
Com Philip Seymour Hoffman, Meryl Streep, Amy Adams
O encenador e guionista John Patrick Shanley estreia-se na realização cinematográfica com este “Doubt”, uma fiel adaptação da bem sucedida peça de teatro, escrita e dirigida pelo próprio Shanley. Em 2004, este talentoso encenador norte-americano estreou no circuito off-Broadway a polémica peça “Doubt: A Parable”, uma encenação teatral que lidava com inúmeras temáticas polémicas, como a relação da pedofilia e homossexualidade com a Igreja Católica. Após inúmeros elogios e críticas positivas, a peça transitou para a Broadway em 2005, tendo posteriormente vencido importantes prémios pelo seu polémico texto, entre os vários galardões conquistados destaca-se o Tony e o Pulitzer. No final de 2007, John Patrick Shanley juntou-se ao produtor Scott Rudin e aos estúdios Miramax para adaptar esta sua famosa peça de teatro ao cinema e o resultado final desta parceria, encontra-se finalmente em exibição em Portugal após ter surpreendido a crítica norte-americana que premiou este filme com alguns prémios e nomeações de destaque.
O filme leva-nos até à Nova York de 1964, mais precisamente até ao bairro Bronx onde encontramos uma congregação católica que vive uma época de conflito entre o visionário padre Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman) e a rígida freira Aloysius Beauvier (Meryl Streep), directora da escola St. Nicholas. Esta situação conflituosa entre duas proeminentes figuras da comunidade católica do Bronx, começou após uma missa celebrada pelo padre Flyn, onde este incorporou um pequeno sermão sobre a dúvida e a incerteza, algo que desagradou profundamente à freira Aloysius que passou a questionar a fé e o comportamento do padre. Na tentativa de provar as suas suspeitas, Aloysius pede à ingénua irmã/freira James (Amy Adams) que observe com atenção os comportamentos dos alunos na tentativa de encontrar um indício que comprove uma má conduta do sacerdote. Quando a Irmã James revela-lhe que o padre Flynn presta demasiada atenção a um dos rapazes da escola, a directora acredita ter encontrado o que precisava para desmascarar e afastar Flyn da congregação e do mundo religioso. A irmã Aloysius não tem nenhuma prova concreta, mas a dúvida instala-se e vai dividir irremediavelmente a comunidade.

Para além deste intenso duelo que culmina numa magnífica cena onde as duas personagens protagonizam um confronto verbal soberbo, existe outro duelo mais secundário mas igualmente importante entre as personalidades e mentalidades da irmã Aloysius e da irmã James. Neste particular confronto mental, contrapõem-se a rigidez e a descrença da irmã Aloysius nas atitudes de terceiros com a amabilidade e inocência da irmã James que, na sua mais íntima pureza, acredita sempre na inocência de terceiros, até prova em contrário. Os duelos e fortes diálogos que advêm destes confrontos, permite-nos conhecer um pouco melhor as três principais personagens do filme e todos os seus problemas e dúvidas interiores. É claro que o maior destaque é dado à irmã Aloysius e às suas diferentes camadas de personalidade, uma exterior que é rígida e solene e outra interior que nos apresenta uma freira manipulador e extremamente preconceituosa.
Às principais problemáticas discutidas e abordadas pelo argumento, juntam-se outras mais laterais mas igualmente importantes. Neste campo narrativo secundário, destaco sem surpresa a homossexualidade inerentemente ligada à pedofilia e exteriorizada pelo jovem que é supostamente molestado pelo padre Flyn. O tema nunca é directamente puxado pelas conversas porque é compreensivelmente abafado pelo escândalo da pedofilia, no entanto, está subjacente a esse hediondo crime e às suas repercussões no jovem rapaz que, através do magnífico diálogo entre a sua mãe e a irmã Aloysius, é retratado como um aluno difícil e presumivelmente gay. Sobre este jovem também recaiu outra temática, a raça. Durante o filme são bem patentes os problemas que a sua cor de pele provoca na escola, nomeadamente na directora que não vê com bons olhos a presença de um rapaz negro na sua instituição. Não nos podemos esquecer que a história do filme passa-se em 1964, uma época difícil para os EUA e para o Mundo, que ainda recupera da fatídica morte do presidente J.F.Kennedy, e que ainda mantém um elevado número de estereótipos e preconceitos no seio da sociedade e da igreja. Esse ambiente negro e incerto é bem retratado pelo filme que não poupa referências aos muitos problemas da época.

O realizador/guionista John Patrick Shanley não pretende com este filme atacar concretamente a igreja católica e as suas crenças, pretende sim apresentar uma história intensa sobre preconceitos e dúvidas que marcam presença no enredo do princípio ao fim e que acabam por não ter qualquer conclusão explicita. Pelo meio da interessante história, encontramos cenas de elevada intensidade e qualidade, apimentadas por diálogos intelectualmente subjectivos de grande valor narrativo. Em suma, “Doubt” é um magnífico drama que através de uma incrível narrativa, brilhantemente interpretada por um maravilhoso elenco, consegue realçar algumas questões importantes da nossa sociedade e da nossa fé.
Classificação - 4,5 Estrelas Em 5
4 Comentários
O elenco não se limita a ajudar a história, o elenco carrega literalmente a história às suas costas, se não fosse por ele este filme seria um grande flop. Doubt é o cumulo da velha guarda que defende que por detrás de um bom filmes está sempre um bom elenco. Parabéns à academia por ter reconhecido o trabalho dos actores e por ter ido mais além e não ter premiado com a nomeação de Melhor Filme, esta obra que sem o elenco seria razoável.
ResponderEliminarOs actores realmente estão em grande, principalmente a sobrenatural Streep e Seymour Hoffman.
ResponderEliminarQuanto ao filme em si, é perfeitamente visível que John Patrick Shanley não aproveitou a oportunidade de levar a sua fabulosa peça de teatral para um outro nível, a que só as grandes obras cinematográficas conseguem aspirar.
Não há um aproveitamento do jogo de câmaras, não há dinâmica visual. É nítido o desiquilibrio entre a imagem e as palavras.
Um grande filme faria corresponder a um texto superlativo um argumento capaz de guiar o espectador para além das interpretações dos actores.
Para vermos apenas os actores a trabalhar temos a peça de teatro...
Um elenco destes merecia um realizador à altura.
Uma oportunidade perdida para fazer história.
É pena...
Em relação à critica, uma sugestão construtiva: por vezes less is more. Há muitas ideias repetidas ao longo do texto.
ResponderEliminarE acho que seria positivo avisar no início do texto a quem lê que a critica tem alguns "spoilers"...
Nunca vi a peça de teatro por isso não posso comparar realisticamente o nivel das duas obras. Sei que ha uns anos atrás a peça passou por Portugal mas na altura passou-me ao lado.
ResponderEliminarRealmente o elenco é sobrenatural e acredito também nessa vertente que diz " Por detrás dum bom filme está sempre um grande elenco" mas também temos que dar crédito à história, aqueles dialogos e intrigas não foram improvisados pelos actores.
A realização até é aceitável para um realizador rookie, quantos realizadores é que podem dizer que o seu filme de estreia esteve em diversas listas dos melhores filmes do ano. No entanto, concordo que um realizador mais experiente poderia ter dado um toque de classe extra e ter aproveitado melhor o jogo de câmaras principalmente nos dialogos.
Quanto à critica, aceito os reparos, realmente divulgo um ou dois spoilers ao londo da escrita e está um bocado longo, geralmente contenho-me mas tinha visto o filme no dia anterior e não me controlei :)Por isso peço desculpas por algumas ideias repetidas.