Entrevista a Fernando Galrito, Diretor Criativo da MONSTRA 2022

Fernando Galrito, Diretor Artístico da MONSTRA 2022, falou ao Portal Cinema sobre a Edição de 2022 deste festival de animação que, este ano, decorre entre os dias 16 e 27 de Março em Lisboa. Desde 2000 que a MONSTRA | Festival de Animação de Lisboa tem como grande objetivo celebrar a transversalidade artística, promover o encontro entre pessoas de diferentes artes e transmitir novos olhares estéticos, usando como base a linguagem mais pluridisciplinar que conhecemos: o Cinema de Animação. Este ano não será diferente, aliás como prova a programação já divulgada, mas quisemos saber mais sobre esta edição e descobrimos todas as surpresas e grandes propósitos que este novo capítulo da MONSTRA reserva ao público. 


A MONSTRA está de volta! O que nos podem dizer sobre esta edição e o que moveu a linha editorial da programação?

Fernando Galrito: Pelo 22.º ano consecutivo, a MONSTRA e a MONSTRINHA regressam ao seu formato e datas de sempre, assumindo-se como o habitual espaço de convívio entre os amantes do cinema e da animação. A programação incidirá como de costume sobre 4 áreas principais, as sessões de cinema, formações, exposições e transversalidades. Este ano temos prevista a exibição de mais de 470 filmes de enorme variedade estética, técnica, narrativa e dramatúrgica, com sessões no Cinema São Jorge, Cinemateca e Cinema City Alvalade entre vários outros locais. 

Para além das sessões de competição e das diferentes retrospetivas temáticas, a programação inclui uma importante homenagem ao país convidado de honra deste ano, a Bulgária, impulsionada pela celebração dos 75 anos da criação do departamento de Animação no então Instituto Nacional da Cinematografia Búlgara. Muitas sessões serão apresentadas ao vivo por artistas, curadores e outros especialistas que se deslocam a Lisboa para participar também em encontros, debates, palestras e ações de formação destinadas não só a estudantes e profissionais mas algumas delas também ao público em geral. Três grandes exposições marcam o festival: a dos cenários e marionetas originais do filme Os Demónios do Meu Avô de Nuno Beato no Museu da Marioneta; a dos Desenhos de Animação na Sociedade Nacional de Belas Artes, que reúne trabalhos de Joanna Quinn, Anri Koulev e uma coleção dos 10 anos do Bando À Parte. 

Haverá ainda uma homenagem aos 30 anos da Animanostra na Galeria de Santa Maria Maior. As transversalidades serão, como habitualmente, o espaço de ligação entre o cinema de animação e as outras artes, e incluirão a realização de filmes-concerto, instalações e uma aplicação de realidade aumentada feita pela UnLoop especificamente para a MONSTRA. A arte continua a ser o elo de forte ligação entre os seres humanos e por isso mesmo, é com grande satisfação que regressamos com um extenso e equilibrado programa com centenas de autores, concretizado com o apoio de mais quatro dezenas de países.


O que é que o Covid-19 veio alterar (se alguma coisa) na logística e na programação? Que desafios é que esta pandemia ainda impõem à organização?

Fernando Galrito: Durante dois anos não conseguimos realizar o festival no mês de março como habitualmente devido às restrições impostas pela pandemia. No entanto, a programação prevista para 2020 e 2021 não foi cancelada mas sim desdobrada em várias etapas, umas vezes realizada online e sempre que possível ao vivo. Esta experiência obrigou a uma adaptação dos nossos métodos de trabalho, nalguns casos com ganhos de tempo e eficiência através do teletrabalho, mas noutras situações surgiram as dificuldades naturais decorrentes do distanciamento e da implementação da própria logística de produção dos eventos que obriga à presença física. 

Neste momento o nível de restrições aplicadas às atividades culturais é muito reduzido e, apesar do uso de máscara ser ainda obrigatório, as salas de cinema estão a funcionar na sua capacidade máxima e já não é necessária a apresentação de certificados. Estamos por isso muito satisfeitos que a situação atual permita, embora ainda com algumas precauções, o regresso da MONSTRA ao seu formato original, com uma programação non-stop concentrada em 12 dias seguidos, incluindo um conjunto de atividades que contarão com a presença de alguns dos nomes mais importantes do cinema de animação contemporâneo, tanto a nível nacional como internacional.


Uma vez mais a programação da MONSTRA é vasta e diversificada, seja em longas, curtas e atividades diversificadas, mesmo em contexto pandémico. Que destaques é que gostariam de promover?

Fernando Galrito: De entre a vasta programação, destacamos naturalmente uma das seções mais importantes do festival, que são as competições MONSTRA e MONSTRINHA. Entre os dias 21 e 26 de março e sempre no Cinema São Jorge, o público terá oportunidade de ver o que de melhor se fez em Portugal e no mundo nos últimos dois anos. 

Longas metragens, curtas, curtíssimas (filmes até 2m de duração excluindo genérico), filmes de estudantes, prémio SPA | Vasco Granja para os filmes nacionais e a MONSTRINHA, são as seções de competição que contarão com a presença em Lisboa de vários autores, que depois de dois anos de confinamentos e limitações de viagens regressam em força ao festival. São no total 175 curtas e 7 longas, selecionadas entre mais de 2500 filmes inscritos e provenientes de 105 países diferentes, incluindo 18 filmes portugueses. Um programa caracterizado por uma grande variedade de ideias, mensagens, estéticas, propostas artísticas e técnicas de animação. Alguns apresentam-se em estreia nacional ou mundial como o filme de Laura Gonçalves  “O Homem do Lixo”, por exemplo, enquanto outros chegam à MONSTRA com um percurso já recheado de prémios internacionais, como são os casos de Bestia, o arrepiante thriller de Hugo Covarrubias ou o divertido Affairs Of The Art com o humor britânico de Joanna Quinn, ambos nomeados para o Óscar de 2022. Da ficção ao documentário, do filme narrativo ao experimental, 19 programas a não perder para os amantes de cinema de animação independente e contemporâneo. Toda a programação pode ser consultada na APP MONSTRA FESTIVAL nas lojas digitais Android e Apple.


Quais são os grandes propósitos desta Edição e quais são as metas a alcançar este ano?

Fernando Galrito: Um dos grandes objetivos desta edição é trazer de volta o público à sala de cinema. Acreditamos que uma das principais funções de um festival de cinema é proporcionar o encontro entre profissionais, estudantes e público em geral, sendo o formato presencial indispensável para fortalecer os laços que unem a comunidade da animação. O contacto direto serve muitas vezes como um motor de inspiração e motivação para a criação de novos projetos e concretização de muitas parcerias. Por outro lado, para o espectador, a experiência de ver um filme no grande ecrã não é de todo substituível pela visualização online, onde os ecrãs são na maior parte dos casos de pequena dimensão e o ambiente envolvente convida à desconcentração. Neste contexto, o futuro das salas de cinema é um tema que pensamos ser importante debater e que será abordado na MONSTRA Summit deste ano, com a presença dos vários atores dos diferentes meios de divulgação.

De uma forma mais geral, a MONSTRA, tal como a generalidade dos festivais de cinema, tem também como grande objetivo o de promover e divulgar o cinema enquanto arte, destacando aquelas obras que normalmente não tem espaço garantido nas salas comerciais ou na televisão, não por não ter mérito, mas pelas circunstâncias particulares do funcionamento de uma atividade sempre dependente das grandes audiências e muitas vezes avessa ao formato das curtas.


O país homenageado desta edição é a Bulgária. Não é um país dos quais nos chegam muitos filmes no quotidiano e, por isso, acreditam que esta homenagem servirá para apresentar o cinema búlgaro a Portugal? O que podemos esperar da secção que lhe é dedicada?

Fernando Galrito: O bom pretexto para a escolha da Bulgária como país convidado de honra da edição de 2022 da MONSTRA é a celebração dos 75 anos da criação do departamento de Animação no então Instituto Nacional da Cinematografia Búlgara. Será uma oportunidade única de mergulhar numa cinematografia pouco divulgada em Portugal, mas cheia de “pérolas” narrativas e estéticas, com nomes que ficaram conhecidos internacionalmente pela qualidade da sua arte. 

A retrospetiva integrará 10 sessões, incluindo a estreia mundial de Dito Suavemente, o novo filme de uma das figuras mais destacadas da animação búlgara, Anri Koulev, realizador e professor na Nova Universidade Búlgara em Sofia e que estará presente em Lisboa juntamente com uma importante delegação de artistas, curadores e especialistas em cinema de animação vindos deste país do leste da Europa. Os seus desenhos estão também patentes numa exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa. O Festival de Cinema de Animação de Varna também marcará presença com uma importante retrospetiva e na Cinemateca serão exibidas três sessões dedicadas à história da animação búlgara, para além de outras sessões realizadas no Cinema São Jorge direcionadas à animação contemporânea, à poesia, bem como uma sessão para os mais novos.


Um dos grandes chamarizes desta edição da MONSTRA é a sua secção de Longas-Metragens, onde estão presentes alguns dos grandes filmes recentes deste mundo, como “Flee”. Nas palavras da organização o que podemos esperar dos projetos que compõem a seleção.

Fernando Galrito: Há cerca de 20 anos atrás, as longas metragens presentes nos festivais de animação por esse mundo fora contavam-se pelos dedos de uma mão. Este é um formato que exige um grande investimento da parte dos produtores, dada a complexidade e morosidade da técnica de animação em comparação com a imagem real. Esta situação alterou-se drasticamente, com especial destaque para a Europa onde o número de filmes produzidos cresceu exponencialmente na última década. A longa deixou de ser um formato onde apenas americanos e japoneses davam cartas e muitos autores que se dedicavam em exclusivo às curtas metragens lançaram-se no formato longo. 

A competição deste ano é um espelho disso mesmo, onde figuram as primeiras obras neste formato de três autores cujo trabalho nas curtas faz já parte da história do cinema de animação. São eles a autora checa Michaela Pavlátová com A Minha Família Afegã e que estará presente em Lisboa dando uma masterclasse sobre o seu trabalho; a francesa Florence Miailhe, especialista na técnica em pintura sobre vidro que apresenta A Travessia; e o aclamado realizador japonês Koji Yamamura que nos trás Dezenas de Nortes. Ainda na competição e vindo do Brasil, teremos um filme já muito premiado internacionalmente, Bob Cuspe, Nós Não Gostamos de Gente de Cesar Cabral, que também estará presente no festival, um documentário realizado de forma muito original com o icónico personagem de banda desenhada criado pelo famoso cartunista Angeli. Na secção DokANIM o grande destaque vai naturalmente para Flee do realizador dinamarquês Jonas Rasmussen, já com um impressionante percurso nos festivais de cinema por esse mundo fora, estando nomeado em quatro categorias para os Annie Awards e em três para os Óscares de 2022.

Para concluir, não podíamos deixar de referir a antestreia nacional de Belle, o novo filme de Mamoru Hosoda, aclamado em Cannes com uma ovação em pé durante 14m, cinco nomeações para os prestigiados Annie Awards e recordes de bilheteira no Japão e Estados Unidos, prometendo também ser um caso de sucesso em Portugal. Numa era de crescimento exponencial das formas digitais de comunicação e socialização, o autor apresenta-nos uma obra muito atual, com a capacidade de nos emocionar mas ao mesmo tempo fazer pensar sobre as questões da realidade e identidade humanas.


Para além das longas-metragens, a MONSTRA volta a apostar forte nas curtas-metragens, quer com o prémio Vasco Granja, quer com as secções paralelas, como a Monstrinha. Quais são os grandes destaques nesta área?

Fernando Galrito: As curtas têm mais uma vez uma presença muito forte na programação MONSTRA, estando a animação portuguesa muito bem representada. Para além das várias obras selecionadas para as competições internacionais e diferentes retrospetivas, 10 filmes estão selecionados para a importante competição SPA | Vasco Granja, escolhidos entre 81 concorrentes. Estão representadas quatro das maiores produtoras nacionais independentes, Animanostra, Animais, Sardinha em Lata e Bando à Parte, com obras dos realizadores Bruno Simões, Paulo Patrício, Susana Miguel António, Filipa Gomes da Costa e Laura Gonçalves, esta última autora do documentário O Homem do Lixo que se apresenta na MONSTRA em estreia mundial. José Xavier e Pedro Serrazina, realizadores com uma longa carreira na animação portuguesa, apresentam-nos dois filmes com uma forte ligação à música e a animação abstrata, experimental ou contemplativa está também presente com as obras de João Levezinho, Maria Constanza Ferreira, Bruno Carnide e João Pedro Oliveira. Este ano estreamos também uma nova sessão, as Perspetivas da Animação Portuguesa, onde teremos também uma estreia mundial com o novo filme do Francisco Lança, um documentário da Praça Filmes realizado por Renata Bueno e Daniel Medina, um vídeo musical de Alice Eça Guimarães, autora já premiada em anos anteriores na MONSTRA bem como as obras experimentais de Alexandre Alagôa, Ícaro Pinto e Nelson Fernandes. A sessão contará ainda com uma performance ao vivo dos realizadores Jorge Ribeiro e Paulo Patrício.

Relativamente à MONSTRINHA, temos mais uma vez este ano uma programação com uma seleção de curtas metragens muito recentes e de grande qualidade artística, com uma parte especificamente dirigida às escolas e outra para famílias, onde destacamos naturalmente as sessões Pais e Filhos que serão exibidas nos dois fins-de-semana do festival no Cinema São Jorge, Cinema City Alvalade, Cinemateca Júnior, Museu Nacional de Etnologia, Centro Cultural de Carnide e Casa das Artes de Sines. É de referir também que a competição internacional de longas metragens apresenta também duas obras para famílias, Mamã Gorila de Linda Hambäck, nomeado para os Prémios Europeus de Cinema e Até os Ratos Pertencem ao Céu de Denisa Grimmová e Jan Bubenicek, que estarão presentes na MONSTRA e que nos contam a história de um rato e uma raposa que, após um trágico acidente, se encontram no céu para começarem uma amizade improvável!


A MONSTRA olhará também para o passado e recordará o clássico “Branca de Neve e os Sete Anões” da Disney. Para além desta importante homenagem, que outras retrospectivas e homenagens destacariam e o que levou à decisão de homenagear esses projetos e/ou personalidades?

Fernando Galrito: A divulgação da história do cinema de animação é também um desígnio importante do Festival MONSTRA e todos os anos homenageamos filmes aniversariantes que exibimos na secção Históricos, como é o caso de três as obras da Disney, Branca de Neve (85 anos), já exibido na Cinemateca Júnior numa sessão pré-festival, Bambi (80 anos) e O Livro da Selva (55 anos) que passarão no Cinema City Alvalade. 

Nesta seção, um dos grandes destaques será o filme-concerto a exibir na Cinemateca Portuguesa e que faz uma viagem ao nascimento da animação no final do séc. XIX e início do séc. XX, com obras dos dois pioneiros mais importantes do cinema francês: Émile Reynaud (1844-1918), artista e inventor que em 28 de Outubro de 1892 realiza a primeira projeção pública de imagens animadas em Paris, as célebres Pantomimes Lumineuses, utilizando um sistema de projeção criado por si ao qual chamou de Teatro Óptico e que antecedeu em 3 anos a primeira projeção pública do Cinematógrafo dos irmãos Lumiére; e Emile Cohl (1857-1938), autor de Fantasmagorie, um dos primeiros filmes de desenho animado que se conhecem e que é considerado pelos historiadores como um ponto de viragem na criação de uma linguagem do cinema de animação distinta do cinema de imagem real. As obras destes autores serão acompanhadas ao piano por Jacques Cambra, artista associado do Festival de Cinema de Arras e pianista residente do Festival Internacional de Cinema de La Rochelle e que vem a Portugal no âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França. 

Outro grande destaque será o tributo aos 50 anos de Fritz the Cat, o filme de estreia de Ralph Bakshi e que se tornou a primeira longa de animação adulta nos Estados Unidos a receber a classificação X. Integrado na secção Triple-X a exibir no Cinema City Alvalade, que inclui também uma sessão de curtas contemporâneas, o filme de Bakshi é baseado numa banda desenhada de Robert Crumb e apresenta-se como uma sátira carregada de humor negro, crítica social e política, pouco habitual nos filmes de animação de grande público da altura. Um filme a não perder e que faz parte do conjunto de obras aniversariantes, onde destacamos também os 75 anos de Spalicek do realizador checo Jiří Trnka, uma obra de animação em marionetas que será exibida na Cinemateca.


Que outros destaques e surpresas tem a MONSTRA 2022 a apresentar ao público?

Fernando Galrito: A animação experimental marcará também presença na MONSTRA. Este ano o maior festival de arte eletrónica do mundo apresenta-nos  o Electronic Theatre, uma sessão que inclui algumas das melhores obras de animação da edição de 2021 selecionadas pelo júri, produções que se caracterizam por combinarem os seus conteúdos artísticos com a inovação cultural e tecnológica. A sessão será apresentada por Jurgen Hagler, investigador, professor universitário e curador que em 2017 assumiu a direção do Ars Electronica Animation Festival. De entre as quatro curtas que constituem o programa, destacamos When the Sea Sends Forth a Forest de Guangli Liu, o vencedor do prémio principal, o Golden Nica, que aborda a história esquecida da comunidade chinesa do Camboja, que foi perseguida, expulsa e morta pelos Khmer Vermelho. A sessão será precedida por uma masterclass de animação expandida apresentada por Jurgen Hagler.

Na sua relação com a transversalidade artística e criativa, a UNLOOP uma empresa portuguesa especialista em Realidade Aumentada criou para MONSTRA um jogo onde todos, em qualquer parte do globo, podem criar um espaço cénico MONSTRA com personagens do festival e do país convidado, e depois fotografar-se nesse espaço cênico. Depois enviar a amigos e à MONSTRA. Os melhores trabalhos serão premiados com bilhetes para o festival. Podem descarregar a APP A MINHA MONSTRA nas lojas android e apple e jogar.

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