Quem poderia prever em 2015 que o remake norte-americano de "A Família Bélier" ganharia, contra todas as previsões, o Óscar de Melhor Filme em 2022? É claro que ninguém faria tal previsão, até porque o historial de remakes norte-americanos de obras francesas de sucesso não tem sido brilhante. Entre os melhores exemplos de piores remakes encontramos, por exemplo, as comédias "Dinner for Schmucks", "Oscar" e "Taxi" ou a comédia dramática "The Upside", remake da obra prima e grande sucesso comercial "Intouchables". Estes são apenas os mais populares exemplos medianos de remakes que correram mal.....
Quando a Apple anunciou que iria produzir um remake de "A Família Bélier" poucos (alguém?) foram aqueles que apostaram no seu futuro dourado. Mas tem que se admitir que a base é muito boa, como aliás eram as obras originais dos casos supracitados. "A Família Bélier" teve, afinal de contas, muito sucesso no seu território de origem e, por cá, passou pelos cinemas Verão de 2015 também com um certo sucesso...
Nesta obra de Eric Lartigau seguimos a Família Bélier, uma simpática família francesa que se dedica à produção de laticínios. Todos são surdos com exceção de Paula, de dezasseis anos. Ela é a intérprete dos seus pais e um elo essencial, em especial, no que respeita ao funcionamento diário da quinta da família. Um dia, incitada pelo seu professor de música, Paula descobre um talento para cantar e decide preparar-se para a audição da Radio France Choir. Trata-se da escolha de uma vida que irá distanciá-la da sua família e forçá-la a crescer.
Protagonizado pela jovem cantora Louane Emera, semi-finalista do The Voice França e que desde então tem se destacado em França como estrela da música pop, "A Família Bélier" conquistou corações e emoções com uma trama divertida e carinhosa. A seu respeito escrevemos em 2015 o seguinte: "É um exemplo perfeito de um entretenimento simples e puro que, pese embora aposte em tópicos já muito explorados e com um tom porventura demasiado juvenil, consegue entreter e até emocionar o espectador graças à sua doçura inerente. Não é um grande filme ou até um produto memorável, mas é um daqueles filmes bem representados e categoricamente humildes sem grandes pretensões ou artimanhas dramáticas ou humorísticas que, no fundo, cumpre tudo aquilo que a sua história promete desde o início."
Entre os elogios feitos estaríamos longe de pensar que o remake posteriormente anunciado pela Apple viria a conquistar o Óscar de Melhor Filme quando nem o original brilhou nos Prémios César (apesar de Emera ter levado para casa o prémio de Maior Revelação). É claro que, hoje, após os Óscares, muitos podem discutir a validade da vitória desse remake chamado "CODA". Afinal de contas o Óscar de Melhor Filme foi, curiosamente, o único galardão do género conquistado por esta obra nos principais certames da época de prémios. Entre os nomeados, aliás, teve até dos menores ratio de nomeações/vitórias na época de prémios. Tudo isto já diz bastante sobre o "mérito" de uma vitória surpreendente mas que parece ter sido criada precisamente para....chocar. E talvez se Will Smith não tivesse agredido Chris Rock, a vitória de "CODA" seria o grande motivo de falatório dos Óscares.....Numa análise mais a frio podemos até dizer que a força dos atores junto do elenco da Academia pode explicar a vitória desta produção da Apple+, até porque, a par dos Óscares de Melhor Filme, Argumento Adaptado e Ator Secundário, a outra sua grande vitória na época de prémios foi nos Prémios do Sindicato de Atores (SAG), onde conquistou o grande prémio de Melhor Elenco num Drama.
Não serve no entanto o presente artigo para atacar a validade da vitória de "CODA", mas sim para contextualizar as suas origens e qualidade. Em abono da verdade, o cineasta Siam Heder e os criadores da obra francesa, Victoria Bedos e Stanislas Carré de Malberg, conseguiram transpor na perfeição o ambiente e o estilo da comédia musical original para a realidade norte-americana. É claro que a mensagem em si é versátil e universal, mas houve neste um remake um certo toque de requinte que o afastou de um desastre. Tal como no filme francês, também o americano preencheu o elenco com um misto de estrelas surdas e atores novatos que apresentaram uma química brilhante....e de sucesso.
Se o filme em si justifica o Óscar de Melhor Filme e merece estar ao lado de obras como "O Senhor Dos Anéis: O Regresso do Rei", "Casablanca", "O Silêncio dos Inocentes" ou os restantes noventa vencedores? É discutível. E, no final, tudo dependerá da opinião de cada um, até porque se olharmos para os 94 filmes que ganharam o galardão antes de "CODA" encontraremos algumas escolhas bizarras e dúbias - quem não se recorda da ainda mais controversa vitória de "Green Book" em 2018?
O que é certo é que "CODA" fez história. Não só foi o primeiro filme de um serviço de streaming a ganhar o Óscar de Melhor Filme, como provou que, afinal, Hollywood consegue fazer remakes de qualidade de obras francesas.....
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