Crítica - Il Gattopardo (1963)

Realizado por Luchino Visconti
Com Burt Lancaster, Claudia Cardinale, Alain Delon

"É preciso que as coisas mudem de lugar para que permaneçam onde estão". Apesar de ser uma simples frase, o seu significado vai-nos acompanhando ao longo desta obra prima de Luchino Visconti. Com uma sensibilidade raramente vista em qualquer filme, a história originalmente escrita por Giuseppe Tomasi di Lampedusa transporta-nos para uma Itália revolucionária e pronta para a histórica unificação, mas, como em qualquer outra história, há sempre dois lados.
A obra começa com uma intensa oração a Avé Maria da família Tommasi, enquanto um verdadeiro caos se instala do outro lado da porta. O que se está a passar? Porquê tanta confusão? A história é ambientada nos anos 1860, quando a Itália vive umas das épocas mais conturbadas de sua história, aquela que se tornou conhecida por Risorgimento. O filme começa justamente com o desembarque das tropas de Giuseppe Garibaldi na Sicília. Os rebeldes lutam pelo fim da aristocracia rural e da sociedade construída à base de benesses e privilégios. O Príncipe Salinas (Burt Lancaster) resolve refugiar-se temporariamente com a família em Donnafugata, cidade em que costuma passar regularmente temporadas de férias. Já convencido que o processo de unificação veio para ficar, o Príncipe Salinas começa a observar de uma forma lenta e quase não visualizada por outros, que a sociedade vai mudar para sempre. Nunca ficamos com a certeza daquilo que vai realmente acontecer à família de Tancredi, mas, ao nadarmos no seu olhar, vemos que o desespero e o sentimento de insignificância amaldiçoam a sua mente.
Tancredi obtém a perspetiva que assenta-se como um homem fora do seu tempo e que simplesmente deixa de lutar contra isso. A personagem é como se fosse o alter ego de Visconti, tornando-se este filme o mais pessoal da sua carreira. Salinas é a figura de autoridade da família e isso fica bem claro desde a cena inicial que, apesar de estar uma algazarra no outro lado da porta, ninguém se atreve a levantar sem a autorização do chefe do clã. Apesar dessa faceta, o Príncipe demonstra alguma fragilidade perante a situação da sociedade onde pertence. Os dias dos leopardos e dos leões, isto é, da aristocracia, vão dar lugar aos lobos e chacais, a burguesia. A grandiosa cena do baile, excelentemente filmada, demonstra bem esta mudança, com a interação entre a aristocracia e a burguesia, algo impensável de acontecer há alguns anos antes. Tudo o que conhecia até então vai-se modificar e então…onde permanecerá Salinas? 


Para um personagem tão complexo e cheio de camadas como Tancredi, era necessário um ator igualmente sensível como o seu realizador, e é aqui que o grande Burt Lancaster entra. Sendo uma figura de grande respeito e sabedoria, a forma de andar, de estar do ator é impressionante e transmite confiança do mesmo, ao mesmo tempo que a insegurança do personagem o abate. O olhar cheio de vida e emoção de Lancaster transporta-nos para os sentimentos mais puros do personagem, um homem que passa dor, desejo, paixão, desconforto, autoridade…Simplesmente genial.
Apesar de todo o cast ter performances impecáveis, há que destacar a maravilhosa Claudia Cardinale como a sensual Angélica, que transpira pura sensualidade e charme, que conquista o coração de qualquer homem, incluindo Salinas. Os pequenos toques, o vestuário distinto, o morder dos lábios, tudo rodeia à volta desta pessoa carnal mas carinhosa, com um bom coração e um riso bastante peculiar.
Toda esta obra-prima não seria possível sem o olhar cuidado de Visconti a todos os pormenores desde o cenário, aos figurantes e ao guarda-roupa deslumbrante. Os movimentos de câmera delicados, a textura das cores utilizadas, a organização das personagens…Tudo isto entra em harmonia especialmente na cena do baile que ocupa cerca de um terço do filme. As cores vivas, o luxo, tudo é retratado com grande esplendor mas ao mesmo tempo com simplicidade, sem grandes rodeios. Há que também que ressaltar a única cena de batalha do filme, muito bem realizada, provando a todos os “Michael Bay’s” que uma cena de ação pode ser brilhantemente executada sem cortes excessivos e câmera tremida.
O único “down side” do filme poderá mesmo ser as suas longas três horas de duração, que pesam um pouco ao espectador. Uma verdadeira obra de arte que merece ficar nos nossos corações pela grandiosidade, pela magnificência de suas performances, pela simplicidade dos movimentos de câmera, pelo sentimento intenso e pelas lágrimas que nos escorregam no rosto no final.

Artigo Elaborado por Bellatrix Alves

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