Tudo Sobre a 9ª Edição do Olhares do Mediterrâneo – Women's Film Festival | Entrevista Com a Organização


 A 9ª Edição do Olhares do Mediterrâneo – Women's Film Festival arranca já amanhã em Lisboa. Em antevisão do certame entrevistamos a organização do festival de forma a compreendermos um pouco melhor o que é que esta nova edição nos tem para apresentar!


Portal Cinema – O Olhares está de volta para uma 9ª Edição que promete! O que nos podem dizer sobre esta edição e o que moveu a linha editorial da programação?

Olhares - Esta é uma edição em que temos particular gosto, porque temos o Líbano como país convidado e porque vamos ter a Cinemateca a acolher a nossa secção Olhares do Líbano. Dito isto, será uma edição em que retomámos a nossa habitual programação paralela em pleno e em que teremos ter 52 filmes de 26 países, entre os quais 7 filmes portugueses, mantendo as habituais secções de Competição Geral de Curtas-Metragens, Travessias e Começar a Olhar - Filmes de Escola.

Por outro lado, este ano, optámos por preencher as sessões da noite com filmes de maior envergadura, apostando em obras como o filme de estreia Murina, da croata Antoneta Alamat Kusijanovićo, vencedor da Câmara de Ouro na Quinzena de Realizadores em Cannes, ou The Den, o italiano que teve estreia mundial em Veneza e que será apresentado em sala pela própria realizadora Beatrice Baldacci. A apresentar também o seu filme estará Claudia Emperador, realizadora de The Consequences. Finalizaremos o Festival com a exibição de Under the Fig Tree, de Erige Sehiri, uma antestreia da Nitrato Filmes e o candidato tunisino aos Óscares, um filme que já passou pelo Festival de Toronto e pela Quinzena dos Realizadores em Cannes.


Portal Cinema – Uma vez mais a programação do Olhares é vasta e diversificada, sendo que como já é tradição continua com um claro foco no cinema feminino. Quais são os grandes os objetivos do festival para este ano? E sendo esta a primeira edição completamente livre das restrições do COVID-19, o que podemos esperar de Diferente?

Olhares - Começando pela segunda parte da pergunta, como disse acima, retomamos com imenso gosto e prazer a nossa programação paralela, interrompida em larga escala nestas duas últimas edições. Assim, teremos workshops, debates, uma masterclass e encerraremos o Festival com Malotira, uma banda que, após o filme de encerramento dará um concerto de entrada libre no lobby. Sempre vimos na programação paralela uma forma de ampliar a experiência cinematográfica e o compromisso do Festival,permitindo ao público desfrutar de outras formas de olhar para o cinema feito por mulheres ou complementar essa experiência com outras que enriqueçam esse universo.

O nosso grande objectivo, presente desde a génese do Festival, é trazer para Lisboa um mundo que é bastante desconhecido, de uma forma geral, e ao qual raramente se tem acesso, sobretudo a parte mais longínqua do Mediterrâneo e o sul do mesmo. Esta observação directa de como se vive nessas zonas, ajuda a concretizar um dos nossos grandes objectivos de desconstrução de preconceitos e de criar uma maior abertura face ao outro que - quando observado - é igual a nós. Isso aplica-se não só à questão cultural, mas também a áreas muito importantes para nós que tocam a discriminação e marginalização de minorias diversas, que podem ir desde os refugiados às pessoas que fazem limpezas.


Portal Cinema – Quais são para a organização os grandes destaques da programação deste ano?

Olhares - Penso que o maior destaque será mesmo a programação do Líbano e a nossa aposta nos grandes filmes da noite. Destacamos também os nossos debates (sempre na sequência e a propósito de filmes), em particular o debate da Transsexualidade, após Ary, da portuguesa Daniela Guerreiro, um filme em antestreia em Lisboa; ou o debate intitulado Por Trás das Persianas e Redes Internacionais: Trabalho Doméstico e Tráfico de Pessoas, após a exibição de Room Without a View, de Roser Corella. A propósito deste filme que nos fala do Kafala um sistema promovido pelo estado libanês que

legaliza a escravatura, debateremos com investigadores e trabalhadoras representantes de sindicatos e associações de trabalho e cuidado doméstico a situação que se vive em Portugal neste universo que sendo tão transversal, acaba por ser tão invisível Salientamos também a projecção de Novíssimas Cartas Portuguesas, um filme quecomemora os 50 anos das “Novas Cartas Portuguesas”. Na projecção deste documentário, assinado por um colectivo, estarão presentes para posterior conversa as mulheres que o criaram e nele participaram.


Portal Cinema – Este ano houve um grande enfoque em promover Masterclasses. O que nos podem dizer sobre esta parte da programação?

Olhares - Na verdade, teremos apenas uma masterclass, mas quem a dá é Heiny Srour, a icónica realizadora libanesa que é marco incontornável na história do cinema, por ter sido a primeira mulher árabe a apresentar um filme em Cannes, em 1974. Também será ela a apresentar os seus dois filmes na Cinemateca, The Hour of Liberation Has Arrived (1974) e Leila and the Wolves (1984). Poderemos continuar com ela no São Jorge e ouvir as suas histórias na masterclass em inglês intitulada Making World-changing Films. O título diz-nos tudo sobre a capacidade extraordinária que os filmes têm de mudar o mundo. É também esse o objectivo das masterclasses que temos já tido desde 2019: ouvindo as realizadoras pretendemos ver em primeira mão como se produzem filmes com um impacto transformador.


Portal Cinema – Que secção da programação mais aconselhariam a um estreante no festival? E porquê?

Olhares - Mais do que aconselhar uma secção, sugeriria que escolhesse filmes do Sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Isto porque não só é uma oportunidade de ver filmes de zonas a que normalmente não se tem grande acesso, como disse mais acima, mas também porque estes nos mostram realidades que sendo tão diversas das nossas, servem de cenário a preocupações e interesses bastante semelhantes aos nossos. É também essa a nossa ideia quando programamos as sessões para as escolas, porque para muitos dos miúdos (já recebemos mais de dez mil alunos) este é o seu primeiro contacto com uma cinematografia não anglófona. Aconselharia também que se estudassem as nossas actividades paralelas e que se assistisse a um debate ou dois.


Portal Cinema – E relativamente à parceria com a Cinemateca e ao cinema do Libano. O que podemos esperar desta secção?

Olhares - Em colaboração com o Beirut International Women Film Festival (BIWFF), preparámos para esta secção, a que chamávamos Olhares do Líbano, uma retrospectiva do cinema libanês em que apresentamos 9 filmes produzidos entre 1974 a 2021. Cobrindo cerca de 50 anos de cinema, este é um cinema marcado pelos conflitos: as guerras anti-coloniais do século XX, a guerra civil (1975-1990), a revolução de 2019 e a explosão no porto de Beirute de 2020 que, não sendo uma guerra, feriu mortalmente a cidade.

A apresentá-los na Cinemateca, espaço para os títulos mais “históricos” destes filmes, estarão Sam Lahoud, o director do BWIFF, e a realizadora Heiny Srour, que nos apresentará os seus filmes. Dentro da programação dedicada ao Líbano, realçamos também o documentário Beirut: Eye of the Storm (2021), da realizadora palestino-libanesa Mai Masri, que retrata muito bem a situação actual do país. Esta escolha do Líbano pretende, por um lado, mostrar esta filmografia tão vibrante de uma zona do mundo a que pouco temos tido acesso aqui em Lisboa, e que reflecte o concentrado de cultura, vitalidade, diversidade e conflitos presentes no Líbano. Nesta medida, para nós, o Líbano é uma espécie de símbolo amplificado do universo do Mediterrâneo, que é o ponto de partida do nosso Festival. Por outro lado, quisemos prestar a nossa homenagem e solidariedade a um povo bem resiliente que mantém a cabeça bem levantada, apesar de todas as dificuldades que tem enfrentado.

Vimos isso pessoalmente, quando em 2021, no âmbito de uma rede de festivais mediterrânicos de cinema no feminino que criámos, estivemos presentes na 4ª edição do BIWFF. Ficámos completamente apaixonadas pela cidade e pelas pessoas. Fomos em Julho, quase um ano depois da tremenda explosão no porto de Beirute que matou centenas de pessoas e feriu milhares. A destruição era ainda patente. O Líbano já se encontrava numa situação muito difícil, que entretanto piorou, e, apesar de todas as dificuldades, incluindo cortes de eletricidade e falta de gasolina, a cidade estava cheia de vida e conseguiam criar arte, fazer cultura, realizar um festival de cinema. Foi muito encorajador.


Portal Cinema - O que podemos esperar de futuras edições do Olhares? Teremos o Olhares a sair de Lisboa em 2023?

Olhares - Para o ano comemoramos a nossa 10ª edição e estamos já a pensar em várias formas de o celebrar. Quanto à saída de Lisboa, gostamos particularmente de desenvolver actividades entre duas edições do Festival e, nesse âmbito, os Olhares já estiveram um pouco por todo o país e até já fomos a Espanha :-). Temos feito várias extensões em Vila Real, Alcobaça, Palmela… Queremos desenvolver essas extensões, mas sempre defasadas do Festival, para as podermos acompanhar com a atenção que desejamos. Planeamos também intensificar o nosso programa pedagógico e de criação de novos públicos, estendendo os Olhares a mais escolas do país.

Enviar um comentário

0 Comentários

//]]>