Crítica – Miracle At St. Anna (2008)

Realizado por Spike Lee
Com Laz Alonso, Michael Ealy, Valentina Cervi

Este “Miracle at St. Anna” é um filme de afirmação de convicções mais do que uma narração de uma história. A película inicia com um aparentemente inexplicável assassínio numa estação dos correios no Harlen cometido por um dos funcionários contra um cliente que quis comprar um selo. O culpado do crime remete-se ao silêncio, apesar da pesadíssima pena a que está sujeito, mas as investigações em sua casa levam à descoberta de um busto de uma Primavera em mármore que pertencera à Santa Trinitá, parte de uma ponte destruída durante a Segunda Grande Guerra na Toscania. A notícia saiu em todos os jornais e, quando um comerciante de arte americano em Roma tenta ler o Herald Tribune, a sua namorada assedia-o sem lhe deixar margem de manobra e o jornal cai na esplanada mesmo por debaixo da janela do casal. Somos então transportados para o seio da guerra travada pela unidade 92 da Divisão de Infantaria, toda ela constituída por negros, os Buffalo Soldiers, na Toscânia, Itália, em 1944, durante o domínio nazi. A partir daqui a ênfase é colocada no esforço destes homens que lutam, numa posição de subalternidade dentro do seu próprio exercito, em nome de um país que não reconhece os seus direitos, mas pelo qual, ainda assim, combatem com coragem, bravura e uma desenvoltura ímpares.


Esta história demora 2 horas e 46 minutos a ser contada à maneira das velhas longas metragens evocadas logo no início por um filme de John Wayne, mas em cada momento, alguns deles prescindíveis aos olhos de muitos, há qualquer aspecto desta complexa situação a ser analisado. Para além do enaltecimento do desempenho dos negros na guerra, dentro da linha de defesa dos direitos dos negros sempre apadrinhada por Spike Lee, encontramos também uma reprodução muito interessante da complexidade de interesses que se jogavam na época. Na Itália fascista lutavam o exército nazi, dentro do qual existiam muitos homens diferentes, inclusivamente homens com valores semelhantes aos nossos, lutava a guerrilha de resistência italiana, onde existiam muitos homens, inclusive homens sem valores, e lutavam ainda os aliados através do exército americano. Em cada localidade a vida dos pacatos provincianos italianos era um caos onde todas as forças e emoções se jogavam, onde as pessoas dentro de uma mesma família se digladiavam em guerras surdas procurando uma sobrevivência digna no meio de tanto caos moral. Em Sant’Anna, no adro da igreja, o exército nazi, em busca do chefe da guerrilha italiana, dizimou a população de uma vila inteira apesar dos vãos esforços do padre local para os salvar. Fugiu apenas um menino de oito anos, com ajuda de um soldado nazi, Angelo (num desempenho impressionante de Matteo Sciabordi). Mais tarde, um dos soldados negros norte-americanos, Train (Omar Benson Miller), que avançou para a linha do inimigo encontra e adopta este menino que, juntamente com a cabeça da Primavera em mármore que traz consigo, reforça a sua fé e crença na protecção divina.


A par com a reflexões sobre o comportamento humano em situações limite é o misticismo o elemento mais interessante da obra. A Fé no sobrenatural, num poder divino que altera a racionalidade humana, supera as fronteiras da vida e da morte, do visível e do invisível e conduz o homem crente no caminho do Bem, não é um tema vulgar no cinema norte-americano contemporâneo. O final deste filme recordou-me dois finais de um cinema muito pouco comercial e muito pouco hollywoodesco, o final de “Breaking the Waves” de Lars von Trier e o de “Der Himmel über Berlin” de Wim Wenders, que é afinal a crença profundamente humana da sua pequenez perante os desígnios racionalmente inexplicáveis do destino. Spike Lee pode até ter aborrecido muitos dos espectadores pela longa duração da obra mas a riqueza da análise e a profundidade das sugestões de reflexão lançadas fazem com que esse tempo tivesse valido a pena. O filme é uma adaptação do livro de James McBride, autor também do guião desta obra.

Classificação - 5 Estrelas Em 5

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