe (interpretada com simplicidade e qualidade por Laura Dern) e a esperada separação do seu marido (interpretado com descrição por Thomas Sadoski). O seu imenso desespero interno leva-a a partir sozinha numa grande caminhada pelo perigoso Trilho Crest Pacific, uma opção arriscada, até porque ela não tem quase nenhuma experiência nem tipo de andanças, mas que acaba por se revelar como uma opção necessária, porque só assim é que Cheryl conseguirá ter tempo para pensar e organizar a sua vida. 
O livro de memórias da própria Cheryl Strayed, "Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail", serviu de inspiração ao guionista Nick Hornby e ao realizador Jean-Marc Vallée para criarem este despretensioso mas poderoso drama humano que, muito provavelmente, será um dos filmes mais intimistas da temporada. A sua história foca-se pura e simplesmente na jornada pessoal de uma mulher que perdeu a sua ligação com a felicidade como consequência da trágica e inesperada morte da sua mãe que, como acabamos por descobrir, era o seu grande apoio e um dos seus principais elos de ligação à vida. Ao longo do filme vamos descobrindo como é que este trágico evento impactou a vida de Cheryl, e vamos também ganhando respostas para os motivos que a levaram a aventurar-se a solo numa perigosa caminhada por um dos trilhos mais perigosos dos Estados Unidos. Ao longo de aproximadamente duas horas, "Wild" segue, no presente, o percurso solitário de Cheryl ao longo do Trilho Crest Pacific, mas pelo meio deste longo percurso são nos apresentados curiosos e informativos flashbacks que respondem a muita coisa e ajudam a aprofundar ainda mais a personalidade e o estado de espírito da protagonista que, ao longo da sua caminhada vai sofrendo uma evolução pessoal muito intimista, dinamizadora e reveladora. A sua jornada de vida consegue apelar a qualquer um, sendo certo que até podemos desaprovar muitas das opções que foi tomando, mas compreendemos facilmente a razão subjetiva por detrás de muitos dos seus comportamentos de risco, como também percebemos o que é que globalmente a levou ao desespero, sendo perfeitamente percetível todo o drama e emoção humana que ressoa da complicada vida da protagonista e, consequentemente, da forma como ela opta por lidar e enfrentar os seus problemas.

   

O filme consegue ilustrar na perfeição as fraquezas da protagonista, quer através dos gigantes erros do passado, quer através das dificuldades que sente ao longo da sua jornada de autodescoberta, mas consegue sempre criar belos paralelismos entre as situações do presente e do passado para, de seguida, motivar uma espécie de crescimento e evolução por parte da protagonista que, no presente, perante a grande tarefa que têm à sua frente, acaba por colocar sempre de parte os seus medos para continuar em frente, algo que não conseguiu fazer no passado. Esta imagem de comparação é uma das mais poderosas do filme e, apesar de mesmo durante a viagem cair em certos erros e tentações, torna-se percetível que a protagonista vai mudando e crescendo, aceitando com isso uma nova perspetiva de como encarar a vida e tudo o que a rodeia. O final do filme, apesar de incerto e de deixar muita coisa em branco, acaba por passar essa ideia de esperança no futuro e num novo rumo de mudança, aliás torna-se evidente na parte final que a protagonista aprendeu muito com a sua jornada e está pronta para recomeçar tudo de novo, não sendo no entanto um final tipicamente feliz e romanceado ao estilo de Hollywood. No fundo, "Wild" apresenta-nos um retrato intimo, pessoal e dramático de uma pessoa genuína que, sem grandes complexidades ou tergiversações, destaca-se como um retrato bastante poderoso e perfeitamente percetível do ponto de vista dramático e emocional em qualquer ponto, apesar de factualmente existirem algumas áreas mais negras que, no geral, não afetam a validade deste projeto que, por tudo o que a sua narrativa apresenta, consegue levar qualquer espectador a sentir-se interessado pelas jornadas interna e externa de Cheryl, ou seja, pela sua luta por sobreviver ao caminho, mas também pela sua luta para recuperar o gosto pela vida.
A liderar os pontos de luxo deste projeto dramático está a performance de enorme qualidade de Reese Witherspoon, uma atriz já muito conhecida do grande público, mas que aparece quase sempre em filmes medíocres onde quase nunca sobressai, no entanto, em "Wild" mostra-nos uma faceta profissional mais desconhecida mas muito mais interessante e entusiasmante que raramente sobressai nos seus filmes, excepção feita porventura às suas prestações em obras igualmente positivas como "Walk the Line" (2005), filme pelo qual ganhou o cobiçado Óscar de Melhor Atriz Principal e que, até hoje, era globalmente considerado como o seu grande papel de excelência. Esta descrição terá que mudar, porque agora com "Wild", Witherspoon tem mais um projeto de referência na sua carreira, onde acaba por dar muito mais de si, porque ao contrário do que acontece em "Walk the Line", a personagem de Witherspoon tem muita mais preponderância e importância em "Wild", um projeto que exige muito mais poder dramático e humano desta aqui surpreendente atriz que, quase de certeza, estará presente entre as principais candidatas ao Óscar de Melhor Atriz Principal. E quem quase de certeza ajudou Witherspoon a brilhar ao máximo em "Wild" foi o seu realizador Jean-Marc Vallée, que continua assim a sua onda de projetos positivos e dramáticamente surpreendentes, isto após ter conquistado muita admiração com "Dallas Buyers Club", mas também com obras mais antigas mas muito positivas, como "C.R.A.Z.Y." ou "Café de Flore". O seu trabalho de direção em "Wild" é bastante interessante, sendo de destacar a forma cuidada e bela como retrata a jornada de sobrevivência da protagonista, contrabalançando tal jornada com flashbacks bem montados e estruturados que enriquecem o cômputo geral do filme, mas também com sequências mais agressivas que conseguem acordar o espectador e impulsioná-lo a abraçar este drama humano que, realmente, merece por tudo o que já referi ser abraçado por todos, mais que não seja pela fantástica performance de Witherspoon.

Classificação - 4 Estrelas em 5

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