Crítica - Suffragette (2015)

Realizado por Sarah Gavron
Com Meryl Streep, Helena Bonham Carter, Carey Mulligan

No início do Século XX, a democracia já estava instalada nos países mais desenvolvidos do mundo. Tal democracia não era, contudo, a mais justa e completa, porque em maior parte desses países metade da população adulta ainda estava impedida de participar em qualquer tipo de processo democrático. Essa percentagem da população dizia respeito às mulheres que, por força de uma conjetura social que privilegiava complexos sexistas e princípios de desigualdade,  não lhes reconhecia capacidade intelectual ou qualquer tipo de destreza emocional para votar no que fosse. Esta mentalidade na Europa começou a mudar no Reino Unido e "Suffragette" acompanha esse momento de mudança que teve como principais intervenientes mulheres de vários quadrantes sociais que lutaram, uma vezes mais pacificas que outras, pelo direito ao voto e à igualdade.
Apelidadas de Suffragettes, essas mulheres conseguiram alcançar aquilo pelo qual lutaram tão afincadamente, mas sem antes terem que esperar longos anos e derramarem muitas lágrimas e sangue. Só em 1918 é que o Reino Unido concedeu às mulheres o direito parcial ao voto. Para obterem o direito sem limitações ao voto tiveram que esperar até 1932. O filme até nos leva erroneamente a crer que as mulheres britânicas foram das primeiras a obter este  direito no mundo, mas mesmo quando o Reino Unido deu o direito ilimitado às mulheres, já países como a Suécia, a Finlândia, a Austria, a Noruega, a Alemanha, a Dinamarca, a Nova Zelândia e vários estados dos Estados Unidos da América e Austrália  já tinham dado às suas mulheres esse direito ilimitado. O Reino Unido não foi de todo pioneiro na decisão de dar as mulheres o direito ao voto, mas foi neste país de raízes monárquicas onde a luta foi mais mediática e acesa. 


Embora iluda timidamente o público sobre os desenvolvimentos históricos e os valores britânicos nesta questão sensível, "Suffragette" mantém ainda assim bem vincada a sua destreza na hora de retratar com o correto drama e sensibilidade a luta dessas mulheres. Tal retrato foca-se no momento mais violento e dramático dessa demanda. Por conta de promessas falhadas por parte do Governo Britânico puramente machista, as Sufragistas britânicas tiveram que recorrer a meios mais violentos para passarem as suas ideias. Os ataques de vandalismo e até terrorismo que cometeram, embora não tivessem causado vítimas, prejudicaram a estabilidade social e humana do país e fizeram a população pensar em todos os prós e contras da questão. Tal como o filme demonstra e bem, uns passaram a olhar com mais seriedade para os direitos e ameaças das mulheres, já outros encontraram nestes meios violentos a justificação para não cederem e darem direitos a pessoas de mentalidade anarquista. O que era e sempre será inegável é que embora sejam moralmente justificados, tais atos demonstraram pouca dignidade moral das sufragistas e acabaram por prejudicar imenso a causa e quem sabe, até podem ter atrasado a concretização das suas intenções. Mas "Suffragette" mostra-nos que as principais vitimas de tais ações foram as próprias mulheres que levaram as cabo e que tiveram que fazer inúmeros sacrifícios em prol de tudo aquilo que acreditavam e defendiam. 


O filme pega na história pessoal mas ficcional de Maud Watts (Carey Mulligan) para retratar essa jornada de sacrifícios e escolhas. E tal história demonstra bem a capacidade de sofrimento e sacrifício de certas mulheres que, pelo direito à igualdade, deixaram de parte o trabalho, a família e até a vida para conseguirem o que pretendiam. Recheado de momentos dramáticos, políticos e até familiares, "Suffragette" consegue passar a imagem que pretende e, pese embora as evidentes ilusões e limitações, consegue ter um certo valor histórico. É claro que importa referir que tal história é explorada com um certo peso sentimental dispensável que torna-o num projeto lento e nem sempre agradável de ver. O relato da luta armada das Sufragistas torna-se com o tempo mais desinspirador do que inspirador, tal como a jornada pessoal e em certo ponto policial de Maud que, a partir de certo momento, torna-se num festival melodramático dispensável que se arrasta em demasia por todas as direções possíveis. Mas apesar destes exageros que o impedem de brilhar mais alto, "Suffragette" tem o seu valor e surge como um dos melhores filmes de entretenimento sobre esta pouco explorada temática.
Um dos melhores valores de "Suffragette" é o seu elenco. A já consagrada Carey Mulligan brinda-nos com uma prestação muito positiva. Já há algum tempo que não víamos a Mulligan que nos espantou em "An Education" (2009), mas em "Suffragette" mostra-nos um vislumbre da sua capacidade profissional graças a uma performance muito equilibrada e competente que confere uma emotividade extra à sua personagem por vezes demasiado rígida. É por isso que Mulligan é apontada como uma das candidatas ao Óscar de Melhor Atriz, pelo menos tem hipóteses de chegar à nomeação, pelo menos a julgar pela sua recente vitória na categoria nos Hollywood Film Awards. Helena Bonham Carter também está muito bem, tal como o restante elenco feminino do filme. A única excepção é Meryl Streep que infelizmente só aparece numa única sequência do filme. Tal sequência é inspiradora e Streep demonstra sempre o seu carisma, mas todos queríamos mais Streep e não o temos. E acabamos por ficar desiludidos por causa da campanha promocional de "Suffragette" que parecia indicar que Streep teria mais evidencia, mas uma vez mais o filme ilude e não concretiza as nossas expectativas. Embora Meryl Streep quase não apareça, "Suffragette" arranca assim vários pontos positivos e conquista por um retrato humano longuíssimo mas competente,

Classificação - 3 Estrelas em 5

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2 Comentários

  1. Olá, João. Há muito tempo que não deixo aqui uma palavrinha, mas costumo, quase diariamente, dar aqui um salto para ver as novidades.
    A sua crítica é muito favorável, por isso achei estranho ter dado apenas tês de pontuação. :)
    Estou ansiosa para ver este filme. Adoro a Carey, desde precisamente do filme "Uma Outra Educação" e da Meryl, nem vale a pena esticar os meus elogios. É, desde sempre, a minha actriz preferida. Fiquei triste em saber que ela só aparece como convidada. Pensei que ela iria fazer o papel de uma das sufragistas de maior relevância, a Emmeline Pankhurst. Este tema não me é nada estranho, porque é um dos trabalhos que eu costumo pedir aos meus alunos para apresentar, dentro do contexto de homens e mulheres que fizeram história. :)

    Continuação do seu sempre excelente trabalho.

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    1. Obrigado Lucy. O filme vale a pena, sem dúvida, mas podia ser um pocuo melhor porque pode tornar-se chato :)

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