Com Marta Etura, Elvira Mínguez, Nen
Estreado em 2017 em Espanha, "El Guardián Invisible" está longe de ser uma obra consensual e, apesar de o ter apreciado bastante, consigo perceber porque é que é assim tão polarizante. Até no seu país Natal, onde teve honras de estreia nas salas de cinema, este thriller criminal não conseguiu reunir grande consenso e mesmo agora, com a sua passagem para o catálogo da Netflix, tem ficado na sombra de outras obras que conseguiram reunir um maior consenso mediático.
Um dos factores que pode ajudar a explicar o distanciamento do público é a sua longa duração. É porque com quase duas horas e meia de duração, "El Guardián Invisible" torna-se numa verdadeira maratona e, infelizmente, nem sempre consegue manter o nível durante toda a duração do filme, algo que o torna difícil de ver. Até se pode dizer que a jornada da inspectora Amaia para resolver uma série de macabros crimes na sua cidade Natal até começa bem, apresentando o ponto de equilíbrio ideal entre crime, suspense, drama e ação. Este ímpeto inicial não é, no entanto, transportado para uma segunda parte do filme bastante longa, onde assistimos a abrupta quebra de energia e suspense, mas sobretudo a um desvio da temática central. Os crimes de um serial killer passam, assim, para segundo plano em detrimento da uma jornada de introspecção da personagem principal. A segunda parte do filme pode-se resumir à batalha interna que Amaia trava para lidar com o seu passado sombrio que envolve abusos parentais. E embora este desenvolvimento pessoal tenha mérito e não seja de todo descabido para o desenrolar do filme, acaba por frustrar expectativas e por polarizar um enredo que estava bem lançado.
É certo que na terceira e última parte recuperamos o tema e a essência do início, mas aquele ponto intermédio, pese embora estar bem construído, acaba por partir o filme e por permitir um certo distanciamento do público. É também por causa deste ponto intermédio que o filme tem mais de duas horas de duração, já que o mesmo perde tempo a desenvolver ao pormenor todas as pontas soltas da trama que vão sendo fornecidas, mas é claro que este desenvolvimento, embora necessário para atar a história da protagonista, acaba por tomar o seu tempo. Por tudo isto pode parecer que "El Guardián Invisible" é desequilibrado e que tenta contar duas histórias separadas no mesmo filme, mas a verdade é que é exatamente o oposto. O início e o fim estão ligados pelo meio que, embora mais subjetivo e mais próximo à protagonista, permite esclarecer comportamentos, teorias, mitologias basca mas, acima de tudo, permite compreender a protagonista, os seus métodos e o seu comportamento. E assim torna-se muito mais fácil para o espectador ver em Amaia uma verdadeira heroína, cujo desempenho profissional não é furto de acaso, mas sim de trabalho árduo e dedicação, apesar do filme dar ali uma astuta indicação que houve forças sobrenaturais a ajudá-la. E este pormenor é outro ponto delicioso do filme. A referência a uma criatura mitológica basca parece inocente e até absurdo, mas no final revela-se essencial e, sem roubar realismo ao filme, acaba por fornecer-lhe um elemento extra de criatividade. A pequena sequência no final, onde este elemento sobrenatural ganha relevo é magistral e revela-se como uma forma inusitada do filme despedir-se do espectador!
E por falar em final, muitos podem até dizer que a conclusão que nos é apresentada é forçada e que a revelação da identidade do serial killer é inusitada, mas uma vez mais, a identidade do serial killer está relacionada com a segunda parte do filme, pelo que o mesmo teria sempre que ter alguma relação com a protagonista. E, tal como o twist sobrenatural, os vários twists e detalhes que vão aparecendo nesta obra são deliciosos e todos eles têm um propósito. O mérito é do argumento, mas também de Dolores Redondo, a autora do livro que deu origem a este filme e a quem se deve tamanho detalhe. Ao argumento de Luiso Berdejo deve ser dado, ainda assim, os parabéns por ter conseguido transpor para o cinema uma obra tão complexa como a que Redondo criou.
Para além de um enredo atrativo, "El Guardián Invisible" está também muito bem feito. É verdade que poderia ter um ritmo mais coeso, mas tecnicamente é muito interessante. A direção de Fernando González Molina denota grande qualidade e capacidade para controlar variados elementos, sendo também de destacar a bela fotografia sombria, chuvosa e nebulosa de Flavio Martínez Labiano, que assim ajudou a conferir ao filme aquele toque de magia cinematográfica. Também não poderia deixar de mencionar o belo trabalho de Marta Etura, uma das melhores atrizes espanholas dos últimos anos que, uma vez mais, volta a brilhar com uma grande performance!
Embora seja um filme diferente, "El Guardián Invisible" não é tão inacessível como já o pintaram. É uma obra que demora o seu tempo é certo, mas que vale a pena assistir, particularmente se aprecia thrillers que vão mais além do óbvio. Uma sequela relacionada com o elemento mitológico do filme já foi lançada e também ficará disponível na Netflix em breve, mas tudo começou com esta grande obra!
Classificação - 4 Estrelas em 5
0 Comentários