Crítica - The Soloist (2009)

Realizado por Joe Wright
Com Robert Downey Jr., Jamie Foxx, Catherine Keener

Joe Wright tem uma maneira muito especial de mostrar o mundo tal como o vê. Os seus filmes são sempre centradas nas personagens, mas os cenários, o espaço envolvente, tem sempre muita força, muita presença, muito peso. Talvez para condizer com o vasto e complexo mundo interior que as suas personagens trazem aos ombros, que vemos reflectidos nos seus olhares dolorosos. Tendo realizado três longas-metragens todas elas baseadas em obras literárias, ele sabe que é impossível transpor toda a informação do livro nos diálogos. O que vai na mente das personagens é ditado pela expressão corporal, sim, mas soberbamente complementado pela escolha de planos do cineasta, tanto no retrato das pessoas como dos lugares. Subtil e imperceptível quando as palavras são suficientes, documentalista e invasivo quando as imagens têm de falar por si.
Os temas das suas obras até agora não são nada de propriamente novo. Em "Orgulho e Preconceito" (2005), a sua primeira longa-metragem, retomou a história clássica e mais que explorada e redefiniu-o por completo, ao mesmo tempo que definiu o seu estilo, a sua marca. Uma história de amor imprevisto e improvável de enredos complicados e demasiado texto foi transformada numa dança de silêncios significativos, olhares profundos e música dolorosa. Os sentimentos das personagens foram os nossos ao ver o filme. Em "Expiação" (2007), um mal-entendido imperdoável leva a uma tragédia a três e o espaço é opressivo e esmagador para todos os intervenientes, com a música novamente (Dario Marianelli) a definir os espaços interiores, a gravidade, o perigo iminente. "The Soloist" não é mais do que uma toma no eterno tema da redenção de uma alma perdida através da salvação de outra.
Steve Lopez (Robert Downey Jr.) é um jornalista de Los Angeles que escreve sobre pequenas histórias da cidade. Estando em crise de ideias (e de existência no geral), conhece Nathaniel Ayers (Jamie Foxx), um músico sem-abrigo com uma doença mental que, apesar de tudo, demonstra extraordinário talento com o seu violoncelo de duas cordas. Lopez começa a escrever sobre ele na sua coluna e à medida que o vai conhecendo, sente necessidade de tentar ajudá-lo, de melhorar a sua vida, de o recuperar, de o salvar, para se salvar a si próprio. Para Nathaniel, Steve é o único amigo que alguma vez teve, mas a seu ver não precisa de ser salvo. Então encontramo-nos mais uma vez perante o amor e a tragédia de duas vidas estilhaçadas.


Se é verdade que a história não é nada de muito original, a abordagem é-o, sem dúvida, ou pelo menos na caracterização das personagens. Downey Jr. veste a pele de uma espécie de Tony Stark caído em desgraça, ou seja, de discurso sempre inspirado mas ciente que a sua vida é um caco e surpreso por sequer conseguir levantar-se da cama de manhã. Foxx cria provavelmente uma das personagens mais inventivas e ricas da sua carreira. Estamos a falar de uma personagem que assimila o mundo mais através do som do que de imagens. A realidade vista por ele é multicolor de sons e as linhas de pensamento fluem como pautas musicais, não têm princípio nem fim, são um rol de factos e pessoas interligadas, às vezes sem nexo para quem não esteja dentro da sua cabeça. Mas Joe Wright põe-nos lá. É isso que faz este filme especial, mais uma vez vermos o mundo através dos sentimentos das personagens e não pelos seus sentidos. O filme fala sobre a relação que se cria entre os dois e a cumplicidade entre duas pessoas que claramente não falam a mesma língua mas que se vêem, de repente, a colocar todas as suas esperanças um no outro. Fala da importância de estendermos a mão aos nossos próximos, pelo mais pequeno gesto, porque qualquer contacto por mais pequeno que seja nos redime, nos aproxima da nossa humanidade e é benéfico para o outro, traz sentido ao outro. Nesse sentido, é um filme muito emotivo.
Tem essencialmente dois defeitos, na minha opinião. Primeiro, essa mesma emotividade às vezes é em excesso e pode ser confundida, por sua vez, com duas coisas: lamechice pegada ou tentativa clara de apontar para o Oscar, ainda por cima quando se tem uma personagem tão rica quanto a de Jamie Foxx. O outro defeito é uma certa sensação de não conclusão. Joe Wright tem verdadeiramente grandes ideias cinematográficas e executa-las, mas por vezes, talvez por ser uma história verídica e mais do que uma vez parecer estarmos perante um documentário, o desenrolar não leva a desenlace. As personagens evoluem, enriquecem no contacto entre si, mas não há catarse, não se modificam no seu âmago. Talvez seja mesmo isso parte da mensagem. Que é benéfico para ambos a presença mútua sem exigir nada em troca. Não há conclusão, há constatação. Mas isso torna o filme por vezes longo demais. Ainda assim, um bom filme, cheio de pormenores Wrightianos que nos enchem o coração.

Classificação - 4 Estrelas Em 5

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3 Comentários

  1. Também gostei muito do filme, adorei a química entre Robert e Jamie.

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  2. Os dois actores princípais estão realmente fenomenais, outra coisa não se poderia esperar desses artistas. Quanto ao resto do filme, achei-o agradável, apresenta-nos alguns promenores interessantes como dizes na crítica mas em última análise acho que o argumento poderia ter ido mais além na aboragem da doença mental da personagem de Foxx.

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  3. Concordo... não se sabe muito de cada um deles para além do presente. Acho que é uma das consequências da tal falta de conclusão. É retratado um episódio da relação deles, mas falta qualquer coisa, até mesmo pela falta de atenção que a Catherine Keener tem. Parece-me que o filme também foi direccionado para alertar sensibilidades para os sem-abrigo. Vê-se nos planos longos da rua da instituição de solidariedade, do túnel. Talvez a ideia seja não questionar o estado mental das pessoas nessa situação...

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