Vivemos num mundo governado pelas imagens que nos chegam por mediação das telas e ecrãs. Aderimos ao consumismo frenético das imagens, tanto mais frenético quanto maior a torrente de informação. Num mundo global com crescentes desafios civilizacionais, onde conceitos como os de guerra, epidemia ou crise climática nos parecem cada vez mais palpáveis e próximos, é importante que tais imagens mediáticas não sejam negligenciadas enquanto fontes de informação, mas também que não sejam devoradas acriticamente. Fala-se, por um lado, de pós-verdade e dilúvio da informação; e também se fala de alienação e escapismo na “sociedade do espetáculo”, para usarmos um termo de G. Debord. Contra estes cenários, acenamos com os valores da ciência, mas também da arte.
Desde a sua primeira edição há mais de uma década, o Family Film Project tem procurado conciliar o valor político e epistemológico das imagens com o seu valor estético, apontando sempre o seu foco um pouco para lá da dimensão direta ou imediatista das imagens, para lá da informação que fornecem, abrindo-se à dimensão performativa sem ferir o potencial arqueológico e documentarista de tais imagens. Seja através do cinema etnográfico, do cinema de arquivo ou found-footage, dos “filmes caseiros”, das diversas formas de cinema experimental ou da hibridação entre o cinema e as artes performativas, o Family Film Project procura enaltecer os desafios do cinema na sua dupla faceta testemunhal e artística: conciliar a autenticidade com a poesia, o real com a ficção, o status quo com a diferença…
Nesta 11ª edição, o programa do festival mantém a sua matriz habitual, com várias sessões competitivas divididas em secções temáticas: “Vidas e Lugares”, “Memória e Arquivo” e ainda uma sessão competitiva dedicada à “Ficção e Animação”. Ao todo, as sessões competitivas reúnem vinte e um filmes de quinze nacionalidades distintas, incluindo cinco filmes de produção nacional.
Este ano dedicamos o foco à realizadora e antropóloga Catarina Alves Costa, cuja obra é incontornável no panorama cinematográfico contemporâneo, tanto pela riqueza etnográfica dos seus filmes – frequentemente centrados na realidade portuguesa – como pela marca autoral e pela acutilância do olhar, que poderíamos aqui sintetizar como uma espécie de existencialismo antropológico. Este foco na obra da realizadora natural do Porto inclui uma seleção de alguns dos seus filmes mais emblemáticos, além de uma masterclass e ainda uma conversa com a cineasta acerca da sua obra e percurso profissional, conduzida por Humberto Martins.
Contamos também com uma masterclass pela realizadora espanhola Nuria Giménez sobre o seu premiado filme My Mexican Breztel (2019), obra singular na problematização da memória e na apropriação do arquivo, que também exibimos em sessão especial (fora de competição).
Sob a curadoria do artista e curador Peter Freund, o festival apresenta uma mostra de cinema experimental com seleção de mais de uma dezena de pequenos filmes que se estendem do chamado “cinema de apropriação” (cujas obras usam como matéria outras obras pré-existentes ou materiais de arquivo) ao “cinema generativo” (cujos conteúdos visuais são parcialmente forjados por algoritmos informáticos). A exibição dos filmes experimentais é precedida pela masterclass Retracted Cinema, onde Peter Freund nos oferece um enquadramento crítico destas formas marginais de expressão artística.
Como sempre, o festival retorna também com o seu ciclo performativo Private Collection, que este ano conta com performances dos artistas Bibi Dória, Ece Kani, Paulo Pinto e Sérgio Leitão. Em parceria com o Coliseu do Porto, a programação do festival inclui ainda o filme-concerto Heróis do Mar, evento que pretende homenagear, através do cruzamento do cinema, da música e do teatro, diversas dimensões da cultura popular portuguesa, trazidas ao palco pela própria comunidade.
As crianças e jovens também podem contar com o habitual workshop que, este ano, mais uma vez, é dirigido por Tânia Dinis, cineasta e artista que tem estado presente de diversas formas no festival. Uma menção aos parceiros habituais que, ao longo das diversas edições, têm apoiado e reforçado a programação do festival, em particular a Câmara Municipal do Porto, o Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, a Escola Superior de Media, Artes e Design do Instituto Politécnico do Porto e o Coliseu Porto Ageas. Um agradecimento também ao NorteShopping, patrocinador oficial das premiações.
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